Índia e Paquistão já nasceram rivais. Ambos foram criados em 1947, a partir da decisão do Império Britânico de dividir sua colônia indiana em dois Estados independentes. O objetivo de se formar dois países foi tentar conter a animosidade que existia há séculos entre hindus e muçulmanos na região. No entanto, o conflito entre os dois sobreviveu e tornou-se uma das questões mais sensíveis da política asiática e de todo o mundo. Desde então, indianos e paquistaneses foram à guerra quatro vezes (1947, 1965, 1971 e 1999) por conta do território da Caxemira, que apesar de ter maioria da população muçulmana, é controlado em parte pela Índia, em parte pelo Paquistão e, ainda, com uma porção sob controle da China. Além de influenciar interesses importantes para diversas nações engajadas na região, como os Estados Unidos e a China, o conflito entre Índia e Paquistão possui um componente que o faz particularmente ameaçador para a segurança mundial: ambos possuem a capacidade de produzir e de lançar armas atômicas.

Em imagem tirada da Estação Espacial no último mês de agosto, é possível ver, em laranja, a fortificada fronteira entre Índia e Paquistão.

Recentemente, no entanto, indianos e paquistaneses têm ensaiado uma aproximação através do comércio. O mais último passo nessa direção foi dado por Islamabad ao incluir a Índia em sua lista de “nações mais favorecidas” (MFN), na sigla em inglês). Na linguagem da Organização Mundial do Comércio (OMC), o título significa que o país que o concede deve estender ao outro os mesmo privilégios dados a seus principais parceiros comerciais. De fato, a Índia já havia dado o status de MFN ao Paquistão em 1996. Nos últimos quinze anos, entretanto, Islamabad se recusou a retribuir o gesto indiano até que se resolvesse a questão da Caxemira. Desse modo, a decisão de Islamabad neste momento, é um sinal de que os paquistaneses evoluíram sua posição, passando a acreditar que faz parte de seus interesses construir melhores relações com o governo de Nova Delhi. (O processo de paz entre os dois países está paralisado desde que terrorista islâmicos vindo do Paquistão realizaram uma série de ataques simultâneos na cidade indiana de Mumbai em novembro 2008.)

Índia, Paquistão e a disputada região da Caxemira.

É interessante notar que a atitude do Paquistão não pode ter sido tomada sem o consentimento do Exército do país, instituição que detém uma parcela significativa de poder. Os militares sempre se opuseram a estender a mão para os indianos no campo econômico, mesmo que as autoridades dessa área fossem a favor de retribuir o gesto feito pela Índia em 1996. Em parte, a mudança de atitude pode ser explicada pelo fato de que negócios pertencentes a militares, como fazendas e fábricas de cimento, devem ganhar com comércio com a Índia. De qualquer modo, o Exército paquistanês dá a entender que não vê mais o governo de Nova Delhi como uma entidade totalmente hostil, abrindo a possibilidade para algum tipo de parceria entre os dois países.

O crescimento do comércio tem muito a beneficiar os dois países. As vendas de um para o outro, que hoje estão na casa de US$ 2 bilhões anuais,  poderia crescer cinco vezes de acordo com a previsão de economistas. Atualmente, bens de um não podem cruzar o outro para chegar a um terceiro, o que encarece exportações tanto de indianos como de paquistaneses. Para o Paquistão, o acesso ao imenso e crescente mercado indiano pode ser uma forma de desenvolver a economia dos país. A Índia, atualmente, responde por apenas 3% das exportações paquistanesas. Islamabad também espera que a normalização das relações comerciais com a Índia colabore para que o Paquistão seja aceito como membro da OMC.

O primeiro-ministro paquistanês, Yousuf Raza Gilani (centro), e seu colega indiano, Manmohan Singh (direita), durante jogo entre as seleções dos dois países pela Copa do Mundo de Cricket realizada na cidade de Mohali, India, em março de 2011.

Para a Índia, estreitar os laços com o Paquistão significa aumentar sua fatia de influência sobre a região. O sul da Ásia é uma das partes do mundo cujos países menos vendem e compram entre si. Fazer crescer o comércio com seus vizinhos é fundamental para que a Índia possa usar o potencial que sua grande economia e sua imensa população oferecem no sentido de se tornar uma liderança regional e global. Além do mais, aproximar-se de Islamabad é uma maneira de os indianos conterem a incômoda presença da China no país vizinho. (Por serem dois gigantes asiáticos, China e Índia possuem sua própria e intensa rivalidade.)

O principal candidato a desestabilizar as nascentes relações entre indianos e paquistaneses é o Afeganistão. Os dois possuem interesses distintos no país – e eles devem entrar em rota de colisão com a saída das tropas americanas. A Índia vem buscando impor sua influência sobre o futuro do Afeganistão para que o país não volte a ser um abrigo para fundamentalistas islâmicos, cujo terrorismo tem a Índia como alvo. Já para o Paquistão, a influência indiana sobre o futuro afegão significa o perigo de ficar entrincheirado entre a Índia e um país dominado por ela.

Os Estados Unidos devem ver com bons olhos a aproximação entre Índia e Paquistão, duas nações com quem Washington possui relações especiais. Para os americanos, é essencial que o Estado paquistanês se fortaleça, uma vez que seu colapso, uma possibilidade não tão remota, poderia colocar armas de destruição em massa nas mãos de grupos terroristas islâmicos. Do outro lado, tornar robusta a economia da Índia, maior democracia do mundo, é um objetivo estratégico para os planos dos Estados Unidos de fazer frente aos chineses na Ásia.

Washington, como não poderia deixar de ser, está empenhada em negociar um futuro para o Afeganistão que garanta um mínimo de estabilidade política para o país após a retirada de suas tropas do país. É importante que o resultado dessas negociações contemplem também toda a situação regional, principalmente no que diz respeito à incipiente aproximação entre Islamabad e Nova Delhi.

Há diversas opiniões sobre a legalidade do bloqueio à Faixa de Gaza imposto por Israel. Segundo a “Declaração de Leis de Guerras Navais”, de 1909, partes em estado de guerra têm o direito de impor um bloqueio naval ao inimigo. Da mesma maneira, o Manual de San Remo (1994), que regula conflitos armados no mar, legitima o uso do bloqueio como arma de guerra. No entanto, algumas interpretações defendem que estas leis só se aplicam no caso de um “conflito armado internacional” – e que o fato de Gaza não ser um Estado desqualifica o caso diante dos tratados acima. É evidente que este é um debate jurídico banhado por motivações políticas, em que cada um dos lados busca uma visão das leis que justifique seus atos.

De todo modo, há argumentos razoáveis para justificar o bloqueio. O Hamas, cujo regime comanda o território, é uma entidade política que prega a destruição do Estado de Israel. O Hamas jamais poupou esforços para agir de forma violenta contra os cidadãos israelenses, seja com homens-bomba em ônibus e cafés ou com mísseis caseiros. Existe, desse modo, uma boa dose de validade para o argumento de legítima-defesa. Impedir que armas sejam contrabandeadas para a Gaza com o objetivo de atacar civis israelenses é obrigação de qualquer governo de Israel.

Este brinquedo de um parque em Sderot, Israel, foi contruído de forma reforçada para abrigar as crianças em casos de ataques de mísseis lançados pelo Hamas da vizinha Faixa de Gaza

Do ponto de vista político, o debate deve ser sobre a utilidade do bloqueio. Ele foi implementado em 2007, um ano depois de o Hamas vencer as eleições legislativas em todo o território palestino, incluindo a Cisjordânia. Na ocasião, homens armados do grupo islâmico tomaram o poder à força, excluindo fisicamente a presença dos rivais palestinos do secular partido Fatah.

Já se vão mais de quatro anos. No período, o lançamento de foguetes contra comunidades no sul de Israel cresceu muito. Algumas cidades, como Sderot, a poucos quilômetros da Faixa de Gaza, têm abrigos anti-bomba em parques para crianças e pontos de ônibus.  Centenas de milhares de israelenses vivem há anos à espera do alerta vermelho, o aviso de que um míssil está a quinze segundos de atingir o alvo.

A situação na Faixa de Gaza também não é boa. (Ainda assim, é bem melhor do que os relatórios de grupos supostamente humanistas que a chamam de campo de extermínio a céu aberto.) Organizações humanitárias levam comida, roupas e remédios para a população. Não falta o básico em Gaza. Mas a economia do território foi destruída pelos anos de bloqueio, principalmente após a guerra que Israel travou contra o Hamas no inverno de 2009 e que deixou mais de mil palestinos mortos. Os destroços deixados pelos bombardeios israelenses não puderam ser reconstruídos porque materiais de construção estão proibidos pelo bloqueio de Israel. O desemprego em Gaza é imenso, o que é especialmente perigoso em um pequeno lugar aonde vivem um milhão de pessoas, boa parte com menos de dezoito anos. (Gaza tem a população mais jovem do planeta.)

Israel diz que usa o bloqueio a Gaza como forma de se defender e de exercer pressão sobre o Hamas. A pergunta que se faz é qual o objetivo desta pressão. Os israelenses não têm interesse no fim do regime islâmico em Gaza. O poder jamais seria devolvido para a Fatah, partido que controla a Autoridade Palestina (AP), entidade reconhecida pelo comunidade internacional e com quem Israel oficialmente aceita negociar. A estrutura e a presença da AP foram completamente apagadas de Gaza no golpe do 2007. Quem ameaça o regime do Hamas, atualmente, são grupos islâmicos radicais, para quem o Hamas é  excessivamente conciliador com Israel.

O bloqueio a Gaza impede que o território seja reconstruído após a Guerra entre Hamas e Israel em 2009. Segundo agências da ONU, o desemprego no território é o mais alto do mundo e passa de 45% da população economicamente ativa.

A única lógica é que o boqueio seja uma forma de pressionar o Hamas a abandonar, ou ao menos suavizar, sua belicosidade. É um moeda de troca. Israel só permitiria que a economia de Gaza voltasse a funcionar, o que beneficiaria o regime, se o Hamas parasse de atirar sobre a cabeça dos israelenses.

Mas, para isso acontecer, é preciso que Israel e Hamas negociem. O acordo que recentemente libertou o soldado Gilad Shalit, depois de mais de cinco anos de cativeiro em Gaza, em troca de mais de mil prisioneiros palestinos, é apenas mais um entre os indícios de que pode haver diálogo entre as partes. Há espaço para negociações baseadas em interesses comuns. O Hamas quer, acima de tudo, manter o poder em Gaza. E, com a economia em frangalhos, a combinação de insatisfação popular com uma onda de protestos e revoltas pelo mundo árabe pode ser fatal. Para Israel, o objetivo final é manter a segurança dos cidadãos que vivem no sul do país. Para atingir esse objetivo, é preciso apaziguar o Hamas e também impedir que grupos ainda mais radicais ganhem força em Gaza.

É verdade que não há confiança entre as partes, inimigos mortais. Mas pode-se chegar a um entendimento se houver confiança no processo de negociação. Líderes árabes costumam a voltar de Israel com bons acordos. Anwar Sadat fez a paz com o Estado judeu, garantiu mais de trinta anos de paz para o Egito, recuperou os territórios ocupados na Guerra de 1967 e ainda firmou uma parceria duradoura com os Estados Unidos, ficando atrás apenas de Israel quando se trata de ajuda externa americana. O Rei Hussein, da Jordânia, recebeu tecnologia israelense para irrigação, fundamental em seu país quase todo desértico. Yasser Arafat, pai da causa palestina que usou e abusou do terrorismo, passou a levar vida de estadista respeitado no mundo todo ao longo década de noventa, anos em que ainda se acreditava no Processo de Paz de Oslo.

O Hamas vem dando alguns sinais de que quer passar para o campo dos moderados. A coalizão que sempre o uniu aos inimigos de Israel e de Ocidente – Irã, Síria e Hezbollah – pode sofrer sérios danos se e o regime do sírio Bashar al-Assad cair diante da crescente violência no país. A liderança do grupo palestino, que atualmente vive em Damasco, visitou recentemente Amman e Cairo em busca de um novo lar – e de um aliado que possa lhe garantir a sobrevivência em tempos difíceis como os de hoje. Tanto Egito quanto Jordânia mantêm relações com os israelenses e são amigos do Ocidente. Pesam também declarações de líderes do Hamas de que estariam dispostos a assinar um “cessar-fogo de longo prazo” com Israel.

Para que fosse garantida a segurança exigida por Israel no caso do fim do bloqueio, seria necessário que as mercadorias a desembarcar em Gaza fossem inspecionadas para que se certifique de que não se trata de armas. O Egito seria um candidato natural a realizar essa função, mas a fronteira entre Gaza e a Península do Sinai já é suficientemente porosa para que os egípcios tenham a confiança dos israelenses para desempenhar esse papel. Forças ocidentais seriam vistas pelos palestinos como imperialistas a serviços do sionismo. O que chegaria mais perto do aceitável seria uma combinação de alguns países europeus com algum país árabe, possivelmente o Qatar, que já abrigou até um escritório de representação comercial israelense e anda interessado em operações para projetar influência sobre o mundo árabe. (Doha opera sob o olhar atencioso da vizinha Arábia Saudita, cujo objetivo é combater a presença do Irã na região e para isso conta com seus parceiros do Golfo Pérsico.)

O desafio maior seria fazer o Hamas se reinventar, deixando pra trás a violência que marcou sua visão de resistência, para acatar os requisitos que o fariam um agente civilizado e legítimo para participar do diálogo político. Do outro lado, seria preciso convencer Israel a abandonar uma de suas doutrinas básicas, a que prega que a segurança do país deve ser sempre feita pelos próprios israelenses, jamais por terceiros. Desenhar um processo de negociação que permita às partes uma transformação profunda de suas posições é uma missão complexa. Exige tempo, paciência e trabalho. Mas, para que aconteça, é preciso, a cima de tudo, que Israel e Hamas negociem. Eles não precisam nem concordar nem se gostar, mas é interesse de ambos que comecem a conversar.

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