O ano começou (acabou o carnaval), mas os problemas do nosso país são antigos. O Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu o cargo clamando, em seu discurso de posse, que iria acabar com o patrimonialismo. O termo patrimonialismo é mais comum no vocabulário de sociólogos e cientistas políticos ao invés de economistas. Dentre os sociólogos, Max Weber usou a palavra “patrimonial” para descrever governos que servem ou favorecem os interesses de uma rede de amigos, familiares, apadrinhados e afiliados políticos que demonstram lealdade aos donos do poder. O inverso – o estado não patrimonialista –  defende os interesses da sociedade como um todo de forma impessoal; as instituições e cargos públicos existem para servir a nação e não podem ser usados para ganhos privados.

O patrimonialismo não é um problema exclusivo do Brasil e muito menos um desafio contemporâneo. O termo clássico foi inclusive substituído pela sua versão moderna. Nem mesmo os ditadores mais corruptos acreditam – como reis e sultões acreditavam – que são literalmente donos do estado, e podem fazer tudo o que desejam. Por isso, o patrimonialismo evoluiu para neopatrimonialismo, um estado com uma aparência estrutural externa convencional – com instituições, sistema legal, eleições e outros – mas internamente governado por interesses privados. Alguns teóricos classificam essa nova forma de patrimonialismo de “ordem de acesso limitado”, modelo no qual uma elite política usa o seu poder para impedir a competição na economia e no sistema político. Outros chamam esse fenômeno de ordem “extrativista”. Em um momento da história humana, todos os governos podiam ser classificados de patrimonialistas, de acesso limitado ou extrativistas.

Estado Moderno 

A pergunta óbvia é como essas estruturas patrimonialistas evoluíram para o estado moderno. Nenhuma sociedade é capaz de evoluir sem uma ordem política. Essa ordem é um produto da consolidação de três categorias básicas de instituições: o estado, estado de direito, e mecanismos de fiscalização. O estado é a organização centralizadora que estabelece a ordem e segurança física através monopólio do uso legitimo da força, em um determinado território. O estado de direito estabelece uma sociedade governada por um código de leis e regras estabelecidas. Essas leis são vinculantes até para os mais poderosos, sejam eles presidentes, reis, ou primeiro ministros. Se as leis forem alteradas para satisfazer os interesses dos “donos do poder” não temos um estado de direito. A peça central da funcionalidade do estado de direito é existência de um poder judiciário autônomo ao poder executivo. O terceiro pilar é a accountability, a responsabilidade do governo em proteger os interesses da sociedade – Aristóteles chamava isso de “bem comum” – ao invés dos interesses pessoais de poucos. Nas democracias modernas, accountability existe no processo democrático eleitoral. Eleições periódicas são conduzidas de forma livre e justa para escolher representantes em um sistema multipartidário.

O desafio de qualquer sociedade é criar um estado forte com capacidade de entregar bens públicos, como segurança, e aplicar as leis. Mas ao mesmo tempo, um estado com poder limitado que só será usado de forma controlada e consensual. Portanto, por um lado o estado deve ser forte e capaz, mas limitado para agir dentro de parâmetros estabelecidos pela lei.

A China tem um estado forte e bem desenvolvido, mas sem estado de direito e accountability. Estados falidos, como Somália ou Haiti, não possuem nenhuma das três estruturas políticas. Em contraste, uma democracia liberal desenvolvida, como Dinamarca ou Suíça, possuiu as três. Para citar uma das principais características do neopatrimonialismo africano, por exemplo, é preciso entender a “lei do personalismo”. A política sempre foi centrada ao redor da figura do Presidente ou Big Man (conceito político que explica a concentração de poder nas mão de um único indivíduo). Praticamente todos os sistemas políticos da Africa, no período pós-colonial, eram presidencialistas ao invés de parlamentaristas. Os líderes africanos se apresentavam como uma mistura de pai e chefe da máfia. Por exemplo, Julius Nyerere, da Tanzânia, exigia ser chamado de “Professor”, e Mobutu, do Zaire, usava um chapéu de leopardo, óculos escuros e carregava um bastão cerimonial. Até pouco tempo atrás, poucos presidentes africanos entregaram o poder pacificamente para seu sucessor, como George Washington fez após servir por dois mandatos.

Fatores Modernizantes  

Ao longo da história alguns fatores contribuíram para a modernização dos estados. Um deles foi a competição militar; a presença de inimigos e ameaças demandou a criação de um estado eficiente. Por exemplo, a posição geopolítica desfavorável exigiu tanto da China antiga como da Prussia (precursora da Alemanha unificada) que compensassem essa deficiência militar através da criação de uma administração pública eficiente. Outro fator foi a mobilização e inserção social gerada pela industrialização. O crescimento econômico emancipou novos grupos que passaram a participar do sistema político. Essa foi parte da explicação da modernização do estado americano. Na época o clientelismo imperava. Foi necessário uma coalização de novos atores sociais – composta por empresários prejudicados pela má administração pública; fazendeiros do oeste se opondo aos interesses corruptos dos ferroviários; e uma nova classe média profissional e urbana – para transformar a governança do país.

O problema do Brasil e da grande maioria dos países em desenvolvimento é virar uma “Dinamarca”. Em outras palavras, ser capaz de se desenvolver politicamente. O entendimento comum da política enxerga apenas ideologias, partidos políticos ou políticas publicas. Presidentes vem e vão, leis podem ser alteradas, legisladores mudam, mas as regras fundamentais que organizam o estado e definem a ordem política devem ser sólidas.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2015/02/26/patrimonialismo-o-desafio-politico/

Em época de eleição as análises políticas são muito requisitadas, mas não necessariamente ajudam o eleitor ou a população a escolher. Os eleitores se comportam em grande parte de forma irracional. Esse é um fenômeno estudado por psicólogos cognitivos, sociólogos, cientistas políticos e outros. Emoção e ideologia são fatores poderosos no julgamento político. Por exemplo, medidas protecionistas são ruins para a maior parte da população e apenas um pequeno grupo se beneficia. Por séculos, economistas apontam os impactos negativos dessas medidas, mas quase todas as democracias persistem em restringir importações. Por que alguém defenderia medidas que são comprovadamente ruins para seu bem estar? Certas políticas nos fazem nos sentir bem superficialmente porque aparentam ser mais justas. O problema é que essa aparência é apenas uma falha de percepção da realidade tingida por emoções ou ideologia.

Vou tentar esclarecer a diferença entre política, ideologia e pragmatismo e assim quem sabe contribuir para escolhas mais racionais. Ficaria impossível debater esses temas em diversas áreas, por isso vou focar na Petrobras e o capitalismo de estado e suas ideologias correspondentes.

Política

A política é sobre divergência de opiniões e vontades. Na esfera governamental, é a arte e ciência de dirigir e administrar a unidade política ou o estado. Em última instância é a busca e consolidação do poder. Qual é a relação da Petrobras com a política? O fato da empresa ser pública facilita o seu uso político. O conhecido capitalismo de estado, que eu já tratei em outro post, busca controlar setores da economia ou empresas para administra-las de forma política e não como uma empresa, que por essência tem objetivos econômicos. As empresas estatais chinesas não existem para dar lucro, e sim para satisfazer as necessidades políticas do Partido Comunista. No caso, a necessidade maior de garantir sua perpetuação no poder.

Na Petrobras, o uso político acontece de muitas maneiras. Os mais evidentes são o loteamento de cargos, desvios de verbas, corrupção generalizada, subsídios de combustíveis, etc. Algumas das estatais chinesas não estão preocupadas em dar prejuízo desde que empreguem o maior número de pessoas. Manutenção do emprego em um país com um regime totalitário – especialmente tendo sua legitimidade ancorada no crescimento econômico, uma vez que a legitimidade vinda da ideologia comunista se desfez – é uma peça chave para manutenção da ordem política. Alguns podem me perguntar, o que tem de errado em manter o emprego da população? Nada de errado! Mas o verdadeiro emprego só acontece em bases sustentáveis e sólidas. Decidir manter uma empresa que não dá resultados é insustentável. Dá onde virá o dinheiro para manter essa empresa e, mais importante, pagar os salários? Se a empresa não se sustenta, e ela mantém sua produção apenas para empregar pessoas, uma hora vai quebrar e todos perderão seus empregos.

A Petrobras já ocupou a 12ª posição no ranking das maiores empresas do mundo em 2009, valendo US$211 bilhões. Hoje, depois de cinco anos de uso político, é a 120ª maior, com uma valor de mercado de US$76 bilhões. Desde 2012 os aumentos do valor do barril no mercado internacional não são repassados aos consumidores brasileiros, com intuito do governo de frear o aumento da inflação. Similar as empresas estatais chinesas que seguem pagando salários através de empresas que não se sustentam, o governo brasileiro segue tendo prejuízo na área de Abastecimento devido ao congelamento de preços da gasolina.

Ideologia

Uma ideologia que defenda a proposta de igualdade social (exemplificada na manutenção do emprego pleno) vai achar que o uso político das empresas estatais, pelo governo, para garantir o emprego da população está alinhada com seus valores. Cuidado! É aí que começa a confusão entre ideologia e política.

Politicamente os mandatários do poder, e praticantes do capitalismo de estado, não estão focados nos fins ideológicos, mas apenas nos fins políticos – nesse caso aumentar o seu poder. Aqueles realmente comprometidos com o fim ideológico (emprego pleno) não estariam sacrificando e depredrando um dos maiores ativos públicos do país para manter um falso senso de segurança e estabilidade. Se a empresa não tem como manter esses salários por um longo período, ou no caso da Petrobras – manter o preço da gasolina controlado – em algum momento a corda vai roer e os impactos serão muito mais nocivos.

Desviar dinheiro da empresa para comprar aliados e financiar campanha também é uma das formas de uso político e ainda pior pois não é possível fazer nenhuma ligação ideológica a essa prática. É possível enxergar na manutenção de empregos ou controle do preço da gasolina um fim supostamente nobre, apesar de perverso e insustentável. Por outro lado, não existe justificativa moral e ideológica que possa aceitar o roubo ou a corrupção como ferramenta para alcançar qualquer fim nobre. Crime é crime.

O capitalismo de estado não é uma ideologia, não é um outro nome para comunismo, e não é exclusivo de ideologias de esquerda. Mercado e orientação política não são o mesmo nos dias de hoje. Alguns países fechados politicamente promovem abertura econômica. Singapura, um país governado há mais de 50 anos pelo mesmo partido e promove empreendedorismo e a competição econômica. Singapura está sempre entre os melhores colocados na publicação Doing Business, do Banco Mundial, que mede a facilidade de abrir um negocio. Portanto, economicamente aberto, mas politicamente fechado. As empresas nacionais de petróleo são usadas como ferramentas políticas por monarquias ou regimes totalitários com discursos de esquerda e direita.

Os idealistas vão me perguntar: não existe nenhum político que esteja comprometido com as minhas ideologias? Eu diria que sim, existe, mas muito dessa resposta depende do contexto em que vivemos e de como a sociedade construiu seus valores. Para responder melhor essa parte eu volto para o terceiro tema desse post, o pragmatismo.

Pragmatismo 

O pragmatismo nasceu do pensamento filosófico americano, baseado nos pensadores William James e Charles Sanders Pierce, defendendo que a ênfase do pensamento deve estar na aplicação das ideias e nas conseqüências práticas de conceitos e conhecimentos. Portanto, antes de mais nada, para começarmos falar de pragmatismo devemos entender como a realidade se apresenta.

Dentro do nosso contexto cultural vale citar dois autores brasileiros importantíssimos. Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta. Ambos discutem o caráter antiliberal da sociedade brasileira. Holanda aponta que no Brasil temos uma ética personalista, intimista, afetiva e sentimentalista. DaMatta distingue entre a “rua”, ambiente público  – na maioria das vezes inóspito, autoritário e desolador – e a “casa”, o ambiente privado do pessoal, do afeto e da família. Os estudos antropológicos e culturais desses dois pensadores são complementados por estudos quantitativos de Alberto Carlos Almeida em seu fascinante livro, A Cabeça do Brasileiro (recomendo à todos).

As pesquisas de Almeida comprovam a realidade que todos os brasileiros conhecem, independente de classe ou orientação ideológica. Apenas aqueles movidos por objetivos políticos ousariam negar tal realidade. Quando vemos alguém jogando um papel pela janela do seu carro temos uma demonstração da percepção que a rua (pública) não tem dono, enquanto “meu” carro (privado) não deve receber o meu lixo. Como a rua é de todos, por ser pública, não é de ninguém e consequentemente não há problema em suja-lá. Em outras palavras, o indivíduo se apropria do público para os seus interesses privados. Ou na linguagem de DaMatta, a casa engloba a rua com a utilização privada do que é público.

Por que o lixo não fica dentro do carro do fulano? Porque naquele momento ele se apropria do público para resolver seu problema privado. Não me digam que esse indivíduo é apenas um mal-educado. Se fosse o caso, ele jogaria o papel dentro do seu próprio carro. Ele foi seletivo na “má-educação”, não sujando aquilo que ele enxerga como pessoal, inimista e personalista e desconsiderando aquilo que é visto como desolador, impessoal e inóspito.

Almeida mostra como o patrimonialismo é difundido entre a população brasileira. Uma das perguntas feitas em sua pesquisa revela que 74% da população considera que “cada um deve cuidar somente do que é seu, e o governo cuida do que é público”. Percebam a gravidade da situação quando transferimos essa mentalidade para a gestão do bem público. Entender e aceitar a realidade cultural que vivemos nos permite sermos pragmáticos e perceber que certos ideais não funcionam em todos os contextos. Não podemos ser a Noruega por decreto, e enquanto não tivermos alcançado seu estágio de consciência pública ou coletiva temos que lidar com a realidade como ela se apresenta.

Alguns vão me perguntar se essas características culturais devem nos impedir de tentarmos melhorar. A resposta é não, não devem nos impedir de nada. Mas o pragmatismo também sabe quanto tempo leva para mudar uma cultura e sabe que insistir no erro de aumentar o tamanho do espaço público dentro desse contexto patrimonialista é receita certa para destruição. Temos que buscar mudanças condizentes com o nosso contexto. Não adianta permitirmos que os tentáculos do estado aumentem seu controle sobre o bem público. Em uma sociedade que não entende e respeita o público, o lógico é diminuirmos espaços para abusos.

Conclusão 

Dentro da nossa realidade cultural deveríamos defender políticas que minimizem a chance de termos nossos maiores ativos públicos sendo geridos por interesses políticos de curto prazo ao invés de objetivos nobres. Ser pragmático nos permite questionar as verdadeiras intenções por trás de pseudo-ideologias. A quantidade que a Petrobras perdeu, seja em valor de mercado ou pelos ralos da corrupção, daria para ajudar de verdade muitos brasileiros a conseguir meios sólidos de ter uma vida melhor.

 

Artigo original Blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/10/25/politica-ideologia-e-pragmatismo/

A resultado do referendo Escocês não enterrou uma das questões mais básicas sobre a organização política doméstica e internacional: o estado-nação. Apesar da maioria dos escoceses não ter escolhido se separar do Reino Unido, e portanto não buscar sua autonomia nacional, as vontades de auto determinação seguem mais vivas do que nunca no continente europeu. Vamos entender porque esse assunto é importante.

Nacionalismo

O Iluminismo Francês e sua Revolução colocaram a nação no epicentro moral do mundo. Antes do conceito de nação ganhar esse destaque, o mundo era comandado por dinastias, impérios e outras formas autoritárias de organização social e política. Um povo compartilhando o mesmo idioma, cultura e história teria o direito de determinar seu próprio futuro. É nessa condição que germinam as democracias republicanas, a forma de governo moralmente correta. Em outras palavras, a ideia do estado-nação fundamenta a moral da política doméstica e internacional.

Temos dois problemas relacionados ao estado-nação. O primeiro é que a estrutura política na qual um determinado povo compartilha do mesmo idioma, cultura ou história não garante seu caráter democrático. O segundo é mais pertinente para a discussão desse post; aonde devemos demarcar o nível de identidade desse grupo? Todos nós temos múltiplas identidades — pertencemos a uma família, bairro, cidade, país, região, continente, religião, etc — que se interrelacionam em diversos níveis. A pergunta é: em qual desses níveis se dará a sustentação para a criação da estrutura política que vai gerir nosso futuro? Vejamos, eu pertenço a uma família mas também vivo em um esfera coletiva maior, seja do meu bairro ou da minha cidade. Qual das duas identidades ou similaridades devo basear meu anseio por construir uma ordem política? Devo fundar um estado apenas com aqueles que compartilham do meu sobrenome ou com todos os meus vizinhos? Qual das duas identidades produzirá um estado mais forte, duradouro, legítimo ou factível?

É obvio que a minha família deve ter mais fatores em comum com meu passado do que os meus vizinhos. Perguntar se eu tenho mais em comum com alguém morando na China, comparado com a minha família, é fácil responder. Obviamente, eu e uma chinesa somos seres humanos, e isso já é uma identidade em comum, mas não o suficiente para criarmos uma estrutura política única. Afinal temos infinitas outras distinções de identidade que fazem o aspecto “humano” ser fraco demais para uma aproximação que permita compartilhar o comando do nosso destino. Alguns vão me perguntar, Heni você não pode se aproximar de uma chinesa para construírem um futuro juntos? Posso, mas percebam a disparidade e dificuldade de manter tal relação. Alias, todo casamento é no fundo um choque de identidades tentando compartilhar a gestão de um futuro comum. Imaginem os desafios de fazer isso em uma escala coletiva. Quanto menos elementos em comum tivermos, mais difícil será de manter a união.

A pergunta essencial continua sendo com quem eu devo me unir para determinar meu futuro e consequentemente qual aspecto da minha identidade deve fundamentar essa união. O referendo da Escócia tratou exatamente dessa questão.

Qual é relevância do movimento separatista Escocês para a Europa e o mundo? 

A vontade da Escócia de separar do Reino Unido aponta exatamente para esse problema de escala das identidades. Se depois de mais de 300 anos juntos, a identidade comum de ingleses e escoceses correu o risco de seguir caminhos separados, o que dizer de outras uniões muito mais frágeis e muito mais jovens.

O referendo aponta para um fenômeno perigoso para a ordem mundial: a ascensão de micro identidades ou a deterioração das identidades coletivas maiores. Olhando para o projeto Europeu, temos uma proposta política que visa construir uma ordem supranacional (superior aos estados). Nesse modelo, o nível de identidade privilegiado seria o europeu (ou seja, continental). Deveríamos priorizar as identidades de grande alcance ao invés das identidades menores.

Curiosamente a era da globalização, informação, cosmopolitização, transnacionalidade, internacionalismos e outros está sendo ofuscada por um movimento inverso. O micro nacionalismo exalta as identidades de escopo menor em detrimento de estruturas coletivas maiores.

A própria Escócia sentiu na pele a pressão dessas micro forças sub-estatais clamando por autonomia. As Ilhas de Shetland e Orkney, localizadas ao norte do país, com apenas 44.000 pessoas, disseram que declarariam independência caso a Escócia abandonasse o Reino Unido. Ou seja, uma vez aberta a possibilidade de questionar o nível de identidade que forma o estado, o movimento pode desfazer qualquer identidade coletiva maior.

Essa espiral desintegradora destruiria o estado como conhecemos. O que garantiria o limite da expansão das micro identidades? Cada indivíduo é único, e o ápice desse movimento de auto determinação é uma realidade anárquica.

Por que não podemos deixar todos os grupos fundarem seu próprio estado?

Por duas razões obvias e poderosas. Primeiro, a maioria das guerras na história da humanidade tem sido por controle de território, vontade de autonomia ou independência, controle e poder sobre outros povos. Toda discussão relacionada a criação de um estado passa por algum desses pontos. Portanto, quanto mais estados forem criados maiores as chances de conflitos e guerras. Quem ficaria com os recursos próximos as Ilhas Shetland? Os escoceses abdicariam disso facilmente? E os ingleses agora teriam que discutir com Shetland e Escócia? Imaginem a quantidade de problemas para serem discutidos. Isso é um divórcio!

O segundo motivo está ligado a criação de um estado. Um dos graves problemas do mundo é a incapacidade dos estados funcionarem. Grande parte da discussão sobre estados gira em torno do seu tamanho, mas pouco se fala da sua capacidade de funcionamento. Claro que tamanho impacta a efetividade do estado. Vários propõem fazer muito, mas fazem mal feito. O estado é uma entidade em desenvolvimento e crescimento. Demora tempo para ir se aperfeiçoando e muitas vezes dá mais passos para trás do que para frente. Criarmos mais estados não vai ajudar a resolver os problemas do mundo, muito ao contrario.

Conclusão

O referendo escocês vai incentivar muitos outros movimentos similares no continente. Alguns desses movimentos são mais violentos e outros menos organizados. O fato é que a onda desintegradora do estado-nação deve seguir seu rumo. Vejamos alguns dos principais movimentos separatistas da Europa:

1. Veneto, Norte da Itália; Sardenha e Tirol do Sul, Itália

2. Catalunha e País Basco, Espanha

3. Ilhas Feroe, Dinamarca

4. Córsega, França

5. Flanders, Bélgica

6. Bavaria, Alemanha

7. Frísia, Holanda e Alemanha

8. Ilhas Aland, Finlândia

9. Silésia, Polônia

10. Wales e Norte da Irlanda, Reino Unido

 

Original Blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/09/24/estado-nacao-o-impacto-do-referendo-da-escocia/

O mundo está vivendo uma crise com o novo surto de ebola no oeste da África. Desde que o vírus foi descoberto, no Zaire em 1976, essa é a maior epidemia. O número de pessoas contaminadas chega a 4.000 e passam de 2.000 os mortos. Temos 4 países afetados: Guiné, Libéria, Nigeria e Serra Leoa (Senegal relatou a ocorrência de um caso). A Organização Mundial da Saúde estima que possa chegar a 20.000 o número de infectados.

Doenças são um desafio para o desenvolvimento de todos os países e um grave problema social. Apesar do ebola estar assustando o mundo, existem muitas outras doenças endêmicas que tem impactos de longo prazo mais severos. Tuberculose é um desses exemplos. Para efeito de comparação, em 2012, 8.6 milhões de pessoas foram infectadas e 1.3 milhões morreram de tuberculose. A bactéria matou mais de 3.500 pessoas por dia em 2012. O impacto econômico da doença está estimado em 12 bilhões de dólares por ano.

RISCOS POLÍTICOS 

Algumas das medidas de combate ao ebola, como imposição de quarentenas para certos bairros, tem gerado confrontos com a polícia. Na Libéria, os confrontos entre a população — tentando escapar da área de quarentena — e a polícia tem causando ainda mais tensão. Aqueles que furaram o cerco podem contaminar mais pessoas em outras áreas. A polícia tem usado munição de verdade e já feriu manifestantes. A desconfiança da população com o governo é profunda, e está relacionada ao passado político dos 14 anos de guerra civil no país.

O desafio vai ficar ainda maior conforme a epidemia avança sobre zonas urbanas, principalmente as favelas. Até agora o vírus estava confinado nas áreas rurais, mas a doença começa a ganhar espaço em grandes cidades como a capital de Guiné, Conakry. Combater o Ebola em lugares pobres e violentos como essas favelas será um duplo desafio com potencial de agravar as fragilidades políticas desses países.

Algumas empresas como Goodyear, Rio Tinto, Titanium Resources Group com operações respectivamente na Libéria, Guiné e Serra Leoa vão sofrer as conseqüências. As cias aéreas também já estão computando suas perdas. Air France, British Airways, Kenya Airways e Emirates pararam de voar para os países afetados.

HARD POWER HUMANITÁRIO  

Durante o Tsunami de 2004, as forças militares dos EUA e de Singapura, por exemplo, lançaram uma das maiores missões de resgate da história. Somente os EUA colocaram 12.600 militares, incluindo quase a totalidade da sua Frota do Pacífico, com 48 helicópteros e todos os navios hospitais da região.

A crise com a epidemia do ebola demanda uma operação logística de natureza militar. De acordo com um cálculo, para cada paciente sendo cuidado na Libéria seriam necessários 200 a 250 profissionais de saúde e uma logística condizente. Além disso, as forças de segurança desses países estão sobrecarregadas enfrentando uma população insatisfeita e revoltada. A presença de uma força militar internacional poderia ajudar a lidar com grande parte dos desafios logísticos e de segurança. Claro que tal ajuda não seria isenta de riscos colaterais como reforçar os boatos e teorias da conspiração que envolvem a epidemia. A teoria da conspiração clássica de toda epidemia moderna é que a CIA criou a doença e está contaminando o mundo.

TERRORISMO

A gravidade de epidemias como o ebola nos alerta para um perigo ainda maior. Se as doenças já são um grande desafio por si só, imaginem transformá-las em armas. Um laptop recém capturado na província de Idlib, próxima a fronteira com a Turquia, na Síria, relevou um documento assustador. O dono do computador — um Tunisiano chamado Muhammed S. afiliado ao Estado Islâmico (E.I.) — estaria estudando e aprendendo como construir armas biológicas. O documento de 19 páginas que descreve como construir uma arma através de uma praga extraída de animais infectados é apenas mais um dos pesadelos de um ataque terrorista com armas de destruição de massa.

No fim dos anos 80, o culto Japonês Aum Shinrikyo tentou sem sucesso produzir uma serie de armas biológicas. Somente quando optou pelas armas químicas (agente sarin) alcançou seu objetivo.

Se o objetivo do terrorismo é causar pânico, nada melhor do que usar armas que são percebidas como altamente perigosas. O leigo percebe o risco de forma diferente do analista de risco. Estudos de percepção de risco mostram que indivíduos comuns enxergam e classificam riscos de acordo com sua percepção e sem base estatística. Em outras palavras, o leigo enxerga um risco maior em determinadas situações. Essa percepção potencializa o impacto do uso de armas não convencionais porque agentes químicos, biológicos e radiológicos estão entre os materiais vistos como mais perigosos pela população.

CONSEQÜÊNCIAS

Felizmente, os terroristas ainda são amadores o suficiente para acreditar que armas biológicas são fáceis de serem adquiridas, implantadas efetivamente e produzirem mortes em massa. O exemplo do culto Japonês retrata bem as dificuldades envolvidas com esse tipo de arma. Um dos grandes obstáculos no uso de armas biológicas é a dificuldade de distribuição ou definir o veículo de contaminação. O documento do E.I. fala sobre granadas de mão contendo o vírus. A estratégia seria jogar tais granadas em estádios de futebol, metros e centros de entretenimento próximas ao dutos de ar condicionado ou em operações suicidas. O problema (ou solução no caso do mundo civilizado) é que a bactéria usada nessa tal arma é muito frágil e morreria com a explosão da granada.

 

Artigo Blog Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/09/10/ebola-e-terrorismo/

Nas últimas semanas tenho falado de tantos assuntos que por vezes me perco no caos dos acontecimentos e notícias. O caos parece tomar conta do Iraque, Síria, Líbia, Egito, Gaza, Ucrânia, Mar do Sul da China, Venezuela, Coreia do Norte e Nigéria e continuam em crises temáticas como a ambiental (preservação e sustentação), epidemológica (Ebola), energética (segurança e capacidade), demográfica (previdência e aposentadoria), proliferação nuclear, democrática (legitimidade e representatividade), etc. Será que o mundo está piorando? O post está um pouco mais longo que o comum, mas vale a pena ler para entender o que está acontecendo no mundo.

Uma visão nostálgica nos dá a impressão que a vida era melhor antes; mais simples e com problemas menores. Existem muitas explicações para vermos a vida assim. Sabemos que as memórias ruins não tem a mesma durabilidade que as boas, afinal seria insuportável vivermos com as lembranças duras. Você olha para um relacionamento passado e lembra dos bons momentos esquecendo porque não deu certo, e prontamente conclui que se fosse hoje tudo seria diferente. Somos nostálgicos por essência!

Voltemos ao mundo… O volume de acontecimentos indica que tudo está acontecendo ao mesmo tempo e aparece demonstrar que tudo está pior. Sim, tudo está acontecendo ao mesmo tempo, mas sempre esteve! A diferença é que antes ninguém sabia o que acontecia em uma vila no Afeganistão ou em uma montanha no norte do Iraque. Será que a quantidade de informação e a exposição imediata da simultaneidade dos eventos nos faz deduzir que o mundo está piorando? A existência de mais guerras significa que o mundo está pior? Primeiro, precisamos ter certeza que temos mais guerras ou conflitos. Depois temos que medir a intensidade dos conflitos de hoje com o passado.

Mundo Binário e Absoluto?

O mundo não é binário ou absoluto. Não se mede a realidade apenas citando o preto em detrimento do branco. Existe muita coisa entre 0 e 1. Não existe estado permanente de guerra ou de paz perpétua. Paz e guerra são facetas da mesma moeda. É impossível compreender um sem conceber o outro. O que muda são os níveis de tolerância e aceitação de cada um dos lados. Talvez um dia a guerra seja abolida. Será? Mesmo se for possível, sempre haverá algum nível de conflito por mais pacífico que o mundo seja. O mundo utópico ou idealizado nega a realidade porque elimina uma parte da dualidade em que vivemos. O idealista busca eliminar aquele lado da realidade que ele não gosta ou concorda por crença ou julgamento.

O mundo não ser binário significa que nada pode ser medido em valores absolutos. Não existe frio, existem temperaturas mais baixas em comparação com um referencial ou contexto. Tudo é medido em níveis, do mais alto para o mais baixo. Isso releva um outro insight sobre mensurarão da realidade: como nada é absoluto, tudo carrega um pouco do seu inverso. Por exemplo, a industria bélica produz armas que matam, mas também desenvolve tecnologias que salvam milhares, como o GPS. Tudo isso pode parecer óbvio, mas em uma análise de comparação do mundo atual com o passado e um prognóstico do futuro é essencial entendermos essas nuanças.

Em resumo, nada é preto no branco. Nada é absoluto. Tudo é mensurado em níveis e tudo tem um lado positivo por maior que sejam os efeitos negativos. Vejam que isso não é relativizar a realidade, mas apenas aceitar a existência de parâmetros contextuais.

Presente: o fim do caos?

Steven Pinker escreveu um livro — The Better Angels of Our Nature: Why Violence has Declined — defendendo que a humanidade tem experimentado 6 grandes declínios de violência e com isso estaríamos nos tornando menos violentos. No seu ver o mundo está melhorando apesar das imagens constantes de violência. O contra ponto é o fato do século 20 ter sido o mais sangrento da história da humanidade e estarmos apenas na primeira década do século 21. Portanto, em termos históricos, temos muito chão pela frente para confirmar a tendência pacífica e bastaria uma 3º Guerra Mundial para as estáticas de Pinker serem desvalidadas. O mais importante no argumento de Pinker é o que ele chama de forças pacificadoras. Sua teoria afirma que não é a natureza humana que mudou mas as circunstancias históricas que tem favorecido o nosso lado “angelical”. Uma das principais forças pacificadoras foi a criação do estado, com seu monopólio do uso legítimo da força.

Outros indicadores também mostram uma evolução enorme nos dois últimos séculos apontando uma melhoria na vida humana, seja através da expectativa de vida ou na qualidade de vida medida pelo aumento da renda mundial. Nesse video, Hans Rosling faz um belo resumo da evolução global nos últimos 200 anos.

Risco Político & Poder

Como essa reflexão sobre a realidade do mundo afeta a política, a distribuição de poder, a vida das pessoas, negócios, investimentos, mercados, sociedades e culturas? Como acabei de pontuar, tudo tem dois lados e consequentemente um impacto negativo e um positivo. Os avanços da democratização, tecnologia, acesso à informação, direitos individuais e outros produziram um mundo mais justo e mais equilibrado.

Por outro lado, esses avanços impactaram as estruturas de poder do mundo. Até o momento, a criação do estado-nação e a centralização da autoridade e do poder foram capazes de trazer ordem em um estado de natureza, descrito por Thomas Hobbes, como brutal e destrutivo. Moisés Naím explica em seu último livro, O Fim do Poder, que 3 grandes revoluções estão transformando o mundo e alterando as estruturas de poder convencionais. A revolução do “mais, mobilidade e mentalidade” dificultam o exercício do poder e autoridade. O impacto é um mundo mais anárquico. Essa realidade é visível na distribuição de poder no mundo corporativo, nos países, forças militares, e na política. Naím fala da ascensão de micropoderes que estão desafiando a antiga ordem. Uma das conseqüências da ascensão dos micropoderes é um mundo mais instável.

Naím não é o único a falar sobre instabilidade. Muitos outros pensadores tem escrito sobre o mesmo fenômeno. Ian Bremmer também escreveu recentemente sobre um mundo anárquico, no que ele chama de G-Zero. Não existe G7, G8, ou G20! O mundo não tem liderança e o ambiente é de cada um por si, salve-se quem puder. Outro guru das relações internacionais, Richard Haass, também escreveu sobre o que ele chama de “Age of Nonpolarity” (Era da Não polaridade). Sua visão expõe como o poder está difuso dando acesso e meios para desestabilizar as estruturas de um mundo hegemônico ou multipolar.

Como interpretar essas duas visões de mundo: “os otimistas e os pessimistas”? Ambos estão corretos, os fenômenos que os dois lados descrevem são reais. Lembrem-se, tudo tem dois lados. Minha tarefa é cruzar o maior número de dados para oferecer uma descrição precisa da realidade. Se o otimista Pinker estabelece que a base da diminuição dos conflitos está na criação do estado, qual seria o impacto das teorias dos pessimistas que mostram que o estado está perdendo poder e o mundo está se tornando mais anárquico? Ao mesmo tempo, Rosling consegue organizar uma imensidão de dados para mostrar a tendência positiva de melhora na qualidade de vida do mundo, mas ressalta que durante as grandes guerras esses ganhos foram perdidos.

Conclusão

O mundo não piorou (pelo menos ainda não). Mas pode piorar muito porque está em curso um processo de desestruturação e anarquização. Alguns acham que novas estruturas organizacionais vão surgir para substituir as velhas. Os momentos da história aonde nasceram novas estruturas foram sempre muito conturbados e sangrentos. Vejam as revoluções políticas do século 18 (Americana e Francesa) ou o fim da colonização alcançado apôs a 2º Guerra Mundial. Hoje temos uma crescente erosão e deslegitimação da autoridade em todos os níveis. Um mundo sem autoridade é um mundo mais instável, paralisado, perigoso e competitivo. O mundo não está pior, mas talvez esteja caminhando para uma piora em alguns aspectos. O perigo é a piora exatamente nos aspectos mais estruturais e portanto centrais.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/08/18/o-mundo-esta-em-colapso/

Nos últimos dias eu estava em uma terra distante e desconhecida dos brasileiros: Azerbaijão. É fascinante o que vi lá. Confesso que ainda não consegui definir exatamente o que é o país, e quem são os Azeris. Eu voei 3 horas de Moscou para chegar na capital, Baku.

A primeira impressão é de se estar no Oriente Médio, em algum país Árabe, mas aos poucos se percebe que não seria bem isso. Algumas características são comuns aos Árabes, o povo azeri adora conversar e é extremamente simpático, hospitaleiro e alegre. Desde que cheguei tive alguns encontros com o professor e pesquisador Shamkhal Abilov da Universidade de Qafqaz. Conversamos bastante e pude esclarecer minhas dúvidas em longas e intermináveis “aulas”. O professor Shamfhal é um muçulmano xiita e “cosmopolita” que estudou e morou na Europa e viajou bastante. Tivemos ótimas conversas e debates, inclusive sobre a guerra entre Hamas e Israel e fiquei impressionado com sua capacidade de enxergar o lado israelense do problema.

A grande maioria dos azeris segue o modelo de Shamkhal, mas existem novas correntes querendo alterar a secularidade e cosmopolitismo da sociedade. Um exemplo me chamou atenção, estávamos caminhando pela antiga cidade, e ao passarmos ao lado de uma mesquita percebi algo diferente do que tinha visto e ouvido até agora. Senti uma sensação estranha e um clima pesado naquela aglomeração do lado de fora. Logo que saímos da praça, ouvi de Shamkhal: esses são Salafistas. Naquele momento eu entendi a sensação que tive. O Salafismo é uma corrente do Islamismo Sunita radical e ligada ao terrorismo religioso. Não estou afirmando que alguém ali era extremista, mas senti algo diferente no ar e não era harmônico. Nos últimos anos, Turquia, Irã e Arábia Saudita tem buscado influenciar e promover as raízes religiosas do Azerbaijão. Felizmente, o governo azeri têm se mantido firme e adotado políticas para proibir a promoção religiosa.

Etnia, Cultura, Religião e Política

Os azeris são um povo rico pela sua rara mistura. Etnicamente, são Turcos, originário da Ásia Central (Uzbequistão, Quirguistão, etc). O idioma é muito próximo do Turco e ambos se entendem. Por outro lado, eles estão localizados em uma região de origem dos povos da Albânia Caucásica (nada a ver com o país Albânia) com descendentes vivos, como o povo Udi, vivendo no Azerbaijão de hoje. Culturalmente e tradicionalmente os azerbaijanis são mais persas. A região foi dominada por diversos impérios persas. A religião da maioria é o islamismo xiita, mesma do vizinho Irã. Politicamente o Azerbaijão herdou estruturas dos soviéticos por ter sido uma das suas repúblicas. Até hoje se aprende o russo na escola. O idioma é falado por muitos e é requisito para certas posições de trabalho. Além disso, lá também existem oligarcas nos moldes da Rússia. A Sovietização ajudou a reforçar o caráter secular do Azerbaijão. A diversidade religiosa vibrante e pacífica permite a existência de uma comunidade judaica que não sofre com antissemitismo. Baku tem 3 sinagogas. Algo raro hoje em dia, ainda mais em um país de maioria islâmica. É mais fácil entender essa mistura quando olhamos para o mapa e percebemos como a região do Cáucaso é o ponto de convergência de 3 grandes impérios: Soviético (Rússia), Persa (Irã) e Otomano (Turquia).

Azerbaijão e Cáucaso

MAR CÁSPIO

O Cáspio é o maior corpo de água fechado do mundo, muitas vezes visto como o maior lago do mundo. Cinco países fazem fronteira com o mar: Rússia, Azerbaijão, Irã, Turcomenistão e Cazaquistão. Sua importância estratégica está nas suas reservas de petróleo e gás. Estima-se que as reservas onshore e offshore de petróleo cheguem a 48 milhões de barris — 3,2% das reservadas mundais — e 8.7 trilhões de metros cúbicos de gás — 4,3% das reservadas mundiais. Grande parte dos depósitos offshore não foram explorados devido as disputas territoriais sobre aonde as fronteiras entre os cinco países devem ser demarcadas.

As negociações territoriais se estendem por mais de duas décadas e não dão sinal que vão ser resolvidas em breve. Rússia e Irã não fazem questão de resolvê-las, uma vez que ganhariam importantes competidores em mercados que são fundamentais para suas economias. O Irã tem muito petróleo espalhado pelo resto do país e não precisa de mais uma fonte produtiva. Além disso, a distribuição étnica de Azeris (abaixo eu explico melhor) no norte do país, justamente na fronteira com o Cáspio, bloqueia qualquer possibilidade de desenvolvimento da região. Tudo que o Irã não quer é enriquecer a região aonde vivem a maior minoria étnica. A Rússia também quer evitar que Turcomenistão e Cazaquistão encontrem alternativas para escoar sua produção energética e assim continuem dependentes da sua infra-estrutura e política.

GEOPOLÍTICA & SEGURANÇA ENERGETICA EUROPEIA 

O importantíssimo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), inaugurado em 2006, transporta 1 milhão de barris por dia do Azerbaijão para a Turquia. O oleoduto sai da capital do Azerbaijão, segue pela Geórgia até desembocar no porto de Ceyhan, na Turquia. Se o Mar Cáspio é um potencial fornecedor de petróleo para a Europa e Ocidente, e somente um dos 5 países fronteiriços é autônomo e está localizado aonde existe saída para escoar esse petróleo, naturalmente esse país se torna de suma importância estratégica para qualquer política que vise diminuir a dependência energética europeia da Rússia ou mesmo conter as das ambições geopolíticas de Moscou. A região do Cáucaso é um corredor natural que liga o Mar Cáspio ao Mar Negro (ver mapa). Essa região é composta por 3 países e o Azerbaijão é o mais autônomo deles. Parte da sua independência vem da posição geográfica privilegiada junto ao Cáspio permitindo explorar os seus recursos naturais. O Azerbaijão é o único país que consegue extrair o petróleo e gás do Cáspio e enviá-lo, sem passar pela Rússia ou Irã, para a Europa e Ocidente. Em outras palavras, o país é o atalho seguro para os europeus por uma fonte abundante de energia.

O agravamento da situação na Ucrânia aumenta ainda mais a importância dos outros tabuleiros geopolíticos das ex-repúblicas soviéticas. Não é por acaso que a Rússia vem pressionando o Azerbaijão para escolher entre eles ou o ocidente. Mesmo depois da queda do avião da Malásia, e a morte de civis europeus dentro do seu continente, ainda vemos uma União Europeia dividida e reticente. Sabemos que a Europa não tem coragem de enfrentar ou endurecer sua política devido a dependência energética dos russos. É nesse contexto que o Cáucaso, Cáspio e Azerbaijão ganham extrema relevância. O Azerbaijão é o centro de gravidade não só do Cáucaso, mas de toda a independência energética europeia e parcialmente de todo o jogo geopolítico da Eurásia nesse momento.

ORIENTE MÉDIO 

O Azerbaijão não é só importante pela sua abundância energética e geopolítica eurasiana. Por fazer fronteira com o Irã e ter sido parte do império Persa, o país está inserido no contexto do Oriente Médio.

O povo Azeri acabou sendo dividido em dois territórios após as Guerras Russo-Persas e a maior parte deles se encontram dentro do território iraniano. No Irã, os azeris ocupam a região ao norte chamada de Azerbaijão Iraniano e somam um quarto da população. Tanto a sua posição fronteiriça quanto os laços históricos, culturais e étnicos fazem do Azerbaijão um portal de entrada e uma plataforma de influência no Irã. O acirramento dos confrontos entre Sunitas e Xiitas na região também eleva a importância do Azerbaijão perante as disputas regionais. Não é por acaso que os sunitas, sejam turcos ou sauditas, vem investimento para promover seu credo religioso no país. Cada vez mais o país será palco da disputa geopolítica regional.

Para o Ocidente, o Azerbaijão também oferece oportunidades estratégicas e políticas. Após a independência da União Soviética, líderes Azerbaijanis defenderam a unificação do povo azeri em um único país. O Irã naturalmente viu esse tipo de declaração como uma ameaça a sua segurança nacional e a partir daí passou a desconfiar das intenções do seu vizinho do Cáucaso. O Azerbaijão é um potencial desestabilizador do estado iraniano. A sua essência secular confronta os ideais da revolução Islâmica e do regime religioso em Teerã. Se existe algum país que tem capacidade de influenciar a teia social e servir de base para desestabilizar o Irã, esse país é o Azerbaijão.

Outro país que tem prestado atenção em Baku é Israel. As relações dos judeus com os azeris remontam desde os tempos antigos. Essas foram reforçadas com a revolução do petróleo e ganharam um novo sentido com as ambições regionais do Irã e seu programa nuclear. Uma convergência natural surgiu entre Israel e o Azerbaijão pois ambos viram no outro um possível aliado para lidar a ameaça iraniana. A aliança vai desde venda de armas até cooperação dos serviços de inteligência. Já se foi aventada a possibilidade de um ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas partir do Azerbaijão ou usar suas pistas de pouso. Independente do escopo da aliança, os dois pequenos países viram uma conveniência estratégica e similaridades estruturais que garantem a durabilidade dessa parceria.

CONCLUSÃO

O Azerbaijão é um país fascinante pela sua diversidade, cosmopolitanismo, localização, secularidade, história, misticismo e multi-religiosidade. Combinar todos esses atributos não é tarefa fácil, mas fazê-lo em uma região tão instável como o Oriente Médio, Eurásia e Cáucaso é um feito ainda mais impressionante. O país deve principalmente ser compreendido pela sua relevante posição geopolítica que ganha ainda mais importância nesse momento de convulsão tanto no Oriente Médio como na Rússia. O Azerbaijão é o único país capaz de afetar simultaneamente as duas maiores crises de política internacional atuais.

Artigo Exame original: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/24/azerbaijao-o-centro-de-gravidade-do-mundo-atual/

 

Hoje estou escrevendo da Rússia, em Moscou. A minha amiga e colega, Malu, brincou comigo dizendo: “o Putin chega e você vai pra Rússia”. Com certeza eu não combinei com ele, até porque preferiria encontrá-lo aqui no Kremlin do que em Fortaleza, aonde está acontecendo a Cúpula dos BRICS. Vejo muitas similaridades entre a Rússia e Brasil do ponto de vista social. O país é lindo e as pessoas são simpáticas, mas não vou me estender na parte cultural ou social pois quero falar dos BRICS.

O acrônimo BRIC foi criado em 2001 pelo economista Jim O’Neil, do banco de investimento Goldman Sachs, para agrupar as maiores economias emergentes na época (Brasil, Rússia, Índia, China e posteriormente África do Sul). O termo puramente teórico saiu do papel para virar um frágil e informal grupo político até alcançar um status –na Cúpula de Fortaleza — de bloco semi-institucionalizado. A criação do banco dos BRICS é uma evolução substancial para um grupo tão distinto, mas mesmo assim não dá para ser muito otimista em relação à sua relevância imediata.

O bloco serve muito mais os interesses particulares de cada país do que uma verdadeira coalizão de emergentes aonde os interesses coletivos são evidentes e comuns. A maioria das áreas de convergência recai sobre a vontade de contrapor a Europa e os EUA. Talvez um dos poucos beneficiários dessa convergência seja a África. Todos os países tem laços comerciais fortes com o continente e até mesmo a Rússia (o menos presente) tem aumentado seus investimentos em energia na região.

O fato de os 5 países do grupo serem líderes em suas regiões e terem projeção global, aumenta as pressões domésticas, e as ambições e competição internacional. A realidade política e geopolítica da América Latina (Brasil) é bem diferente da Ásia (China) ou Eurásia (Rússia). O Sul da Ásia (Índia) tem necessidades e rivalidades nucleares bem distintas da imensidão do continente Africano (África do Sul). Algumas dessas regiões conversam politicamente enquanto outras apenas economicamente. Apesar do maior parceiro comercial do Brasil ser a China, somos muito mais isolados politicamente se compararmos às relações entre os outros. China, Índia e Rússia já foram aliados e inimigos em diferentes momentos. Brasil nunca esteve muito próximo deles, inclusive por questões geográficas de distância.

Para que servem os BRICS?

Quais são os interesses de cada país? Como cada um usa o bloco? Vou fazer um breve resumo dos principais interesses de cada país baseados no xadrez atual do mundo.

RÚSSIA

Vladimir Putin, presidente da Rússia, propôs uma integração entre A União Eurasiática (Rússia, Csaquistão e Bielo-Rússia) e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e consequentemente aproximá-lo dos Brics. Putin precisa de alternativas para aliviar a crise geopolítica com a Ucrânia, Europa e EUA. O anúncio do Obama sobre novas sanções apenas reforça a tendência em andamento da Rússia buscar novas opções e parcerias para se fortalecer econômica e politicamente. Isso já foi demonstrado no recente acordo com a China para fornecimento de gás. O bloco é uma ótima plataforma para a Rússia conseguir abrir novas parcerias comerciais e ao mesmo tempo fortalecer sua narrativa e legitimidade diante das últimas crises geopolíticas.

CHINA

Já a China usa o grupo de forma mais simbólica, particularmente para confrontar o sistema internacional criado pelos americanos e construir intituições paralelas. Sendo a maior economia dos 5 países, a China vai arcar com a maior parte dos custos da formação do banco. No fundo, os chineses tem menos a ganhar e usam o bloco de forma mais indireta para exercer seu poder global. Afinal, os chineses já têm espaço internacional suficiente e tentam apenas diversificar sua exposição e projeção de poder. O banco dos BRICS é apenas um dos muitos mecanismos internacionais que a China está engajada. Na Ásia, os chineses estão querendo criar um banco de investimento para infra-estrutura. Portanto, o dragão asiático seguirá usando os BRICS como uma das suas várias alternativas para ampliar seu escopo de projeção de poder.

ÍNDIA

Tem uma gama de problemas que impedem pensar no bloco como algo muito relevante. Os problemas internacionais do país estão mais ligados a questões regionais do que globais. Seu rival e vizinho Paquistão tem armas nucleares e é um estado falido. A Índia é o 4º país do mundo que mais sofre de terrorismo e está próxima dos três primeiros da lista (Afeganistão, Paquistão e Iraque). A ascensão chinesa e sua presença no Oceano Índico complica a vida dos indianos e a harmonia dos BRICS devido à crescente rivalidade dos dois gigantes. Cada vez mais a Índia vai ganhar relevância internacional e sua importância regional já lhe traz bastante visibilidade e desafios. Por isso, os indianos tendem a se manter ocupados e o bloco, por hora, deve ficar em segundo plano.

BRASIL

O Brasil tem dificuldades de projetar poder internacionalmente pois não é ativo nas questões relacionadas com a paz e segurança internacional. O tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança da ONU busca preencher essa lacuna. A liderança regional brasileira é muito mais branda e desordenada por opção e falta de capacidade e planejamento. Ou seja, o Brasil é o país do bloco (excluindo África do Sul) que menos sabe acumular e projetar poder. Por essa razão, os BRICS dão uma visibilidade que o país não consegue em muitos outros fóruns ou interações internacionais. O fato do Brasil trazer outros países da região para participar do encontro em Fortaleza corrobora com a vontade de se apresentar como uma potência global, principalmente para os seus vizinhos. Ou seja, o Brasil é o país que tem mais a ganhar com o grupo. Mas por outro lado é também um dos menos poderosos do grupo e terá mais dificuldades em impor suas vontades. Isso ficou evidente na negociação da primeira presidência aonde o Brasil teve que ceder para a Índia.

ÁFRICA DO SUL

A inclusão da África do Sul no bloco, em 2011, pode ser considerada uma vitória para o líder Africano e um ganho de legitimidade para o grupo. Uma das razões que o país foi escolhido, ao invés de economias maiores como Nigéria e Indonésia, está relacionado com o alinhamento político com os outros membros. Para África do Sul, o desafio será equilibrar sua política externa de responsabilidades de potência emergente com a de liderança de um continente pobre. O enfoque é muito mais de cautela, sem criar grandes problemas no bloco e aproveitar para surfar na onda dos grandes sem ser um deles.

Conclusão e Futuro

Uma maneira de medir a capacidade dos BRICS é compará-lo com um grupo ou instituição global análoga, composta por grandes potências e líderes regionais. O mais próximo é o Conselho de Segurança da ONU com uma vantagem clara de ser um órgão de legitimidade universal ao invés de um grupo de uma classe restrita de países emergentes. Mesmo assim, sabemos muito bem das dificuldades do Conselho em obter consenso e como acaba travado politicamente devido os interesses diversos das potências. Por que um grupo com menos legitimidade global conseguiria obter mais coordenação e resolução?

Artigo Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/16/para-que-servem-os-brics/

 

A Copa do Mundo, como outros eventos esportivos internacionais de grande porte, é um fenômeno político. Tanto o desejo de sediar o torneio, as paixões nacionais de vencer o seu rival ou derrotar uma grande potência como a promoção de ideologias nacionalistas são todos exemplos de como a política permeia esses eventos.

Torneios globais esportivos parecem promover valores e ideais universais, principalmente a noção de união e confraternização mundial. Contudo, a competição política regional ou global entre os países não é suspensa quando se iniciam as competições esportivas. Os ressentimentos e rivalidades políticas são replicados nos esportes em uma clara demonstração de como o nacionalismo ainda é a força dominante nas relações internacionais. Essa exaltação das diferenças nacionais e do nacionalismo foi comprovada em uma pesquisa realizada em 19 países e publicada recentemente no New York Times. A pesquisa mostra como as rivalidades políticas se manifestam dentro do campo na Copa do Mundo. Os Mexicanos indicaram os EUA como seu time menos favorito. Os brasileiros e argentinos querem a derrocada do outro. Os gregos atacam os banqueiros, apontando a Alemanha e EUA como os times que menos gostam. Japão e Coreia do Sul também não se gostam no esporte.

Nacionalismo & Retorno Economico 

O nacionalismo é uma força poderosa que oferece um sentido de lugar, historia e identidade. Parte de ser brasileiro está no fato de não sermos argentinos. A identidade coletiva é construída na diferenciação do nosso dissimilar. Hinos, bandeiras, cores, historias, cultura, símbolos e esportes são todos aspectos que constroem uma identidade nacional. A construção de qualquer cultura é formada por eventos e tradições históricas. Algumas culturas carregam laços de um passado histórico de lutas ou militar. No caso do Brasil temos menos historias coletivas de combates e mais símbolos como o futebol. O futebol é um dos momentos em que a sociedade brasileira compartilha dessa conexão coletiva nacional. Nessa caso, a Copa do Mundo é um momento único aonde todos esses símbolos mexem com a paixão coletiva da nossa identidade brasileira.

Hitler e Mussolini usaram as Olimpíadas e Copa do Mundo para exaltar o orgulho nacional e promover sua ideologia. O jogo da final da Copa de 1934 não foi realizado no Estadio Nacional do Partido Fascista por acaso. Em 1978, dois anos apôs o golpe militar na Argentina, a Copa ajudou a tirar o foco das perseguições, violencia e desaparecimento de dissidentes promovido pelo regime militar. Nelson Mandela usou o rugby e o futebol para reaproximar e unificar a Africa do Sul pós-apartheid.

O debate sobre investimentos e retornos econômicos também demonstra a relevância da política na Copa do Mundo. Os governos sempre justificam os altos investimentos para sediar tais eventos apontando para os benefícios econômicos. O retorno econômico mais citado é o turismo. Infelizmente, os resultados mostram outra coisa. No livro The Economics of Staging the Olympics, Holger Preuss mostra que é impossível provar que, por exemplo, as Olimpíadas em Sidney, Australia, teriam aumentado o turismo na cidade. Em 1988, nos jogos de inverno de Calgary houve uma queda de 12% no turismo imediatamente apôs os jogos e mais 10% no ano seguinte. Claro que durante o torneio o país recebe mais turistas, essa é a essência de sediar um evento internacional. Porém, comprovar ligações de causa e efeito, entre os torneios e o turismo, no longo prazo é muito difícil. Ou seja, sem comprovação de retorno econômico só resta a motivação política por trás do tamanho investimento.

Copa X Olimpíadas 

Outro ponto importante é a popularidade do futebol. Usar um evento desse porte para projetar poder e influência globalmente depende do nível de interesse da população mundial sobre o esporte. Na final da Copa de 2010, foram 500 milhões de telespectadores assistindo o jogo. Apenas 12% dos brasileiros se dizem desinteressados pelo futebol. Com 17% de desinteresse, a Rússia mostra que também gosta do futebol. Apesar do futebol ser um esporte praticado em todos os países e ter uma penetração global única, ainda pode ser considerado menos relevante no jogo da geopolítica. Se pensarmos em grandes potências — EUA, China, Rússia, Índia, Brasil, França, Inglaterra, Alemanha e Japão — apenas o Brasil, Alemanha e Rússia demonstram baixos índices de desinteresse pelo esporte. Para 60% dos americanos o futebol não é interessante. Os dois mais populosos do mundo, Índia e China, não são grandes admiradores do esporte.  Até mesmo para ingleses e franceses o número de desinteressados é alto, 50% afirmam não ligarem para o futebol. A Copa tem menos relevância geopolítica do que as Olimpíadas devido a popularidade do esporte nos países mais poderosos do mundo. O futebol pode atrair um número absoluto de admiradores maior que qualquer outra modalidade, mas não é tão relevante nos países “mais importantes”. A competição pela medalha de ouro e pela vitória no quadro geral de medalhas tem um significado político importante desde os tempos da Guerra Fria aonde a competição ideológica se dava na conquista das medalhas.

As olimpíadas também englobam uma diversidade de modalidades e por isso são mais representativas quanto as capacidades esportivas gerais de uma nação. O esporte promove valores de excelência, disciplina, determinação, superação e competição dentre outros. Portanto, uma nação campeã de medalhas pode clamar que cultiva capacidades que as qualifica para se tornar ainda mais poderosa.

No fundo, eventos internacionais desse porte servem muito mais interesses políticos do que a celebração do esporte. Na sua versão mais amena, a Copa é um circo promovido pelo estado democrático para ganhar atenção e exposição internacional buscando fortalecer sua imagem. Na sua versão piorada, competições internacionais ajudam regimes totalitários e violadores de direitos humanos parecerem membros responsáveis da comunidade internacional. O fato é que tanto Copa do Mundo como Olimpíadas ganham cada vez mais importância política, e não esportiva. Dizer que a Copa começou, e portanto devemos deixar a política de lado é simplesmente impossível. O esporte entre nações é político demais para ser visto apenas como uma competição atlética. Na esfera doméstica não poderia ser diferente, a política democrática usa ferramentas de percepção de massa, símbolos nacionalistas e populares. Nada mais popular e nacionalista do que o futebol para o brasileiro. Ilusão daqueles que acham que um evento como a Copa do Mundo não tem motivações e significados políticos.

No proximo post vou escrever sobre os fatores que influenciam uma disputa eleitoral. Dentro desse contexto de Copa do Mundo tenho escutado muitas discussões se o torneio tem ou não influência no processo eleitoral. Para aqueles que precisam avaliar os riscos políticos ligados as eleições, entender quais são os fatores críticos ajuda a desenhar cenários confiáveis.

Publicação Blog Exame original: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/06/15/copa-do-mundo-e-a-geopolitica/

Os últimos escândalos na Petrobras, e seu endividamento, nos fazem perguntar: por que isso aconteceu? O risco político pode nos oferecer boa parte da explicação. Já sabemos que os eventos políticos afetam os mercados e negócios; nesse caso, a existência de empresas estatais e outros mecanismos de intervenção governamental são manifestações ainda mais diretas do impacto da política nos negócios.

Nao existe divisão precisa no que separa o capitalismo de mercado e capitalismo de estado. Todos os governos tem algum envolvimento na regulamentação da atividade econômica e em todos os países existem trocas de mercado além dos tentáculos do estado. Ou seja, não existe país puramente capitalista ou puramente estadista. Os próprios Escandinavos, vistos como exemplos de “países socialistas”, nunca instituíram programas de nacionalização e as poucas empresas estatais foram privatizadas. Apesar dos altos gastos sociais desses países, a economia de mercado sempre foi o impulso central para o seu crescimento. O envolvimento do estado na economia nunca impediu que suas empresas privadas se tornassem potências globais. Maersk da Dinamarca, Nokia da Finlândia, Volvo ou IKEA da Suécia são competitivas globalmente porque tem produtos de qualidade e não porque gozam de vantagens políticas.

Por outro lado, o sistema aonde o estado domina os mercados é chamado de capitalismo de estado. Aqueles que adotam esse modelo não o fazem com um objetivo temporário para reconstruir a economia ou recuperá-la de uma recessão. Essa escolha é estratégica! Os governos querem controlar atividade econômica por diversas razões, que vão desde corrupção, fonte de receita, até arma geopolítica (no caso da Rússia). O capitalismo de estado enxerga o mercado primariamente como uma ferramenta para servir os interesses da elite no poder ao invés dos interesses da nação. O controle de setores estratégicos da economia oferece fontes de receita e poder para os seus governantes. Em resumo, a prioridade no capitalismo de estado é obter vantagens políticas com as empresas estatais ao invés de gerar lucro. Alias, o lucro está sempre subjugado a política.

Os Estados usam diferentes ferramentas ou veículos para exercer seu poder sobre os mercados. Os 4 principais são:

1. Empresas Nacionais de Energia (Petróleo ou Gás)

Países com grandes reservas de petróleo controlam esses recursos. Hoje 3/4 das reservas de petróleo do mundo são propriedade de empresas estatais como Saudita Aramco, Gazprom (Rússia), CNPC (China), NIOC (Irã), PDVSA (Venezuela), Petrobras, Abu Dhabi National Oil Company, Kuwait Petroleum Corporation, e Petronas (Malásia). As maiores multinacionais privadas possuem somente 3% das reservas mundiais de petróleo e gás. Algumas dessas empresas foram nacionalizadas, outras não são totalmente controladas pelo estado.

2. Empresas Estatais 

Empresas estatais existem além do setor energético. Elas podem estar localizadas em diversos setores. O país com as maiores estatais não petrolíferas é a China. Desde empresas de fornecimento de energia até financeiras. No Brasil 38% das empresas são controladas pelo estado. Na Rússia esse número vai para 62% e na China 80%.

3. National Champions

Empresas privadas com participação do governo. O nosso exemplo conhecido é a Vale. Os campeões se beneficiam de contratos e financiamento estatal. Existe uma relação simbiótica com o governo. Muitos privilégios são concedidos a essas empresas até quase monopólio de setores inteiros da economia. A Huawei (telecom) e a Metalloinvest (aço) são exemplos na China e na Rússia.

4. Fundos Soberanos de Riqueza 

Fundos criados pelos governos para investimento estrangeiro. Normalmente o dinheiro do fundo vem de 3 fontes: exportações de recursos naturais como petróleo ou gás; dinheiro sobrando da balança comercial — como no caso Chinês; e transferências diretas do orçamento federal ou reservas do país. O último rank indica que os Fundos Soberanos controlam mais de $6 trilhões de dólares. O problema desses veículos financeiros é que não respondem a acionistas. Eles tem somente um stakeholder: o governo.

Sociedade e Estatização 

Alguns vão me dizer: Heni, o governo norueguês é o maior acionista da StatoilHydro portanto a Noruega também pratica capitalismo de estado. Errado! A interferência governamental na empresa é minima. O governo não direciona fundos da mesma para projetos de interesse político. O que importa é como a ferramenta é usada, não sua mera existência. O Fundo de Pensão Público da Noruega gere a riqueza do petróleo, mas é um exemplo de transparência e eficiência. É possível dizer que é melhor gerido e mais transparente que muitas instituições privadas. O Fundo possui 120 profissionais independentes do governo publicando relatórios periódicos com detalhes dos seus investimentos e políticas. O Fundo Norueguês já tomou decisões não puramente econômicas e excluiu algumas empresas do seu portfolio por questões éticas baseadas no histórico ambiental e de responsabilidade social. Entretanto, essas decisões não afetaram a lógica de mercado pois as outras empresas escolhidas para substituí-las não são de amigos e aliados do governo ou ainda investimentos não rentáveis. Os investimentos escolhidos são igualmente lucrativos e respeitam sua política ética.

Obviamente isso só é possível em uma sociedade aonde a percepção do bem público é consciente, e o senso de responsabilidade segue o mesmo padrão. O público na Noruega significa que todos são “acionistas” ou donos daquele bem. Enquanto no Brasil a percepção é de que tudo público é de alguma entidade impessoal chamada de “todo mundo”.  Aquilo que é de todo mundo não é de ninguém na nossa cultura. Aquele que joga papel na rua faz porque acha que a rua não tem dono ou porque não entende sua responsabilidade e ligação com aquela propriedade. Com certeza existem aqueles que jogam papel na rua e também dentro da sua própria casa, mas a maioria que suja a rua não parece sujar seu próprio carro senão o lixo não precisaria ser retirado da onde ele foi gerado.

Link original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/05/20/petrobras-e-o-capitalismo-de-estado/

Sanções são uma ferramenta política diplomática de ameaças e incentivo — negativas ou positivas. Normalmente, tais ferramentas são percebidas como o mais visível de todos os instrumentos de poder econômico. Sanções negativas vão desde embargos até congelamento de ativos financeiros. Do lado positivo, temos de ajuda financeira até acesso favorável a mercados.

Como todas as formas de poder, sanções econômicas dependem do contexto, propósito, e habilidade em converter recursos em comportamento desejado. Existe muita controvérsia sobre o impacto e efetividade das sanções. Para medi-las é preciso ter clareza sobre seus objetivos. Esses incluem mudança de comportamento, contenção, e mudança de regime. Em outras palavras, coerção, limitação e sinalização.

No início da semana que passou os EUA decidiram sancionar indivíduos e a UE também trouxe a sua lista de russos e ucranianos. Em resposta, os russos retaliaram sancionando políticos americanos. Será que as sanções contra a Rússia vão fazer Putin mudar de ideia e abandonar a Crimeira? Sem dúvida, não! Será que o risco de endurecer as sanções pode fazer ele desistir de anexar mais territórios da Ucrânia (como o leste do país)?

A sabedoria convencional diz que sanções econômicas não funcionam. Em parte não funcionam porque o mundo é muito grande e sanções unilaterais são menos efetivas que sanções universais. Se todos os países do mundo decidissem se juntar aos EUA e UE com certeza a pressão contra a Rússia seria mais intensa. Outra consideração seria o escopo das sanções. Sancionar alguns indivíduos é bem diferente de sancionar o setor mais importante da economia russa — petróleo. Os Europeus não aprovariam nenhuma sanção econômica de peso contra o setor energético russo devido a sua dependência com o mesmo. Outro problema é o fato de sanções severas afetarem a economia como um todo, e consequentemente a população, ao invés dos oligarcas russos.

Para investidores e o mercado, os desdobramentos das sanções são importantes. Desde a primeira lista americana publicada, na segunda feira, com 11 individuos, empresas russas repatriaram bilhões de dólares com medo que novas sanções possam congelar seus ativos. O inverso também está acontecendo; bilhões de dólares deixando a Rússia devido ao medo das instituições financeiras europeias de retaliação. Bancos americanos estão vendendo títulos russos. O governo russo por outro lado está diminuindo sua exposição aos Títulos do Tesouro Americano. O Banco Central da Rússia tinha U$138 bilhões de títulos da divida americana em dezembro. Na semana passada esse numero caiu para U$105 bilhões.

Somente 2% das exportações russas vão para os EUA. A maioria dessas exportações pode ser substituída por serem commodities. Em termos de importação, aproximadamente 5% das importações russas vem dos EUA. No setor financeiro os bancos russos tem pouca exposição ao mercado americano. No fim de 2013, os russos tinham $20 bilhões depositados nos bancos americanos — uma pequena parte dos $750 bilhões depositados em seus bancos. Os EUA possuem $56 bilhões em papeis russos — 6% do total de $870 bilhões de capitalização do mercado. A maioria das empresas russas (especialmente estatais) não estão listadas no mercado americano e sim no mercado de Londres ou Frankfurt.

Portanto, não tem muito que Washington possa fazer para realmente afetar os russos a menos que esteja disposta a tomar medidas drásticas e banir empresas americanas de fazer negocio no país.

O único objetivo restante, por trás das sanções americanas, com alguma funcionalidade prática é enviar um sinal. É importante indicar para os outros países do mundo, e da região, que algo está sendo feito. Ao mesmo tempo, Obama mostra para a população americana que os EUA não estão passivos e se curvando diante da ofensiva russa.

Talvez tão importante quanto medir a efetividade das sanções é saber quais são as alternativas existentes. Força militar é normalmente mais efetiva, mas pode ser mais custosa e mais trazer conseqüências graves. O exemplo de Cuba retrata bem isso. Durante a Crise dos Mísseis, os custos de usar a força militar para remover Castro eram enormes, incluindo o risco de uma guerra nuclear. Por outro lado, não fazer nada no auge da Guerra Fria seria comprometedor do ponto de vista da competição política entre EUA e União Soviética. Ou seja, sanções econômicas — na forma do embargo — não foram capazes de derrubar Castro, mas eram a melhor alternativa dentre as opções de não fazer nada ou intervir militarmente.

Já que os EUA não estão dispostos (Europa menos ainda) a confrontar militarmente a Rússia, sanções econômicas são a única ferramenta política restante capaz de impor algum custo aos russos. O problema é que o pacote atual de sanções só gera custos simbólicos.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/25/impacto-e-utilidade-das-sancoes-economicas-contra-russia/

O mundo está focado em dois acontecimentos distintos: crise na Ucrânia e o desaparecimento do avião da Malásia. Apesar desses eventos parecerem tão dispares, é possível identificar muitos pontos aonde eles se encontram. Alguns vão me perguntar: “Heni, pra que perder tempo com essa ligação?” Meu objetivo é mostrar que no século 21 a política permeia tudo o que acontece, e pela ótica do risco político global um acontecimento se relaciona e repercute com diversos outros.

Não se sabe ainda o que aconteceu com o avião da cia aérea da Malásia, mas mesmo assim podemos analisar as ligações e relações políticas diversas do acontecimento. A maioria dos passageiros eram chineses. Existem suspeitas de que o voo tenha sido alvo de alguma sabotagem ou ataque terrorista (até mesmo alvo de pirataria). Se esse for o caso, um dos grupos com interesse em atacar os chineses está sediado na região “autônoma” de Xinjiang, composta pela minoria dos Uigures – povo de origem turcomena. Alguns grupos separatistas dessa região — como o East Turkestan Islamic Movement (ETIM) — tem ligações com grupos radicais de outros países, como Taliban do Paquistão e al-Qaeda. Inclusive, o ETIM é denominado um grupo terrorista pelos americanos e está incluído na lista do Departamento de Estado como um dos grupos separatistas mais extremistas do mundo.

Com a tensão na Ucrânia colocando o Ocidente em rota de colisão com a Rússia, uma pergunta natural seria sobre a posição dos chineses nessa crise. Até mesmo para os chineses, parceiros diplomáticos costumeiros dos russos, a invasão da Crimeia representa sérios problemas porque viola um dos seus princípios mais sagrados de política externa: o principio de não intervenção. As regiões do Tibet e Xinjiang poderiam usar a questão da Crimeia como um precedente internacional para separação. É importante esclarecer algo que parece não ter ficado devidamente claro sobre a gravidade do que a Rússia está fazendo. Muitos podem dizer ou comparar a violação russa com alguma guerra preventiva americana ou derrubada de regime (Saddam Hussein, no Iraque) e apontar para a normalidade de tais eventos nas relações internacionais. A comparação não é valida porque os EUA não invadiram o Iraque com intuito de incorpora-lo ao seu território. O objetivo não era transformar o território iraquiano em um território americano anexado. Anexar territórios de outros países alterando fronteiras consolidadas sempre foi algo muito serio, ainda mais nos dias de hoje.

Além do dilema diplomático, a China também terá que equilibrar seus interesses e parcerias comerciais com a Ucrânia. A Ucrânia vendeu para a China o seu primeiro porta-aviões, continua fornecendo muitas armas, e arrendou 5% das suas terras para companhias estatais chinesas em troca de projetos de infra-estrutura.

Se o voo 370 tiver sido alvo de um grupo terrorista isso aproximaria os chineses dos americanos pela natural importância do tema na agenda americana. Ao mesmo tempo, os russos também sofrem problemas com grupos radicais separatistas e simpatizariam com as preocupações chinesas. Talvez tanto Rússia quanto EUA tenham o mesmo poder de atração com os chineses dentro do quesito terrorismo/separatismo. Para entendermos realmente qual posição a China tomaria precisamos considerar muitos fatores. Entretanto, um deles vale a pena ser mencionado porque confere uma vantagem única para os EUA e tem ajudado a manter sua supremacia global.

Enquanto os EUA não se mostram dispostos para usar sua musculatura militar no confronto direto com a Rússia, estão usando a força militar através do Soft Power. Esse termo explica como recursos (força militar, cultura, valores, capital, etc) podem ser usados para produzir certas respostas ou ações (atração, cooptação e persuasão). O poder militar tem outras dimensões além daquelas de confronto bélico e imposição de vontades através da força superior. É possível usar o poder militar para ganhar confiança, gerar atracão ou cooptar os outros. Colocar navios militares e seu aparato de inteligência para oferecer ajuda ou assistência é uma forma de conquistar corações e mentes.

O Departamento de Inteligência Naval da Marinha Americana tem um histórico de sucesso na recuperação de navios, submarinos, pilotos e armas no oceano. Um desses casos foi a localização do submarino Scorpio, em 1968, quando afundou no norte do Atlântico. Por enquanto, a divisão de submarinos da marinha americana ainda não foi chamada para participar das buscas do voo 370. Até mesmo as buscas estão sujeitas a questões de segurança nacional como revelações sobre a capacidade e tecnologia dos satélites militares dos países. A China, por exemplo, dificilmente vai redirecionar os seus satélites militares para ajudar nas buscas com receio de revelar informações preciosas sobre a capacidade dos seus equipamentos. Para os EUA fica mais fácil usar essa vantagem militar sem se expor. Desastres e acidentes globais permitem os americanos exercerem seu poder brando e ganhar mais apoio mundial — um diferencial vital na hora de lidar com os confrontos diretos.

Não sabemos o desfecho da crise na Ucrânia e muito menos as causas do desaparecimento do voo 370, mas podemos analisar como eventos diversos se ligam facilmente dentro do universo da política. No mundo da política internacional é preciso transcender explicações unidimensionais e perceber como situações únicas podem impactar questões diversas.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/17/politica-voo-370-russia-ucrania-china-soft-power/

A ocupação militar da Crimeia pela Rússia representa o fim da estabilidade territorial europeia no pós-Guerra Fria. Por um lado, a Crimeia tem um significado estratégico militar limitado para os russos, apesar de sediar a base naval da sua Frota do Mar Negro. Na verdade, a real importância da península é de ordem geoestrategica uma vez que o controle total da Ucrânia alteraria o equilíbrio de poder global em favor da Rússia.

A condição geopolítica russa fez com que as preocupações de segurança nacional sempre tivessem uma importância acima da média se comparado com outras nações. Isso faz com que cada evento ou movimento ao redor do seu território (ou área de influencia) seja visto como uma ameaça mortal. Do ponto de vista do risco político global, não importa o quanto fundamentadas sejam as considerações russas e suas supostas justificativas. Permitir que a Rússia abocanhe um país do tamanho da Ucrânia é extremamente grave para a ordem mundial.

É importante deixar claro que a decisão russa de usar força militar é consciente e visa mandar um sinal de mudança de jogo. Moscou poderia ter usado sua costumeira pressão econômica, por exemplo, via gás natural. Não o fez por escolha, e com propósito. O Putin de 2014 não é o mesmo de 2004, ou até mesmo o de 2008 (quando invadiu a Georgia). O ex-KGB tem se mostrado desinteressado em aproximar a Rússia com a Europa. Seu projeto de país vislumbra uma Rússia nos moldes do Império Soviético e já deixou claro que está disposto a sacrificar os interesses econômicos por esse objetivo. O risco de abalar a reputação ou imagem internacional de seu país também não altera seus cálculos. Nem mesmo os 7 anos de preparativos e uma conta de 50 bilhões de dólares para sediar os Jogos de Sochi – que tinham como objetivo polir a imagem do país – foram suficientes para brecar suas ambições imperiais.

Uma revisão do status quo soberano abre precedentes que irradiariam insegurança para todos os membros do leste da OTAN e especialmente os países Bálticos–Lituânia, Estônia e Letônia (com as maiores minorias russas). A violação russa não se limita a soberania ucraniana mas também descumpre o Memorando de Budapeste quando a Rússia se comprometeu a não ameaçar ou atacar o território ucraniano. Depois da queda da União Soviética, a Ucrânia ficou em posse de muitas armas nucleares russas e concordou em devolver o arsenal somente depois de negociado garantias de proteção e segurança contra ofensivas futuras.

A crise Ucraniana elevou a polarização entre o Ocidente e Oriente dentro da periferia da antiga União Soviética. Moldova e Georgia estão buscando uma aproximação com o Ocidente para garantir sua segurança. Moldova enxerga a situação na Crimeia como uma replica da sua província (separatista e pro-russa) da Transnístria. Por outro lado, a Armênia anunciou que vai acelerar seu processo de adesão a União Euroasiática (uma espécie de União Europeia da Eurasia comanda pela Rússia). O país que já abriga uma base militar russa e laços econômicos sólidos está caminhando para uma integração ainda maior. No mundo pós-Crimeia, países como Polônia, Georgia, Ucrânia, Hungria, Romênia, Lituânia estão se perguntando se os EUA são aliados confiáveis e capazes de protege-los. Vai conquistar a fidelidade desses países aquele que demonstrar mais firmeza e força.

Globalmente falando também teríamos precedentes perigosos. Outras potências revisionistas poderiam pensar em recuperar territórios perdidos do passado. Se o argumento russo é de que deve controlar a Crimeia porque tem que proteger suas minorias, o que dizer da minoria chinesa na Tailândia ou Vietnam? E a minoria iraniana na Arabia Saudita? A lista é grande!

Independente do Putin ganhar ou perder na Ucrânia, as chances da Rússia se tornar um parceiro na solução dos problemas do mundo diminuíra drasticamente. No Oriente Médio, por exemplo, os impactos serão evidentes. Bashar al-Assad da Síria será o primeiro a ter certeza que escolheu o aliado e estratégia certa. E o acordo nuclear com o Irã? A vontade dos EUA em resolver rapidamente o dilema nuclear somado a intenção da Rússia em impedir o progresso americano vão fortalecer o Irã nas negociações daqui para frente.

Mais uma vez, a pergunta central é por que os brasileiros precisam entender a crise política de um país que representa apenas somente 0.2% do PIB global? A crise já atingiu os mercados financeiros do mundo. O benchmark de Moscou caiu 9.4% e o rublo atingiu seu ponto mais alto em relação ao dólar. Todas as empresas com exposição aos mercados ucraniano e russo experimentaram fuga de capitais. O Dow Jones, S&P, FTSE, Euro Stoxx caíram. Os mercados de energia também foram muito afetados. 80% do gás natural russo que vai para Europa passa pela Ucrânia e 40% do gás importado da Europa vem da Rússia. O preço do gás natural subiu 6% nos mercados ingleses e as ações da Gazprom caíram 10%. Em caso de um agravamento da crise e corte no fornecimento do gás, a Europa tem 18 dias de gás estocado. Essa é uma pequena amostra de como entender o que acontece na Ucrânia pode ajudar a medir os riscos políticos nos mercados.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/04/por-que-o-ocidente-nao-pode-deixar-a-russia-dominar-a-ucrania/

É sabido que a Austrália é um continente distante e isolado, mas isso só fica evidente quando se tenta chegar lá. Eu sai de São Paulo para Buenos Aires e segui pela Rota Polar (cruzando o Polo Sul) direto para Sydney. Depois de 15h15 minutos de voo, cheguei naTerra Australis Incognita, o nome dado na antiguidade para a terra desconhecida no hemisfério sul.

Desde a antiguidade, filósofos e geógrafos contemplavam a existência dessa região. Gregos e Romanos pensavam, em teoria, que o território existia. Em 150 A.D., Ptolomeu denominou uma grande região no mapa de Terra Australis. No século V, o filosofo romano Macróbio pensava que a terra era dividida em 3 zonas climáticas, com um grande continente cobrindo a maior parte do hemisfério sul. A fascinação pelo terra desconhecida continuou ao longo da história. Na Idade Media, chineses, indianos, gregos e árabes escreveram sobre uma região localizada em algum lugar ao sul de Java. Na pratica a Terra Australis só foi localizada muito tempo depois pelos exploradores europeus. Na verdade, o continente foi o ultimo pedaço de terra habitável do mundo a ser descoberto pelos europeus.

Visitar a Austrália é se reconectar com a geografia. Austrália é uma ilha, continente, e nação em um só pacote. Não existe nada no mundo semelhante à condição australiana. De alguma forma seu isolamento pode ser comparado com a posição dos EUA, um país protegido de ameaças externas pelo oceano. Claro que os EUA possuem dois vizinhos, mesmo que pacatos e inofensivos. Austrália é o menor, mais seco e mais plano continente do mundo. Um dos sete maiores países do mundo. Metade do país é árido e 1/5 deserto; esse clima faz da maior parte do solo pobre para o cultivo agrícola.

A sociedade e economia australiana são reflexos dessa realidade geográfica e climática. Outro legado que define sua história é a sua colonização. Tudo começou com 11 navios levando presidiários exilados da Inglaterra. Os navios deixaram Portsmouth, no dia 13 de Maio de 1787, e chegaram em Sydney quase um ano depois, 26 de Janeiro de 1788 (celebrado como o Dia da Australia). Aqui caberia um debate interessante (quem sabe em outro post) sobre as causas da diferença do desenvolvimento social e econômico do Brasil e Austrália. Quantas vezes já não ouvimos o argumento que a causa dos problemas do Brasil foi a colonização de exploração portuguesa. Como explicar o sucesso australiano diante de uma colonização composta por presidiários? A história da Austrália nos faz refletir sobre nossas falhas e obviamente aponta para fatores alem do tipo de colonização como explicação dos nossos desafios.

Chega de história e geografia e vamos falar um pouco da geopolítica australiana. O país vive um dilema estratégico: escolher entre quem te protege e quem te faz rico. Os EUA é o aliado indispensável, a ponto da Austrália ser o único país do mundo a participar todos os conflitos que os americanos se envolveram desde a Batalha de Hamel, na Primeira Guerra Mundial. A China se tornou o maior parceiro comercial passando o Japão em 2009. Obviamente a Austrália gostaria de manter boas relações com os dois gigantes. O problema é que tanto EUA quanto China enxergam sua relação política e estratégica com a ilha-continente através da sua rivalidade. Mesmo que a Austrália consiga agradar os dois, cada um deles vai fazer de tudo para impedir que seu rival fortaleça sua aliança.

Por exemplo, qualquer choque militar entre Japão e China, pelas ilhas do Mar do Sul da China (ver post anterior), levaria a um envolvimento americano e consequentemente forte pressão para a Austrália se posicionar e participar. Nessa caso sua aliança com a China seria comprometida abalando as relações comerciais.

Outro aspecto geopolítico é a dimensão marítima estratégica do continente. O hino australiano proclama: “our home is girt by sea” (nossa casa é cercada pelo mar); a frase ressalta a importância marítima da sua realidade. Cada estado australiano tem sua capital localizada em um porto ou próximo a um. No âmbito continental, a Austrália liga os Oceanos Pacífico e Índico. O Pacífico abriga a maior rota comercial do mundo e o Índico será o novo palco geopolítico do século 21, sendo o ponto de encontro entre China e Índia. Portanto, a localização da Austrália permite, dentre outras coisas, a criação de um corredor horizontal leste-oeste de extrema importância marítima. Forças estacionadas nos extremos de cada oceano — 7ª Frota Naval Americana localizada no Japão (Pacífico) e a 5ª Frota no Bahrain (Índico) — estão em desvantagem quando comparado com a possibilidade de estarem localizados próximo a geográfica central que a Austrália oferece.

Alguns podem estar pensando: “como a austrália influência decisões financeiras ou economicas no Brasil”. O par do dólar australiano e dólar americano são a quarta moeda mais comercializada do mundo, representando 7% de todo o mercado global de câmbio. A moeda australiana sempre esteve atrelada ao preço das suas commodities exportadas, contudo em 2003, graças a globalização financeira o link foi desfeito. A estabilidade e cotação do dólar australiano não podem ser dissociadas dos acontecimentos políticos e geopolíticos que ditam os rumos de sua economia e da região. Ou seja, qualquer avaliação precisa sobre seus fundamentos não pode excluir uma análise do risco político da Terra Australis e seu papel geopolítico.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/01/01/terra-australis-incognita-geopolitica-da-australia/

Nas ultimas semanas a China expandiu sua zona de defesa aérea dentro do Mar do Leste da China (veja mapa abaixo). Esse decisão ocorre em um contexto especifico: o acirramento das disputas territoriais das ilhas locais, o crescente nacionalismo na região e o redirecionamento estrategico-militar americano para a Ásia.

Mapa-Zona-de-Defesa-Aérea

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando falamos de crises internacionais com potencial para escalada de confronto as atenções costumam estar voltadas para regiões tidas como mais frágeis: seja o Oriente Médio, África ou sul da Ásia (Índia e Paquistão). Contudo, a Ásia do século 21 pode se tornar a Europa do século 20. Até pouco tempo atras, todo o enfoque da região estava concentrado nas áreas econômicas e comerciais. A ascensão chinesa e o desenvolvimento econômico regional vem forçando a inclusão de preocupações geopoliticas na estratégia de segurança dos países.

A China reivindica 90% do total da area do seu mar do leste. A dificuldade com as ilhas desse mar estão na sobreposição do espaço territorial de todos os países próximos. Filipinas, Vietnã, China, Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Malásia e Brunei possuem algum tipo de reivindicação territorial dentro desse espaço. Algumas dessas disputas, como a da soberania das ilhas Diaoyu/Senkakus existe desde a Guerra Sino-Japonesa de 1894. As ilhas não são a única causa da tensão, mas as zonas econômicas exclusivas pertinentes também geram disputa devido a abundância de recursos naturais como petróleo e gás.

O grande problema disso tudo é que estamos falando de disputas territoriais. Conflitos ideológicos podem ser menos precisos ou tangíveis. Território é algo fundamental para a existência de um estado. Busca por autonomia e controle de território é o que permite um povo ser dono do seu destino. Sem território não existe estado. Ou seja, nenhum país em sã consciência abdica de espaço pois esse é a matéria prima básica para sua existência. Não é por acaso que historicamente a vasta maioria das guerras, entre estados, foi travada por defesa e conquista territorial.

Outro risco com a demarcação da zona de defesa aérea chinesa é a sobreposição com mesma zona japonesa. A Coreia do Sul acabou de expandir sua zona de defesa aérea para dentro do mesmo espaço. Isso acentua as chances de um acidente ou choque não intencional. Quando um avião de qualquer um dos países entrar nessa zona vai ser interceptado e escoltado de acordo com as normas internacionais. Caso a interceptação não for feita da maneira correta temos o risco de um incidente internacional. Em 2001, um caça chinês estava executando intercepções agressivas até colidir com o avião americano de inteligência causando a morte do piloto chinês e forçando o pouso da aeronave americana na ilha de Hainan. Os 24 membros da tripulação ficaram presos por 11 dias gerando uma crise entre os dois países.

Essas zonas não são algo novo. São essencialmente um pára-choque fora do espaço aéreo do país. De acordo com o direito internacional, o espaço aéreo de um país engloba o céu acima do território mais os 22 quilômetros de distancia da sua costa de oceano. Muitos outros países criaram zonas parecidas em espaço aéreo internacional próximo ao seu estado. Como são impostas de forma unilateral e sem base legal facilitam atritos.

Por enquanto, o problema não foi a demarcação da zona chinesa, mas a possível tentativa em protege-la. Hoje, Pequim não tem os meios ou capacidade de monitorar todo o escopo desse espaço aéreo e nem as condições de projetar força. Monitorar o escopo da área requer sistemas navais, terrestres e aéreos. Como os chineses não controlam espaços terrestres (ilhas) próxima a zona ficam em desvantagem em relação aos japoneses. No quesito força, a China precisa de plataformas terrestres, aéreas e navais, mas ninguém pode atacar algo que não pode identificar ou localizar, e menos ainda sem a arma apropriada dentro do seu alcance. Essa capacidade de posicionar suas forças aéreas próximas a zona é comprometidas pela distância da costa e falta de treinamento e procedimentos.

O estabelecimento dessa zona trouxe uma nova dimensão – aérea, alem da naval e territorial – para a competição geopolítica da região. O desenrolar dessa tensão colocará em pauta a normalização militar japonesa e vai testar o comprometimento americano com seus aliados da região. Se Obama seguir o exemplo de como tem tratado os seus aliados do Oriente Médio, rapidamente o Japão pode mudar sua constituição e adotar uma postura mais agressiva. Os chineses estão desafiando o status quo enquanto os outros países estão apreensivos com as suas ambições.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2013/12/10/crise-na-asia-zona-de-defesa-aerea-e-mar-do-leste-da-china/

Chegou-se ao esperado: um acordo interino sobre o programa nuclear do Irã. Já tínhamos muitos indícios que isso aconteceria. A eleição do suposto moderado Hassam Houhani, a condução da política externa de Obama e o impacto das sanções favoreciam o cenário para um acordo.

Os holofotes estão focados no acordo em si, quando o mais importante parece estar sendo deixado de lado. O ponto relevante não é a assinatura de um acordo, mas o tipo de acordo que foi assinado e seu significado para a questão em pauta — o programa nuclear iraniano.

Hoje a maior ameaça para a segurança internacional é o programa nuclear iraniano. Por que? Existem os motivos internos e externos. Do lado interno, o regime iraniano é um dos maiores violadores dos direitos humanos no mundo; financia, treina e arma dois dos mais ativos grupos terroristas (Hamas e Hezbollah); tem um projeto hegemônico na região; mantém o regime Sírio vivo; e ameaça riscar do mapa um dos seus rivais: Israel. Do ponto de vista externo, um Irã atômico desestruturaria o Tratado de Não Proliferação Nuclear (tratado que cuida das questões relacionadas a armas e energia atômica). O regime de proliferação nuclear seria abalado pois desencadearia uma corrida nuclear. Isso aconteceria justamente na região mais instável do planeta. Imaginem o Oriente Médio repleto de países nucleares? Arábia Saudita, Egito e Turquia iriam desenvolver sua bomba atômica. Se esses novos países entrassem para o clube nuclear, o que impediria outros países de buscar a arma mais poderosa de todas? Imaginem o mundo com 30 ou 40 países em posse de bombas atômicas!

O pior de todos os cenários seria a soma dos desafios internos e externos. Me refiro a proliferação nuclear para um grupo terrorista. O mundo entraria em choque, e simplesmente tudo mudaria caso tivéssemos um 11 de setembro nuclear. Todas as grandes capitais do mundo entrariam em estado de emergência com medo de serem alvos de um ataque terrorista nuclear. O número de mortos seria muito superior a grandes conflitos históricos. O pânico seria total. Viagens e comércio internacional seriam muito abalados. As bolsas de valores do mundo derreteriam. O tamanho do estrago moral e material é imensurável e indescritível.

A descrição do pior cenário é necessária para contextualizarmos o porque está se debatendo um acordo com o Irã. O acordo não é para restabelecer relações diplomáticas do país com o Ocidente, principalmente os EUA. Claro que isso pode ser uma conseqüência futura, mas o foco dessa discussão é, ou deveria ser, o programa nuclear. Dessa forma, a conclusão obvia é de que um acordo só faz sentido se tratar do problema central: impedir as ambições nucleares do Irã.

O acordo assinado ontem tem uma serie de problemas. Segue a lista abaixo:

I. Inspeções não garantem confiabilidade

O acordo assinado permite inspetores visitar instalações, mas isso não tem muito significado devido ao histórico do país em dificultar as inspeções e enganar inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Por exemplo, desde o relatório da AIEA de 2011, a instalação de Parchin – um complexo de testes de explosivos e parte do programa militar nuclear do Irã – tem negado acesso aos inspetores da Agência Atômica. Pior do que isso, o Irã iniciou reformas no local que estão sendo documentadas por fotos de satélite. Todo o solo da base militar está sendo asfaltado. Normalmente inspetores precisam coletar amostras do solo para localizar rastros de material radioativo. Uma vez terminada a reforma, ficará impossível uma analise confiável. Para piorar, Parchin não está na lista de locais que inspetores terão acesso de acordo com o ultimo termo entre a Agência e o Irã. Como signatário do Tratado, o Irã já deveria permitir acesso irrestrito aos inspetores. Ou seja, essa concessão não pode ser vista nem como uma concessão, mas como uma falha na sua obrigação.

II. Acordos Interinos e seus problemas

Esse acordo não é um acordo final, mas apenas um aperitivo para preparar o terreno para as conversas futuras que virão. O problema é que o aperitivo foi muito farto para com o Irã e vai balizar as discussões dentro de uma perspectiva aonde o país precisa oferecer pouco e merece receber muito. O acordo atual não coloca um freio nos aspectos mais problemáticos do programa nuclear iraniano, particularmente limitando o numero de centrifugas e garantias solidas que o país não poderá converter seu urânio enriquecido em material para uma bomba.

Os obstáculos para serem superados são enormes, e os opositores internos dentro dos EUA e do Irã precisam estar convencidos que o acordo final representa seus maiores interesses. O Congresso americano só vai concordar em suspender todas as sanções caso existam propostas objetivas de destruição do programa nuclear e ao mesmo tempo mecanismos eficazes de verificação. Nada disso existe hoje, e nem foi colocado na mesa. Um acordo satisfatório para todos os stakeholders envolvidos tem uma cara muito diferente do acordo interino assinado ontem. Em outras palavras, será que Washington e Teerã são capazes de concordar com um acordo aonde o Irã abdica por completo do seu programa nuclear e os EUA suspende todas as sanções?

III. Legitimar um estado violador

O acordo atual manda um sinal muito ruim para o mundo e outros países que buscam construir suas bombas atômicas. O acordo retira o status de violador do Irã e passa a tratá-lo como um país que nunca descumpriu suas obrigações. A legitimidade das 6 resoluções do Conselho de Segurança da ONU, demandando que o Irã encerre o enriquecimento de urânio por não cumprimento do Tratado de Não Proliferação, jamais será restabelecida. Permitir que o Irã continue seu programa de enriquecimento, mesmo que seja até 5%, demonstra um retrocesso em termos das resoluções passadas do Conselho. O Irã sempre quis ter o direito de manter seu programa de enriquecimento e a comunidade internacional sempre se posicionou unanimemente contraria sabendo dos riscos dessa capacidade. Não existe bomba atômica sem capacidade de enriquecer urânio. O acordo interino recompensa o Irã pelo seu passado de violações e afrouxa os requisitos mínimos de garantia que possam impedir o país de construir sua bomba.

IV. Líbia ou Coreia do Norte

Presidentes em segundo mandato tentam melhorar seu legado. Obama passou os últimos anos dizendo que não deixaria o Irã adquirir a bomba atômica sob sua liderança. Reparem que ele está mais preocupado em garantir que isso não aconteça durante o seu mandato e não necessariamente em resolver o problema. Obama está tentando minimizar os seus riscos, jogando o problema o mais para frente possível com o mínimo de esforço e custo no presente. Clinton tentou sem sucesso em seu segundo mandato um acordo de Camp David II para acabar com o conflito Israelense e Palestino. Bush tentou um acordo final com a Coreia do Norte. Seu governo retirou a Coreia da lista de patrocinadores do terrorismo e suspendeu algumas sanções. Em resposta, os norte coreanos redobraram seu programa nuclear e balístico. O acordo atual remete mais ao cenário da Coreia do Norte do que ao acordo assinado com a Líbia para desmantelar seu programa nuclear.

V. Assimetria de trocas

Até hoje o Irã não aceitou nenhuma das propostas de acordo. O que fez o país mudar de ideia? As sanções finalmente começaram a ter efeito e estão abalando a sua econômica. Só tem uma coisa que o regime em Teerã valoriza mais do que armas nucleares: sua sobrevivência. Na verdade a maior utilidade de possuir tais armas é garantir sua sobrevivência. As sanções estão criando mais instabilidade e colocando em risco a sobrevivência do regime. Dentro desse contexto de máxima vantagem para o Ocidente que se deu inicio as negociações em Geneva. Estranhamente no momento de maior vantagem, os EUA decidiram fazer as maiores concessões, justamente quando quem estava pronto para ceder mais era o Irã. O Ocidente ofereceu suspender algumas sanções em troca de mudanças cosméticas que não alteram em nada a infra-estrutura nuclear do Irã. O próprio EUA aliviaram suas demandas ao permitir que o Irã continuasse enriquecer urânio. Durante o primeiro mandato, o próprio governo Obama ofereceu um acordo aonde o Irã deveria importar urânio enriquecido ao invés de enriquece-lo. Essa assimetria vai produzir paradigmas perigosos para qualquer acordo definitivo além de ser leniente com o programa nuclear e não endereçar o problema central que seria impedir o Irã de desenvolver uma bomba atômica.

VI. Mudanças não acontecem tão rapidamente

O regime iraniano não deixou de ser o regime iraniano e nem tem porque deixar de ser. Negar o Holocausto, ameaçar riscar Israel do mapa, financiar terrorismo e muitos outros são algumas das políticas que continuam fazendo parte do cardápio iraniano. Eu já escrevi em outro post como o programa nuclear iraniano é em parte tão grave e problemático devido ao seu comportamento e suas políticas. Caso o governo do Irã não fosse quem é, os riscos em jogo seriam menores para todos. A retórica extremista só aumenta a tensão e mostra a essência do regime dos clérigos. O regime não mudou e não deve mudar. O ex-presidente Ahmadinejad não era o único extremista, e o atual presidente, Rouhani, só parece moderado quando comparado com seu antecessor. O líder supremo fez um pronunciamento semana passada descrevendo Israel como um “cachorro fanático” e demostrando que a ideologia extremista continua sendo o pilar do regime. Rouhani quando perguntado sobre o Holocausto respondeu que não era um historiador para confirmar sua veracidade.

O Irã não deve deixar de financiar e promover o terrorismo na região. Muito menos apoiar o regime de Assad. É difícil confiar em uma mudança na área nuclear sabendo que o governo segue o seu mesmo padrão em todas as outras áreas.

Em suma, o dilema do programa nuclear iraniano está longe de ser resolvido e o seu problema central não parece ter sido resolvido pelo acordo de ontem. Vamos acompanhar as cenas dos próximos capítulos.

 

 Artigo original: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2013/11/25/o-significado-do-acordo-nuclear-com-o-ira/

Há 40 anos atrás o mundo estava lidando com a crise do petróleo criada pela OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) quando a organização cortou suas exportações para os EUA e seus aliados, como forma de punição ao apoio a Israel na Guerra do Yom Kippur em 1973.

O embargo de 1973 tem muito a nos dizer sobre risco político e geopolítica. A independência e segurança energética são questões estratégicas para qualquer país. É dentro desse contexto que o Brasil acaba de finalizar o leilão do primeiro bloco do pré-sal, a reserva de Libra.

Será que os EUA ainda têm sua segurança energética ameaçada por um embargo ou por uma dependência excessiva no combustível fóssil? Eu escuto muito as pessoas usando o petróleo como a explicação de tudo que acontece no mundo. Desde a política externa americana no Oriente Médio até as intervenções na Síria, Líbia e Iraque (só para citar alguns dos assuntos), a causa de tudo é o interesse no petróleo. Nesse post eu não quero me aprofundar nos porquês das guerras, mas posso afirmar que colocar o petróleo como o centro de tudo é uma simplificação e superficialização da realidade. Tendo dito isso podemos voltar para a pergunta acima.

Primeiramente, o embargo tinha como objetivo resolver uma questão geopolítica, acabar com o apoio do Ocidente a Israel. Não aconteceu. Portanto, o embargo não se mostrou uma ferramenta efetiva. Segundo, os países afetados foram em busca de alternativas e soluções para a sua dependência energetica. É curioso que um dos argumentos mais comuns aponta para a dependência americana de fornecimento do petróleo do Oriente Médio. Os EUA nunca foram dependentes do fornecimento de petróleo da região e hoje apenas 9% do seu fornecimento vem de lá. Historicamente, a região nunca forneceu mais de 15% do total do petróleo americano.

O erro comum de focar na dependência energética indica uma outra confusão mais grave. O perigo para os EUA, e para outros países que buscam auto suficiência energética, em termos de fornecimento, está na incapacidade de controlar o preço do petróleo e todas as conseqüências econômicas resultantes da sua variação. O problema do embargo não foi o corte de fornecimento para os EUA, mas a diminuição na produção do cartel que fez o preço do barril subir de $5.12 para $11.65. O mundo todo sofreu com o embargo, não somente os países que foram alvos do corte de fornecimento.

Hoje a China, por exemplo, importa 60% do seu petróleo e 30% do seu gás natural. Ter o seu fornecimento vindo de fontes externas não é o ideal, mas talvez a maior dependência seja em relação ao impacto do preço do petróleo na competitividade de uma economia de manufaturados orientada para exportação. A variação do preço do petróleo impacta o custo de transporte que por sua vez aumenta o preço final dos produtos chineses. Auto suficiência energética é só uma parte da equação energética.

O cartel do petróleo ainda domina 3/4 das reservas convencionais da commodity, 1/3 do fornecimento global e tem o menor custo de produção por barril do mundo. O fato do cartel ser formado por países soberanos, ao invés de empresas privadas, impossibilita que leis antitrust penalizem a pratica abusiva. Se estamos falando de um cartel de países, então estamos falando de riscos políticos na sua forma mais pura no que se refere ao combustível de transporte mais importante.

Felizmente, nem todos os membros da OPEC querem ver aumentos imediatos e exorbitantes da sua commodity. Venezuela e Irã adorariam que isso acontecesse pois ajudaria suas economias fracas. Já os outros países aprenderam algumas lições com o embargo de motivação política de 1973. A queda de preço do petróleo nos anos 80, posterior ao embargo, foi causada pelo impacto econômico nos países afetados e mostrou como pressionar seus clientes pode trazer problemas no longo prazo. A exploração de novos campos de petróleo fora do cartel e a busca por eficiência energética foram também algumas das medidas adotadas para contrapor o embargo.

Politicamente muitos dos países Árabes, principalmente a Arábia Saudita, têm a opção de aumentar sua produção para baixar o preço. Hoje os sauditas estão mais preocupados com a ameaça iraniana do que punir seus aliados ocidentais. O caos político e social que se instalou no Oriente Médio pós-Primavera Árabe mostra bem o tamanho das dificuldades intra-regionais. Talvez uma melhor opção nesse momento para a Arabia Saudita seja baixar o preço do petróleo e não aumenta-lo. A situação política regional e o risco de forçar seus clientes a acelerarem a busca por alternativas faz do cenário de 1973 um evento pouco provável.

A produção energética também está passando por uma revolução no que tange as novas tecnologias de exploração como o petróleo e o gás de xisto. 10% de todo o petróleo do mundo e 32% do gás natural estão localizados em formações de xisto. De acordo com o Energy Information Administration (EIA) esses novos recursos aumentaram as reservas globais de petróleo em 11% e 47% de gás natural. Em 2012, 1/4 da produção de gás americana vem do xisto e em 2035 o número será o dobro.

O mapa no post seguinte mostra as possíveis bacias de xisto espalhadas pelo mundo. Grandes reservadas estão na China, Argentina, Austrália e África do Sul. Muitos países se beneficiariam da exploração do xisto, incluindo Brasil. Alguns países como Polônia, Turquia e Ucrânia teriam ganhos geopolíticos ao conseguirem diminuir sua dependência de fornecedores hegemônicos como Rússia e Irã.

Concluindo, a OPEC ainda tem poder mas o cenário político de hoje não favorece o uso do petróleo como arma política contra o Ocidente. Um entendimento mais amplo do conceito de segurança energética deve transcender a ideia de auto suficiência e nesse ponto o Brasil deve pensar suas considerações estratégicas.

Artigo original na íntegra no link: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2013/10/24/petroleo-geopolitica-e-seguranca-energetica/

Desde que a guerra civil se agravou no país o grande temor era que o regime de Assad pudesse usar as armas para se manter no poder ou que essas armas caíssem nas mãos de organizações terroristas como o Hezbollah. Na semana que passou tivemos as primeiras evidencias mais concretas do uso dessas armas pelo regime de Assad.

Armas químicas foram banidas pela primeira vez em 1925 no Protocolo de Genebra, um tratado internacional. Posteriormente o tratado evoluiu para a Convenção de Armas Químicas de 1993. A Convenção possuiu 189 países como membros e dois signatários. Dentre as obrigações, estados se comprometem a não desenvolver, produzir, adquirir, transferir diretamente ou indiretamente, e usar armas químicas. A Síria não é um membro da Convenção e possuiu um dos maiores arsenais de armas químicas do mundo. A tecnologia foi transferida inicialmente do Egito, antes da Guerra de 1973 contra Israel. Depois disso a Síria se tornou auto suficiente na capacidade química. Entretanto, o país ainda depende de fornecimento externo de certos agentes químicos e determinadas tecnologias. Adivinhem quem tem sido o maior fornecedor da Síria? O Irã tem fornecido ajuda técnica e logística para produzir e desenvolver os agentes.

Os últimos casos aonde armas químicas foram usadas foi no Iraque em 1988 na cidade Curda de Halabja. Outro caso foi o ataque ao metrô de Tóquio feito pela seita e grupo terrorista japonês Aum Shinrikyo, em 1995, usando gás Sarin. Agentes químicos são consideradas armas de destruição em massa. Um acidente em uma indústria de pesticidas na Índia liberou um gás toxico matando mais de 4.000 em 1984. Um estudo do Exército Americano alerta que um ataque terrorista em uma indústria química poderia liberar gases resultando em um número de mais de 2,4 milhões de mortos e feridos.

Diante da seriedade e perigo do uso de armas químicas: como deveria proceder o governo americano? Obama falou que o uso de armas químicas seria a “linha vermelha” (red line) que definiria uma intervenção americana. Em abril tivemos indícios do uso de armas químicas por parte do regime ou dos rebeldes e mesmo assim Obama hesitou em intervir. Meses depois estamos diante do mesmo dilema só que com provas e um número de vítimas muito superior. E agora? Obama deve fazer alguma coisa? Muitos estão apontando para o problema da credibilidade ou que blefes seguidos de inação vão causar perda de reputação. Nesse caso Obama ou os EUA perderiam sua reputação e isso afetaria a capacidade de conter inimigos através de ameaças. Irã ou Coreia do Norte jamais acreditariam que um “red line” seria realmente um “red line.”

Além do problema da reputação existem outros critérios importantes para definir qual será a melhor resposta ao uso de armas químicas. Algumas delas são: moral (certo ou errado), pratica (operação militar), legal (legitimidade e direito internacional), estratégica (interesses). No próximo post pretendo analisar as opções militares de uma intervenção militar americana.

Link artigo do portal Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/

ANÁLISE: DITADOR BUSCA SOBREVIVÊNCIA DO REGIME, E NÃO UMA GUERRA TOTAL

 

Os últimos movimentos do ditador Kim Jong-un não são passos intencionais em direção a uma guerra total contra a Coreia do Sul ou os EUA. Ele sabe que sairá derrotado.

O objetivo estratégico norte-coreano é reforçar a credibilidade da sua capacidade dissuasória para garantir a sobrevivência do regime. Além disso, um dos caminhos é abalar psicologicamente e criar tensões políticas entre Seul, Washington, Pequim, Tóquio, Moscou e outros.

Quanto mais a tensão cresce na região, maiores os riscos de um confronto gerado por erros de cálculo ou descontrole de escalada retaliatória. No metro quadrado mais militarizado do planeta, os países envolvidos devem preparar suas forças militares para um confronto e tomar medidas de precaução.

Diante disso, nada mais natural que a Coreia do Sul se preparar para se defender e até para um eventual ataque preventivo contra o inimigo.

O regime de Pyongyang vem conseguindo moldar as percepções psicológicas na região e aumentando as tensões políticas entre os principais países envolvidos.

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O objetivo tático é mudar o foco das atenções de si para a Coreia do Sul. A preocupação passaria a ser o tipo de resposta que a Coreia do Sul daria tanto às provocações quanto a pequenos ataques. O que se torna mais preocupante e imprevisível é a escalada da violência gerada pela resposta sul-coreana.

Do ponto de vista estratégico, os norte-coreanos precisam demonstrar força e capacidade de elevar os custos de um conflito com seus inimigos para níveis intoleráveis e, assim, desencorajá-los de um confronto.

Até hoje, o centro da sua estratégia de defesa foram as armas nucleares. Contudo, os recentes testes nucleares e balísticos expõem falhas técnicas que comprometem a confiabilidade da sua capacidade de dissuasão nuclear.

Sem muitos amigos, com forças militares inferiores às dos seus inimigos e uma economia em frangalhos, o regime norte-coreano precisa de outros mecanismos, funcionais e confiáveis.

A forma mais direta e eficiente de construir tais mecanismos é ter um comportamento imprevisível. A ideia de parecer irracional e louco reforça suas credenciais dissuasórias. Em outras ocasiões, a Coreia do Norte já mostrou disposição de correr riscos de deflagrar uma guerra pela necessidade de certificar sua capacidade ofensiva.

HENI OZI CUKIER é cientista político e professor do curso de relações internacionais da ESPM-SP

http://folha.com/no1259485

O atual cenário de instabilidade argentino, causado por uma profunda crise econômica e política, tem aumentado a desconfiança dos investidores estrangeiros no país quanto ao retorno e segurança de seus investimentos. Levando em conta os últimos capítulos da novela política argentina, fica evidente que a situação parece longe de estar resolvida. Para se entender o risco de investimento e a crise de desconfiança internacional na Argentina, é necessário analisar as mais recentes decisões políticas tomadas pelo governo de Cristina Kirchner. Com isso, pode se perceber que considerações ao risco político devem ser centrais na decisão de se investir ou não em um país, especialmente na Argentina comandada por Kirchner.

Nacionalização ou expropriação é um dos exemplos clássicos de risco político. Muitos acreditam que essa é uma das formas mais perigosas de risco que o investidor estrangeiro pode se deparar. Em alguns países existem maiores chances disso acontecer, e a Argentina tem mostrado que é um deles. A nacionalização da maior empresa produtora de petróleo do país, a YPF, no primeiro semestre de 2012, comprova isso. A ingerência estatal em diversos setores do governo Kirchner vem assustando os investidores que temem que seus negócios ou participações sejam expropriadas. Ou seja, entre correr o risco de investir em um país sujeito aos anseios políticos do governo no poder e se investir em um outro local com estabilidade institucional, a segunda opção será sempre melhor.

Além das nacionalizações, os investidores estrangeiros têm encontrado outras dificuldades para o desenvolvimento de seus negócios na Argentina. Medidas protecionistas estão entre elas e as que têm sido mais prejudiciais às marcas internacionais são os controles de importações. Muitas empresas estão sendo forçadas a deixar o país porque não conseguem colocar seus produtos disponíveis aos consumidores argentinos.

Outro fator bastante preocupante para o investidor estrangeiro é a instabilidade do ambiente político argentino. Diversas situações se enquadram nessa realidade. A lei de controle da imprensa é um exemplo e tem se expandido cada vez mais. O Grupo Clarín, maior grupo de mídia do país, tem sido um dos mais afetados. Isso demonstra que a liberdade de expressão democrática está sendo ameaçada, evidenciando que o governo avança rapidamente contra bens privados e compromete a transparência e a segurança institucional do estado de direito democrático.

A manipulação de números oficiais é mais um exemplo da falta de transparência do governo argentino – algumas fontes estimam uma inflação de em torno de 25% para 2012, apesar dos números oficiais publicados serem muitos inferiores a isso. A tomada de decisão de novos investimentos é afetada porque a manipulação dos números impede análises precisas que apurem a realidade econômica do país. Sem informação confiável não se pode planejar e mensurar riscos.

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Gráfico mostra as diferenças entre os números oficiais e de outras fontes

A crise na Argentina tem origem nas políticas adotadas pela sua presidente. Hoje é impossível investir no país sem compreender o cenário político interno e as possibilidades de novas medidas adotadas pelo governo. Portanto, destinar recursos à Argentina hoje ou no futuro próximo pode ser bastante arriscado se comparado a outras localidades de maior estabilidade política na região. Brasil e Colômbia podem acabar se beneficiando com a crise Argentina pois oferecem cenários políticos e institucionais mais estáveis frente ao risco politico argentino.

É possível entender muito sobre a economia de um país através da análise da sua estrutura logística de transporte e infra-estrutura em geral. No caso da China, o investimento pesado nos projetos rodoviários e a relação com seu modelo econômico fundamentado em exportações pode elucidar muito sobre os desafios do dragão asiático.

Hoje, cerca de 76% do total de transportes de cargas na China são feitos pelo modal rodoviário. Para se ter uma idéia, a malha viária da China hoje alcança os expressivos 81 mil quilômetros de estradas (ficando atrás apenas dos EUA). Em 1992, esse numero nao chegava nem aos mil (aproximadamente 570 km de rodovias expressas).

Denominador comum em discussões entre empresários no Brasil, é sabido que um dos grandes obstáculos para um real desenvolvimento da economia do país é a melhoria da infra-estrutura de transportes. Em termos de custos, as rodovias são o meio mais custoso se comparado a ferrovias e vias fluviais. Ou seja, para um país ganhar competitividade e eficiência, o ideal seria ter uma malha ferroviária e fluvial maior. Na China o problema não é muito diferente do Brasil e uma taxa baixa das operações de transporte de cargas são feitos por ferrovias e vias fluviais (aproximadamente 12-13% para cada um dos modais).

Milhares de caminhões em direção a Pequim, somados a problemas como obras e má-gestão de tráfego resultaram em um trânsito de cerca de 100km de extensão e duração de 9 dias

Além do custo de transporte, o sistema rodoviário chinês enfrenta outros problemas comuns a este modal, como trânsito caótico. Recentemente foi noticiado um engarrafamento, nos arredores de Pequim, que durou nada menos do que 9 dias. Houveram relatos de motoristas que percorreram 500-600 metros durante períodos de 4 a 5 horas. Para a segunda maior economia do mundo, aspirante ao primeiro posto, este modelo nao é sustentável.

Se ligarmos a estrutura de transportes chinesa com a localização geográfica do seu centro produtivo econômico podemos entender melhor o tamanho do desafio chinês em distribuir o desenvolvimento de forma mais uniforme pelo país. O coração da economia exportadora chinesa está no litoral. Para levar desenvolvimento ao interior, onde as taxas de desenvolvimento ainda são baixas, o governo esta tentando transferir parte da atividade econômica para oeste da costa.

Se o projeto do governo chinês é, de fato, exportar o crescimento do litoral para o coração da China, e assim evitar uma série de problemas como um êxodo populacional fixo (uma vez que movimentos migratórios de proporções enormes já ocorrem anualmente), a realidade da infra-estrutura chinesa representará um desafio considerável.

Distribuição das exportações chinesas por províncias (dados de 2011)

Embora funcional no litoral, onde distâncias são relativamente menores e fatores como combustível e desgaste dos caminhões nao são tão significantes, operações logísticas maiores, conectando o interior às áreas de escoamento da produção, vão sem duvida se deparar com desafios e custos exorbitantes. São esses obstáculos logísticos, causados por fatores geográficos, que dificultam o desenvolvimento de uma nação. O empresariado brasileiro que o diga!

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