Desde o fim da União Soviética, os Estados têm optado pelo modelo econômico liberal, diminuindo sua participação na economia, principalmente através das privatizações de suas empresas públicas. A ascensão das economias emergentes – os BRICS – somada a crise de 2008, colocou esse movimento em xeque. As intervenções governamentais na economia cresceram muito após a crise, e essa tem sido a prática mais comum tanto para desenvolvidos quanto para emergentes. Contudo, no segundo caso, o fato de suas economias terem se consolidado sob um modelo de state capitalism torna ainda mais fundamental a intervenção do Estado na economia.

YPF, subsidiária da espanhola Repsol, foi expropriada pelo governo de Cristina Kirchner

É nesse contexto que, na semana passada, a Argentina decidiu nacionalizar a YPF, petrolífera subsidiária da espanhola Repsol no país. Em geral, expropriações são facilitadas por questões primordiais do sistema internacional político e pela economia mundial. A primeira é a própria soberania dos países; sem uma autoridade supranacional capaz de impor regras e aplicá-las, as nações são sempre a maior autoridade no que diz respeito a suas vontades e interesses. A segunda questão é de cunho econômico; a atual onda de alta nos preços de commodities torna economicamente atraente a nacionalização de determinados setores da economia, e transformá-los em instrumentos de política interna e externa. Não por acaso, boa parte das gigantes petrolíferas hoje pertencem a governos, como a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a CNOOC (China) ou a própria Petrobrás.

Para empresas e governos, o ideal é antever e se prevenir quanto a ações de nacionalização. A ação de expropriar a propriedade de determinada empresa pode ser baseada em diferentes motivações e ocorrer de formas distintas. O caso da YPF elucida dois fatores importantes como motivação para tal ação: ideologia e nacionalismo.

O nacionalismo é um fator crucial nas expropriações. Normalmente utilizado por governos quando países passam por momentos de crise doméstica, uma de suas ferramentas é encontrar um “culpado” externo para justificar falhas internas. Desta forma, nacionalizar ativos de estrangeiros em setores de valor, normalmente commodities, se traduz, politicamente, em um momento de orgulho nacional e uma forma de angariar apoio da população ao governo. Da mesma forma, esses setores estratégicos também servem de fonte de renda para financiar políticas populistas.

Cristina Kirchner - exemplo clássico de governante populista

 

Por fim, deve-se incluir na análise a ideologia dos governos em exercício. Processos de expropriação baseados em questões ideológicas são, historicamente, um dos maiores fatores por trás destas ações. Como políticos esquerdistas não tendem a esconder seus objetivos, é possível antever tal fenômeno. O governo de Cristina Kirchner, assim como o de seu predecessor e marido, Néstor Kirchner, sempre se baseou em uma plataforma populista. Uma grande fração das contas do Estado são direcionadas aos subsídios de serviços, produtos e crédito fácil. Embora a Argentina tenha experimentado algum crescimento econômico nos últimos tempos, tal modelo enfraquece as contas governamentais, o que força o aumento de impostos, prejudicando a competitividade da economia do país. Acusar uma multinacional – neste caso a Repsol – de não contribuir com a sociedade é cômodo e relativamente fácil. No médio e longo prazo, quem mais perde é a própria Argentina, pois cada vez mais afugenta o investimento estrangeiro tão necessário para o desenvolvimento, principalmente do setor energético.

O caso da nacionalização da YPF, é apenas mais um episódio de um fenômeno que não da sinais de que vá se extinguir nos próximos anos. Pelo contrário. Como vimos, expropriações podem se tornar mais freqüentes com o crescimento do modelo capitalista estatal, praticado principalmente pelas economias emergentes.

 

Em um mundo tão imprevisível, como o de hoje, os riscos políticos ganham uma relevância ainda maior. Em geral, os maiores riscos políticos sempre estiveram nos mercados emergentes, onde as instituições não são tão sólidas e interferência do Estado no mercado é constante. Entretanto, mercados desenvolvidos, como Europa central – Alemanha, França, Reino Unido, – EUA e outros, também podem oferecer determinados riscos políticos que, à primeira vista, não são visíveis.

Recentemente, o conglomerado brasileiro Odebrecht sofreu um revés político que pode comprometer suas operações nos EUA, no Estado da Florida. O governador Rick Scott devera sancionar uma nova lei na qual prevê que empresas com negócios em Cuba, em valores acima de USD 1 milhão, serão proibidas de operar na Florida.

Lei no Estado da Florida pode comprometer investimentos de gigante brasileira

Ideologias são um fator presente na análise do risco político. Por exemplo, historicamente, quando pensamos em expropriações – algo que ocorreu com a Petrobrás, em 2006, na Bolívia – ideologias são a força motriz por trás deste tipo de evento. Contudo, ideologia e afiliações políticas podem afetar empresas de outras formas menos agressivas e custosas. No caso específico da lei da Florida, seu idealizador é o deputado Michael Bileca, casado com uma cubana. Esse projeto recebe apoio incondicional do lobby anti-castrista, uma das grandes forças políticas do Estado. A população cubana da Florida, em sua maioria descendente de refugiados da revolução de 1959, vê com maus  olhos o regime do país caribenho e são apoiadores irredutíveis do bloqueio, mantido desde 1962.

O Brasil é hoje o principal parceiro econômico da Florida, e a Odebrecht é parte importante deste cenário. Grandes contratos já estão em execução e há negociações para crescimento nos investimentos. Ao mesmo tempo, a posição da empresa brasileira em Cuba é bastante estratégica.

Desde que Raúl Castro, irmão de Fidel, assumiu o poder na ilha, diversas medidas econômicas de abertura vem sendo implementadas. A previsão é de que, em breve, Cuba será novamente um pólo muito atrativo para investimentos em diversas áreas – já que hoje há uma mão-de-obra qualificada subutilizada devido às políticas socialistas ainda predominantes. O Brasil já explora estas variáveis e, no caso da Odebrecht, já há negócios em andamento nos setores de infraestrutura e agronegócio.

Embora a lei ainda não tenha sido sancionada, os negócios da  empresa brasileira estão sob ameaça. Uma decisão política pode afetar diretamente sua estratégia, desmontrando assim a necessidade de lidar de forma sistemática e profissional com os riscos politicos.

A notícia de que o presidente da Venezuela Hugo Chávez passou o último mês de junho se tratando de um câncer em Havana, Cuba, levanta diversas questões sobre o futuro do país e da América do Sul. Chávez construiu sua liderança política de forma a descentralizar o poder em volta de si, razão pela qual não é possível apontar um candidato natural a lhe suceder. Ainda que seja cedo para prever o futuro do chavismo, já é possível desenhar cenários para entender como os desdobramentos políticos do país podem afetar a agenda da região, trazendo riscos e oportunidades para o Brasil.

Ádan Chávez, à esquerda, irmão mais velho de Hugo Chávez, é apontado como possível sucessor do Presidente da Venezuela

Por enquanto, não há razões para Chávez se sentir ameaçado por nenhum grupo político. A oposição se mostrou altamente fragmentada mesmo diante do natural enfraquecimento político de Chávez após sua doença. Dificilmente a oposição seria capaz de se unir em torno de um único nome para concorrer na próximas eleições marcadas para dezembro de 2012. O mesmo ocorre na situação. O Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV), uma junção feita por Chávez para unir toda sua base aliada, reúne militares, esquerdistas radicais, progressistas e a velha ala comunista ligada à ditadura cubana. Sem a figura de Chávez, é praticamente impossível que o partido se mantenha unido para o pleito do ano que vem. Ainda mais significativa foi a recusa de Chávez a passar o poder ao seu vice, Elia Jaua, enquanto se recuperava da cirurgia em Havana. Jaua é um político chavista linha dura e um dos responsáveis por fortalecer a aproximação de seu país com Cuba. No caso de Chávez ter de se retirar da presidência, a Constituição diz que Jaua tem de assumir, o que faz crescer o temor de que, sob sua fraca liderança, o país mergulhe em uma profunda crise política. Outro personagem que aparece na linha sucessora é Adan Chávez, irmão mais velho do presidente. No entanto, suas posições consideradas radicais (ele já defendeu o uso da luta armada como método legítimo para se alcançar objetivos revolucionários) tornam-lhe duvidosas as possibilidades de construir uma base de apoio forte o suficiente para ser capaz de suceder o irmão.

As Forças Armadas são parte integrante da “revolução” de Chávez (ele mesmo foi um coronel e tentou dar um golpe de Estado em 1992). Em algumas ocasiões, o Exército reiterou que não aceitará um governo comandado pela oposição. Entretanto, o mais provável é que, no caso de Chávez sair de cena, o Exército apóie quem tiver capacidade de trazer estabilidade política para o país. Paralelamente, fez parte da estratégia de Chávez de fomentar a divisão do poder a sua volta, a iniciativa de armar a população através de milícias (a maior dela é a Milícia Nacional Bolivariana) para evitar que o exército tentasse derrubar seu governo. Desse modo, é incerto se algum agente político irá ocupar o imenso vácuo de poder deixado pela saída de Chávez sem causar intensa instabilidade política.

Ainda que Chávez se recupere plenamente, o futuro da Venezuela é incerto. Por si só, este fato chama a atenção de outros países com interesses na região. Os Estados Unidos, inimigos declarados por Chávez (ainda que sejam os maiores compradores de petróleo venezuelano) mantém os olhos na situação do país porque uma crise profunda e prolongada na Venezuela fatalmente afetaria os mercados de energia e fariam o preço do petróleo subir, o que teria impacto negativo na recuperação econômica americana. A Colômbia também se mantém atenta à questão. Bogotá sempre viu em Chávez uma ameaça por conta das relações próximas entre o venezuelano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma espécie de narco-guerrilha que atua no país. Em 2008, um ataque colombiano a um acampamento das FARC em solo equatoriano (o presidente do Equador Rafael Correa é um dos principais aliados de Chávez na região) abriu uma crise política que levantou os perigos de um confronto armado entre Colômbia e Venezuela. No entanto, o vazio de poder deixado por uma eventual saída de Chávez poderia fortalecer grupos políticos venezuelanos ainda mais próximos às FARC, criando insegurança para o governo colombiano e enfraquecendo os esforços de Bogotá – com o apoio de Washington – para vencer o tráfico de drogas e suas guerrilhas armadas no país.

O Brasil também possui interesses importantes em jogo. Como maior economia da região e com aspirações de se tornar uma liderança global, o Brasil não gostaria de ver um cenário de instabilidade com alta capacidade de gerar violência entre seus vizinhos. Por outro lado, a transição na Venezuela pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil aumentar sua influência e fazer crescer sua liderança regional. Por mais que Chávez sempre tenha sido tratado por Brasília como aliado, seu “movimento bolivariano” se mostrou por diversas vezes contrário aos interesses brasileiros. O momento mais claro foi quando, em 2006, o presidente boliviano Evo Morales, outro seguidor de Chávez, decidiu nacionalizar a exploração de petróleo e gás em seu país, causando perdas à Petrobrás e constrangendo a autoridade do governo brasileiro na região. Outro episódio revelador aconteceu em 2008, quando Rafael Correa assinou um decreto expulsando a empreiteira brasileira Odebrecht do Equador.

Enquanto países importantes da região tendem para o bolivarianismo de Chávez, como a Argentina, outros ainda apostam em práticas com influências neoliberais, como a Colômbia. A alternativa de consolidar o modelo econômico e político brasileiro como o hegemônico na região seria altamente produtiva para o Brasil acelerar o processo de integração regional sob sua liderança, ainda que dependa de Brasília abandonar a passividade que historicamente marca a diplomacia nacional. No caso de Chávez deixar o poder, há a possibilidade de uma crise política se instalar na Venezuela e, posteriormente, contaminar seus vizinhos. No entanto, há também uma oportunidade para o Brasil estabelecer de forma mais enfática sua posição no continente.

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