Sanções são uma ferramenta política diplomática de ameaças e incentivo — negativas ou positivas. Normalmente, tais ferramentas são percebidas como o mais visível de todos os instrumentos de poder econômico. Sanções negativas vão desde embargos até congelamento de ativos financeiros. Do lado positivo, temos de ajuda financeira até acesso favorável a mercados.

Como todas as formas de poder, sanções econômicas dependem do contexto, propósito, e habilidade em converter recursos em comportamento desejado. Existe muita controvérsia sobre o impacto e efetividade das sanções. Para medi-las é preciso ter clareza sobre seus objetivos. Esses incluem mudança de comportamento, contenção, e mudança de regime. Em outras palavras, coerção, limitação e sinalização.

No início da semana que passou os EUA decidiram sancionar indivíduos e a UE também trouxe a sua lista de russos e ucranianos. Em resposta, os russos retaliaram sancionando políticos americanos. Será que as sanções contra a Rússia vão fazer Putin mudar de ideia e abandonar a Crimeira? Sem dúvida, não! Será que o risco de endurecer as sanções pode fazer ele desistir de anexar mais territórios da Ucrânia (como o leste do país)?

A sabedoria convencional diz que sanções econômicas não funcionam. Em parte não funcionam porque o mundo é muito grande e sanções unilaterais são menos efetivas que sanções universais. Se todos os países do mundo decidissem se juntar aos EUA e UE com certeza a pressão contra a Rússia seria mais intensa. Outra consideração seria o escopo das sanções. Sancionar alguns indivíduos é bem diferente de sancionar o setor mais importante da economia russa — petróleo. Os Europeus não aprovariam nenhuma sanção econômica de peso contra o setor energético russo devido a sua dependência com o mesmo. Outro problema é o fato de sanções severas afetarem a economia como um todo, e consequentemente a população, ao invés dos oligarcas russos.

Para investidores e o mercado, os desdobramentos das sanções são importantes. Desde a primeira lista americana publicada, na segunda feira, com 11 individuos, empresas russas repatriaram bilhões de dólares com medo que novas sanções possam congelar seus ativos. O inverso também está acontecendo; bilhões de dólares deixando a Rússia devido ao medo das instituições financeiras europeias de retaliação. Bancos americanos estão vendendo títulos russos. O governo russo por outro lado está diminuindo sua exposição aos Títulos do Tesouro Americano. O Banco Central da Rússia tinha U$138 bilhões de títulos da divida americana em dezembro. Na semana passada esse numero caiu para U$105 bilhões.

Somente 2% das exportações russas vão para os EUA. A maioria dessas exportações pode ser substituída por serem commodities. Em termos de importação, aproximadamente 5% das importações russas vem dos EUA. No setor financeiro os bancos russos tem pouca exposição ao mercado americano. No fim de 2013, os russos tinham $20 bilhões depositados nos bancos americanos — uma pequena parte dos $750 bilhões depositados em seus bancos. Os EUA possuem $56 bilhões em papeis russos — 6% do total de $870 bilhões de capitalização do mercado. A maioria das empresas russas (especialmente estatais) não estão listadas no mercado americano e sim no mercado de Londres ou Frankfurt.

Portanto, não tem muito que Washington possa fazer para realmente afetar os russos a menos que esteja disposta a tomar medidas drásticas e banir empresas americanas de fazer negocio no país.

O único objetivo restante, por trás das sanções americanas, com alguma funcionalidade prática é enviar um sinal. É importante indicar para os outros países do mundo, e da região, que algo está sendo feito. Ao mesmo tempo, Obama mostra para a população americana que os EUA não estão passivos e se curvando diante da ofensiva russa.

Talvez tão importante quanto medir a efetividade das sanções é saber quais são as alternativas existentes. Força militar é normalmente mais efetiva, mas pode ser mais custosa e mais trazer conseqüências graves. O exemplo de Cuba retrata bem isso. Durante a Crise dos Mísseis, os custos de usar a força militar para remover Castro eram enormes, incluindo o risco de uma guerra nuclear. Por outro lado, não fazer nada no auge da Guerra Fria seria comprometedor do ponto de vista da competição política entre EUA e União Soviética. Ou seja, sanções econômicas — na forma do embargo — não foram capazes de derrubar Castro, mas eram a melhor alternativa dentre as opções de não fazer nada ou intervir militarmente.

Já que os EUA não estão dispostos (Europa menos ainda) a confrontar militarmente a Rússia, sanções econômicas são a única ferramenta política restante capaz de impor algum custo aos russos. O problema é que o pacote atual de sanções só gera custos simbólicos.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/25/impacto-e-utilidade-das-sancoes-economicas-contra-russia/

A ocupação militar da Crimeia pela Rússia representa o fim da estabilidade territorial europeia no pós-Guerra Fria. Por um lado, a Crimeia tem um significado estratégico militar limitado para os russos, apesar de sediar a base naval da sua Frota do Mar Negro. Na verdade, a real importância da península é de ordem geoestrategica uma vez que o controle total da Ucrânia alteraria o equilíbrio de poder global em favor da Rússia.

A condição geopolítica russa fez com que as preocupações de segurança nacional sempre tivessem uma importância acima da média se comparado com outras nações. Isso faz com que cada evento ou movimento ao redor do seu território (ou área de influencia) seja visto como uma ameaça mortal. Do ponto de vista do risco político global, não importa o quanto fundamentadas sejam as considerações russas e suas supostas justificativas. Permitir que a Rússia abocanhe um país do tamanho da Ucrânia é extremamente grave para a ordem mundial.

É importante deixar claro que a decisão russa de usar força militar é consciente e visa mandar um sinal de mudança de jogo. Moscou poderia ter usado sua costumeira pressão econômica, por exemplo, via gás natural. Não o fez por escolha, e com propósito. O Putin de 2014 não é o mesmo de 2004, ou até mesmo o de 2008 (quando invadiu a Georgia). O ex-KGB tem se mostrado desinteressado em aproximar a Rússia com a Europa. Seu projeto de país vislumbra uma Rússia nos moldes do Império Soviético e já deixou claro que está disposto a sacrificar os interesses econômicos por esse objetivo. O risco de abalar a reputação ou imagem internacional de seu país também não altera seus cálculos. Nem mesmo os 7 anos de preparativos e uma conta de 50 bilhões de dólares para sediar os Jogos de Sochi – que tinham como objetivo polir a imagem do país – foram suficientes para brecar suas ambições imperiais.

Uma revisão do status quo soberano abre precedentes que irradiariam insegurança para todos os membros do leste da OTAN e especialmente os países Bálticos–Lituânia, Estônia e Letônia (com as maiores minorias russas). A violação russa não se limita a soberania ucraniana mas também descumpre o Memorando de Budapeste quando a Rússia se comprometeu a não ameaçar ou atacar o território ucraniano. Depois da queda da União Soviética, a Ucrânia ficou em posse de muitas armas nucleares russas e concordou em devolver o arsenal somente depois de negociado garantias de proteção e segurança contra ofensivas futuras.

A crise Ucraniana elevou a polarização entre o Ocidente e Oriente dentro da periferia da antiga União Soviética. Moldova e Georgia estão buscando uma aproximação com o Ocidente para garantir sua segurança. Moldova enxerga a situação na Crimeia como uma replica da sua província (separatista e pro-russa) da Transnístria. Por outro lado, a Armênia anunciou que vai acelerar seu processo de adesão a União Euroasiática (uma espécie de União Europeia da Eurasia comanda pela Rússia). O país que já abriga uma base militar russa e laços econômicos sólidos está caminhando para uma integração ainda maior. No mundo pós-Crimeia, países como Polônia, Georgia, Ucrânia, Hungria, Romênia, Lituânia estão se perguntando se os EUA são aliados confiáveis e capazes de protege-los. Vai conquistar a fidelidade desses países aquele que demonstrar mais firmeza e força.

Globalmente falando também teríamos precedentes perigosos. Outras potências revisionistas poderiam pensar em recuperar territórios perdidos do passado. Se o argumento russo é de que deve controlar a Crimeia porque tem que proteger suas minorias, o que dizer da minoria chinesa na Tailândia ou Vietnam? E a minoria iraniana na Arabia Saudita? A lista é grande!

Independente do Putin ganhar ou perder na Ucrânia, as chances da Rússia se tornar um parceiro na solução dos problemas do mundo diminuíra drasticamente. No Oriente Médio, por exemplo, os impactos serão evidentes. Bashar al-Assad da Síria será o primeiro a ter certeza que escolheu o aliado e estratégia certa. E o acordo nuclear com o Irã? A vontade dos EUA em resolver rapidamente o dilema nuclear somado a intenção da Rússia em impedir o progresso americano vão fortalecer o Irã nas negociações daqui para frente.

Mais uma vez, a pergunta central é por que os brasileiros precisam entender a crise política de um país que representa apenas somente 0.2% do PIB global? A crise já atingiu os mercados financeiros do mundo. O benchmark de Moscou caiu 9.4% e o rublo atingiu seu ponto mais alto em relação ao dólar. Todas as empresas com exposição aos mercados ucraniano e russo experimentaram fuga de capitais. O Dow Jones, S&P, FTSE, Euro Stoxx caíram. Os mercados de energia também foram muito afetados. 80% do gás natural russo que vai para Europa passa pela Ucrânia e 40% do gás importado da Europa vem da Rússia. O preço do gás natural subiu 6% nos mercados ingleses e as ações da Gazprom caíram 10%. Em caso de um agravamento da crise e corte no fornecimento do gás, a Europa tem 18 dias de gás estocado. Essa é uma pequena amostra de como entender o que acontece na Ucrânia pode ajudar a medir os riscos políticos nos mercados.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/04/por-que-o-ocidente-nao-pode-deixar-a-russia-dominar-a-ucrania/

Há 40 anos atrás o mundo estava lidando com a crise do petróleo criada pela OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) quando a organização cortou suas exportações para os EUA e seus aliados, como forma de punição ao apoio a Israel na Guerra do Yom Kippur em 1973.

O embargo de 1973 tem muito a nos dizer sobre risco político e geopolítica. A independência e segurança energética são questões estratégicas para qualquer país. É dentro desse contexto que o Brasil acaba de finalizar o leilão do primeiro bloco do pré-sal, a reserva de Libra.

Será que os EUA ainda têm sua segurança energética ameaçada por um embargo ou por uma dependência excessiva no combustível fóssil? Eu escuto muito as pessoas usando o petróleo como a explicação de tudo que acontece no mundo. Desde a política externa americana no Oriente Médio até as intervenções na Síria, Líbia e Iraque (só para citar alguns dos assuntos), a causa de tudo é o interesse no petróleo. Nesse post eu não quero me aprofundar nos porquês das guerras, mas posso afirmar que colocar o petróleo como o centro de tudo é uma simplificação e superficialização da realidade. Tendo dito isso podemos voltar para a pergunta acima.

Primeiramente, o embargo tinha como objetivo resolver uma questão geopolítica, acabar com o apoio do Ocidente a Israel. Não aconteceu. Portanto, o embargo não se mostrou uma ferramenta efetiva. Segundo, os países afetados foram em busca de alternativas e soluções para a sua dependência energetica. É curioso que um dos argumentos mais comuns aponta para a dependência americana de fornecimento do petróleo do Oriente Médio. Os EUA nunca foram dependentes do fornecimento de petróleo da região e hoje apenas 9% do seu fornecimento vem de lá. Historicamente, a região nunca forneceu mais de 15% do total do petróleo americano.

O erro comum de focar na dependência energética indica uma outra confusão mais grave. O perigo para os EUA, e para outros países que buscam auto suficiência energética, em termos de fornecimento, está na incapacidade de controlar o preço do petróleo e todas as conseqüências econômicas resultantes da sua variação. O problema do embargo não foi o corte de fornecimento para os EUA, mas a diminuição na produção do cartel que fez o preço do barril subir de $5.12 para $11.65. O mundo todo sofreu com o embargo, não somente os países que foram alvos do corte de fornecimento.

Hoje a China, por exemplo, importa 60% do seu petróleo e 30% do seu gás natural. Ter o seu fornecimento vindo de fontes externas não é o ideal, mas talvez a maior dependência seja em relação ao impacto do preço do petróleo na competitividade de uma economia de manufaturados orientada para exportação. A variação do preço do petróleo impacta o custo de transporte que por sua vez aumenta o preço final dos produtos chineses. Auto suficiência energética é só uma parte da equação energética.

O cartel do petróleo ainda domina 3/4 das reservas convencionais da commodity, 1/3 do fornecimento global e tem o menor custo de produção por barril do mundo. O fato do cartel ser formado por países soberanos, ao invés de empresas privadas, impossibilita que leis antitrust penalizem a pratica abusiva. Se estamos falando de um cartel de países, então estamos falando de riscos políticos na sua forma mais pura no que se refere ao combustível de transporte mais importante.

Felizmente, nem todos os membros da OPEC querem ver aumentos imediatos e exorbitantes da sua commodity. Venezuela e Irã adorariam que isso acontecesse pois ajudaria suas economias fracas. Já os outros países aprenderam algumas lições com o embargo de motivação política de 1973. A queda de preço do petróleo nos anos 80, posterior ao embargo, foi causada pelo impacto econômico nos países afetados e mostrou como pressionar seus clientes pode trazer problemas no longo prazo. A exploração de novos campos de petróleo fora do cartel e a busca por eficiência energética foram também algumas das medidas adotadas para contrapor o embargo.

Politicamente muitos dos países Árabes, principalmente a Arábia Saudita, têm a opção de aumentar sua produção para baixar o preço. Hoje os sauditas estão mais preocupados com a ameaça iraniana do que punir seus aliados ocidentais. O caos político e social que se instalou no Oriente Médio pós-Primavera Árabe mostra bem o tamanho das dificuldades intra-regionais. Talvez uma melhor opção nesse momento para a Arabia Saudita seja baixar o preço do petróleo e não aumenta-lo. A situação política regional e o risco de forçar seus clientes a acelerarem a busca por alternativas faz do cenário de 1973 um evento pouco provável.

A produção energética também está passando por uma revolução no que tange as novas tecnologias de exploração como o petróleo e o gás de xisto. 10% de todo o petróleo do mundo e 32% do gás natural estão localizados em formações de xisto. De acordo com o Energy Information Administration (EIA) esses novos recursos aumentaram as reservas globais de petróleo em 11% e 47% de gás natural. Em 2012, 1/4 da produção de gás americana vem do xisto e em 2035 o número será o dobro.

O mapa no post seguinte mostra as possíveis bacias de xisto espalhadas pelo mundo. Grandes reservadas estão na China, Argentina, Austrália e África do Sul. Muitos países se beneficiariam da exploração do xisto, incluindo Brasil. Alguns países como Polônia, Turquia e Ucrânia teriam ganhos geopolíticos ao conseguirem diminuir sua dependência de fornecedores hegemônicos como Rússia e Irã.

Concluindo, a OPEC ainda tem poder mas o cenário político de hoje não favorece o uso do petróleo como arma política contra o Ocidente. Um entendimento mais amplo do conceito de segurança energética deve transcender a ideia de auto suficiência e nesse ponto o Brasil deve pensar suas considerações estratégicas.

Artigo original na íntegra no link: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2013/10/24/petroleo-geopolitica-e-seguranca-energetica/

Desde o fim da União Soviética, os Estados têm optado pelo modelo econômico liberal, diminuindo sua participação na economia, principalmente através das privatizações de suas empresas públicas. A ascensão das economias emergentes – os BRICS – somada a crise de 2008, colocou esse movimento em xeque. As intervenções governamentais na economia cresceram muito após a crise, e essa tem sido a prática mais comum tanto para desenvolvidos quanto para emergentes. Contudo, no segundo caso, o fato de suas economias terem se consolidado sob um modelo de state capitalism torna ainda mais fundamental a intervenção do Estado na economia.

YPF, subsidiária da espanhola Repsol, foi expropriada pelo governo de Cristina Kirchner

É nesse contexto que, na semana passada, a Argentina decidiu nacionalizar a YPF, petrolífera subsidiária da espanhola Repsol no país. Em geral, expropriações são facilitadas por questões primordiais do sistema internacional político e pela economia mundial. A primeira é a própria soberania dos países; sem uma autoridade supranacional capaz de impor regras e aplicá-las, as nações são sempre a maior autoridade no que diz respeito a suas vontades e interesses. A segunda questão é de cunho econômico; a atual onda de alta nos preços de commodities torna economicamente atraente a nacionalização de determinados setores da economia, e transformá-los em instrumentos de política interna e externa. Não por acaso, boa parte das gigantes petrolíferas hoje pertencem a governos, como a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a CNOOC (China) ou a própria Petrobrás.

Para empresas e governos, o ideal é antever e se prevenir quanto a ações de nacionalização. A ação de expropriar a propriedade de determinada empresa pode ser baseada em diferentes motivações e ocorrer de formas distintas. O caso da YPF elucida dois fatores importantes como motivação para tal ação: ideologia e nacionalismo.

O nacionalismo é um fator crucial nas expropriações. Normalmente utilizado por governos quando países passam por momentos de crise doméstica, uma de suas ferramentas é encontrar um “culpado” externo para justificar falhas internas. Desta forma, nacionalizar ativos de estrangeiros em setores de valor, normalmente commodities, se traduz, politicamente, em um momento de orgulho nacional e uma forma de angariar apoio da população ao governo. Da mesma forma, esses setores estratégicos também servem de fonte de renda para financiar políticas populistas.

Cristina Kirchner - exemplo clássico de governante populista

 

Por fim, deve-se incluir na análise a ideologia dos governos em exercício. Processos de expropriação baseados em questões ideológicas são, historicamente, um dos maiores fatores por trás destas ações. Como políticos esquerdistas não tendem a esconder seus objetivos, é possível antever tal fenômeno. O governo de Cristina Kirchner, assim como o de seu predecessor e marido, Néstor Kirchner, sempre se baseou em uma plataforma populista. Uma grande fração das contas do Estado são direcionadas aos subsídios de serviços, produtos e crédito fácil. Embora a Argentina tenha experimentado algum crescimento econômico nos últimos tempos, tal modelo enfraquece as contas governamentais, o que força o aumento de impostos, prejudicando a competitividade da economia do país. Acusar uma multinacional – neste caso a Repsol – de não contribuir com a sociedade é cômodo e relativamente fácil. No médio e longo prazo, quem mais perde é a própria Argentina, pois cada vez mais afugenta o investimento estrangeiro tão necessário para o desenvolvimento, principalmente do setor energético.

O caso da nacionalização da YPF, é apenas mais um episódio de um fenômeno que não da sinais de que vá se extinguir nos próximos anos. Pelo contrário. Como vimos, expropriações podem se tornar mais freqüentes com o crescimento do modelo capitalista estatal, praticado principalmente pelas economias emergentes.

 

Recentemente, algumas pesquisas eleitorais nos EUA têm mostrado o ex-governador Mitt Romney na frente do atual presidente Barack Obama, numa eventual disputa entre ambos pela Casa Branca, caso as eleições fossem hoje. Embora ainda seja cedo para avaliar a profundidade de tais pesquisas, esse é um fenônemo a ser observado de perto.

Em algumas partes dos EUA, o galão já ultrapassa os 4 dólares

A força motriz dessas pesquisas vem sendo o preço da gasolina, que subiu consideravelmente no último ano. Eventos como a revolta na Líbia e a atual crise envolvendo o Irã elevaram o preço do galão para mais de USD 4,00 em algumas partes dos EUA, sendo que na maior parte do país o valor está ao redor de USD 3,80. Pesquisas indicam que mais de 80% da população acredita que os preços atingirão pouco mais de USD 4,00 nos próximos meses – e uma minoria acredita em até USD 5,00.

Caso a situação não se altere, o presidente Obama se verá obrigado a injetar uma quantidade considerável de petróleo na economia – tal quantidade viria da Reserva Estratégica de Petróleo (SPR na sigla em inglês). Em 2011, em meio à crise na Líbia, isso foi feito – à época, 30 milhões de barris foram colocados à disposição para acalmar os mercados. A reserva, que tem capacidade total de armazenamento de 727 milhões de barris, foi constituída em dezembro de 1975, após o trauma do choque de 1973-4. Sua utilização já foi alvo de críticas por não inspirar confiança o suficiente nos mercados, isso devido à má-utilização em momentos críticos e uma gestão que não leva em conta preceitos básicos do mercado – compras foram feitas quando o preço do barril esteve alto e vendas quando os preços caíam.

O fato é que a Casa Branca precisará resolver este problema no curto prazo, caso não queira dar argumentos para seu futuro adversário na campanha presidencial. Em meio às bravatas típicas do período eleitoral, preços altos nas bombas de gasolina podem ser fatais para a reeleição de Obama. É bom lembrar que – variáveis mercadológicas à parte – o preço do galão girava em torno de USD 1,90 no início da gestão atual, em Janeiro de 2009.

 

 

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OBS.:

1 galão = 3,78 litros (aprox.)

Dentre os diversos conflitos do Oriente Médio, os que possuem maior potencial de gerar ameaças para o crescimento da economia mundial estão relacionados com a rivalidade histórica entre Irã e Arábia Saudita. Ela é parte da rixa que opõe Sunitas e Xiitas há séculos na região.

Antes de mais nada, é preciso colocar em contexto as relações entre iranianos e sauditas que, juntos, respondem por quase de 20% das reservas de petróleo conhecidas no mundo. Irã e Arábia Saudita disputam a hegemonia sobre a região do Golfo Pérsico. As diferenças entre os dois são enormes. Enquanto a monarquia saudita é árabe e segue a corrente Sunita do islamismo, o regime de Teerã é majoritariamente persa e Xiita. Na década de 80, Riad apoiou financeiramente a invasão do Irã pelo então ditador do Iraque Saddam Hussein (com oito anos de duração, a guerra Irã-Iraque foi a mais trágica da história do Oriente Médio). No jogo político, Riad é um aliado de Washington e abriga bases militares americanas. Já o Irã, é inimigo dos Estados Unidos desde a Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o governo pró-Ocidente do Xá Mohammad Reza Pahlavi.

Diversos conflitos no Oriente Médio opõe os rivais. Na questão palestina, o Irã apóia o islâmico Hamas que controla a Faixa de Gaza. O Fatah (partido que comanda a Autoridade Palestina e governa Cisjordânia) é aliado dos sauditas e das potências ocidentais. No Líbano, partidos Sunitas recebem ajuda de Riad enquanto o Hiszbollah, um misto de milícia e partido político composto por Xiitas, é financiado e apoiado pelo regime de Teerã. No Bahrein, os Xiitas, que compoem mais de 70% da população e organizaram grandes protestos em meio à Primavera Árabe, são reprimidos pela monarquia Sunita do país, que conta com auxílio de tropas da Arábia Saudita.

Do ponto de vista geopolítico, o Irã busca a redefinição da economia do petróleo da região, fortalecendo sua liderança em detrimento da Arábia Saudita. Com a retirada das tropas americanas do Iraque, já marcada para o fim de 2011, o poder militar iraniano se tornará o maior e mais poderoso do Golfo Pérsico. Há anos os americanos vem tentando sem sucesso conter a crescente influência de Teerã sobre os grupos Xiitas iraquianos – que eram perseguidos pelo regime Sunita de Saddam Hussein. Da maneira como a situação se desenha, o Irã deve preencher o vácuo de poder deixado pela saída dos Estados Unidos do Iraque, o que lhe garantirá, pela primeira vez em décadas, segurança na fronteira ocidental (o Iraque caminha hoje para ser o único Estado árabe governado por xiitas). Este passo será um enorme ganho na situação geopolítica do Irã, o que deve aumentar ainda mais o seu apetite por consolidar sua liderança na região. De todo modo, é interessante destacar que o maior ganho estratégico para Teerã, ao contrário do que se imagina, está na retirada das tropas americanas do Iraque e não na obtenção de armas nucleares – o que leva a crer que o programa nuclear e as ameaças a Israel são uma forma de desviar a atenção do mundo dos verdadeiros interesses iranianos. Apenas com os recursos que possui hoje, o Irã irá se tornar, com a saída dos americanos, a principal força militar da região que produz o petróleo do qual dependem as principais economias do mundo. Este fato já é mais do que suficiente para criar um enorme desconforto para o Ocidente, que sempre confiou nos sauditas para garantir suas necessidades energéticas.

Quase metade do petróleo que é escoado por mar no mundo todo passa por esta região e fica suscetível às alterações geopolíticas da Península Arábica. Fonte: U. S. Energy Information Administration

Quase metade do petróleo que é escoado por mar no mundo todo passa por esta região e fica suscetível às alterações geopolíticas da Península Arábica.

A Arábia Saudita tem se mostrado disposta a agir para frear o crescimento do poder iraniano. No ano passado, anunciaram que vão comprar US$ 60 bilhões em armas num acordo com os Estados Unidos. Atualmente, a maior preocupação dos sauditas é que a onda de revoltas no mundo árabe alterne o balanço de poder da região em favor dos iranianos. A chamada Primavera Árabe pode arruinar a aliança dos estados árabes moderados que eram liderados pela Arábia Saudita e pelo Egito de Hosni Mubarak (deposto no último mês de fevereiro) – que mantém relações próximas com os Estados Unidos e que estão dispostos a fazer paz com Israel (Egito e Jordânia são os únicos países árabes a reconhecer o Estado Judaico, enquanto a Arábia Saudita apresentou em 2002 um plano de paz em que todas as nações árabes se comprometeriam a reconhecer o Estado de Israel, caso este aceite se retirar dos territórios ocupados, desde 1967, na Cisjordânia, Síria e Líbano).

Desta forma, a Arábia Saudita tem concentrado esforços em impedir que o clima de instabilidade continue a se espalhar pela região. No fim de maio, Riad anunciou que dará US$ 4 bilhões em ajuda externa para o Egito pós-Mubarak. No momento, é crucial para os sauditas que a junta militar que está governando o país seja fortalecida para evitar que grupos radicais islâmicos, em especial a Irmandade Muçulmana, ganhem espaço no país mais populoso do mundo árabe. Em outro gesto bastante simbólico, os sauditas convidaram os reinos do Marrocos e da Jordânia para integrar o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC na sigla em inglês), uma tentativa de fortalecer as monarquias sunitas e mandar um claro recado para Teerã que elas irão agir para perseguir seus interesses na região. Mais ainda, os sauditas têm distribuído dinheiro para que outros Estados acalmem suas populações e esfriem os protestos. Por outro lado, quando os rebeldes árabes se levantam para lutar contra um regime que é aliado do Irã, os sauditas adotam a postura de indignação diante da repressão a protestos. É o caso da Síria, cujo regime de Bashar Al-Assad é alauíta, mas parceiro próximo de Teerã e de sua milícia Xiita no Líbano, o Hiszbollah. Recentemente, A Arábia Saudita e seus parceiros do Golfo, como o Kuwait, fizeram declarações condenando a morte de civis na Síria e retirando seus embaixadores de Damasco. É uma tentativa de minar um regime de importância estratégica para o Irã pois alavanca sua influência sobre o mundo árabe.

O apoio do presidente dos Estados Unidos Barack Obama às revoltas no países árabes têm desagradado o regime saudita, que acha, por exemplo, que os americanos abandonaram Mubarak rápido demais. Esta visão reforça para os sauditas a ideia de que eles devem agir por conta própria. Por sua vez, apesar de não divergir com os aliados sauditas em público, a administração Obama acredita que o melhor caminho para fortalecer a posição anti-Irã na região é através de reformas que diminuam a sensação de exclusão política e econômica das populações Xiitas da Arábia Saudita e do Bahrein. No entanto, os príncipes sauditas insistem que qualquer tipo de abertura política só trará mais instabilidade para região e poderá colocar o regime em perigo.

É improvável que os iranianos pretendam confrontar os sauditas diretamente, lutando contra suas tropas no Bahrein, por exemplo. A estratégia de Teerã deve ser a de continuar a minar os interesses de Riad em países como o Líbano ou o Egito – além do próprio Bahrein e do Iêmen. A Arábia Saudita deve seguir a mesma estratégia na Síria. No entanto, permanece a possibilidade de escalada na disputa entre iranianos e sauditas, o que poderia ter consequências globais. Pelo estreito de Hormuz, que separa o Irã da Península Arábica, passam cerca de 16 milhões de barris de petróleo todos os dias. Somado o estreito de Bab el-Mandab, o número corresponde a cerca de 40% do total que é escoada por mar. Isto significa dizer que a instabilidade política no Golfo Pérsico pode levar o preço do petróleo a disparar, o que impactaria negativamente na recuperação das economias desenvolvidas, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.

Após uma década envolvidos em duas guerras no Oriente Médio, ambas custosas em termos econômicos e geopolíticos, os Estados Unidos estão se preparando para retirar tropas de Iraque e Afeganistão. Diante desta nova realidade de poder, as potencias do Golfo Pérsico – Arábia Saudita e Irã – disputarão de forma acirrada a hegemonia regional. Por conta das enormes reservas de petróleo guardadas sob os territórios destes países, a disputa entre os dois dirá muito sobre a geopolítica e a economia do mundo nas próximas décadas.

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