É sabido que a Austrália é um continente distante e isolado, mas isso só fica evidente quando se tenta chegar lá. Eu sai de São Paulo para Buenos Aires e segui pela Rota Polar (cruzando o Polo Sul) direto para Sydney. Depois de 15h15 minutos de voo, cheguei naTerra Australis Incognita, o nome dado na antiguidade para a terra desconhecida no hemisfério sul.

Desde a antiguidade, filósofos e geógrafos contemplavam a existência dessa região. Gregos e Romanos pensavam, em teoria, que o território existia. Em 150 A.D., Ptolomeu denominou uma grande região no mapa de Terra Australis. No século V, o filosofo romano Macróbio pensava que a terra era dividida em 3 zonas climáticas, com um grande continente cobrindo a maior parte do hemisfério sul. A fascinação pelo terra desconhecida continuou ao longo da história. Na Idade Media, chineses, indianos, gregos e árabes escreveram sobre uma região localizada em algum lugar ao sul de Java. Na pratica a Terra Australis só foi localizada muito tempo depois pelos exploradores europeus. Na verdade, o continente foi o ultimo pedaço de terra habitável do mundo a ser descoberto pelos europeus.

Visitar a Austrália é se reconectar com a geografia. Austrália é uma ilha, continente, e nação em um só pacote. Não existe nada no mundo semelhante à condição australiana. De alguma forma seu isolamento pode ser comparado com a posição dos EUA, um país protegido de ameaças externas pelo oceano. Claro que os EUA possuem dois vizinhos, mesmo que pacatos e inofensivos. Austrália é o menor, mais seco e mais plano continente do mundo. Um dos sete maiores países do mundo. Metade do país é árido e 1/5 deserto; esse clima faz da maior parte do solo pobre para o cultivo agrícola.

A sociedade e economia australiana são reflexos dessa realidade geográfica e climática. Outro legado que define sua história é a sua colonização. Tudo começou com 11 navios levando presidiários exilados da Inglaterra. Os navios deixaram Portsmouth, no dia 13 de Maio de 1787, e chegaram em Sydney quase um ano depois, 26 de Janeiro de 1788 (celebrado como o Dia da Australia). Aqui caberia um debate interessante (quem sabe em outro post) sobre as causas da diferença do desenvolvimento social e econômico do Brasil e Austrália. Quantas vezes já não ouvimos o argumento que a causa dos problemas do Brasil foi a colonização de exploração portuguesa. Como explicar o sucesso australiano diante de uma colonização composta por presidiários? A história da Austrália nos faz refletir sobre nossas falhas e obviamente aponta para fatores alem do tipo de colonização como explicação dos nossos desafios.

Chega de história e geografia e vamos falar um pouco da geopolítica australiana. O país vive um dilema estratégico: escolher entre quem te protege e quem te faz rico. Os EUA é o aliado indispensável, a ponto da Austrália ser o único país do mundo a participar todos os conflitos que os americanos se envolveram desde a Batalha de Hamel, na Primeira Guerra Mundial. A China se tornou o maior parceiro comercial passando o Japão em 2009. Obviamente a Austrália gostaria de manter boas relações com os dois gigantes. O problema é que tanto EUA quanto China enxergam sua relação política e estratégica com a ilha-continente através da sua rivalidade. Mesmo que a Austrália consiga agradar os dois, cada um deles vai fazer de tudo para impedir que seu rival fortaleça sua aliança.

Por exemplo, qualquer choque militar entre Japão e China, pelas ilhas do Mar do Sul da China (ver post anterior), levaria a um envolvimento americano e consequentemente forte pressão para a Austrália se posicionar e participar. Nessa caso sua aliança com a China seria comprometida abalando as relações comerciais.

Outro aspecto geopolítico é a dimensão marítima estratégica do continente. O hino australiano proclama: “our home is girt by sea” (nossa casa é cercada pelo mar); a frase ressalta a importância marítima da sua realidade. Cada estado australiano tem sua capital localizada em um porto ou próximo a um. No âmbito continental, a Austrália liga os Oceanos Pacífico e Índico. O Pacífico abriga a maior rota comercial do mundo e o Índico será o novo palco geopolítico do século 21, sendo o ponto de encontro entre China e Índia. Portanto, a localização da Austrália permite, dentre outras coisas, a criação de um corredor horizontal leste-oeste de extrema importância marítima. Forças estacionadas nos extremos de cada oceano — 7ª Frota Naval Americana localizada no Japão (Pacífico) e a 5ª Frota no Bahrain (Índico) — estão em desvantagem quando comparado com a possibilidade de estarem localizados próximo a geográfica central que a Austrália oferece.

Alguns podem estar pensando: “como a austrália influência decisões financeiras ou economicas no Brasil”. O par do dólar australiano e dólar americano são a quarta moeda mais comercializada do mundo, representando 7% de todo o mercado global de câmbio. A moeda australiana sempre esteve atrelada ao preço das suas commodities exportadas, contudo em 2003, graças a globalização financeira o link foi desfeito. A estabilidade e cotação do dólar australiano não podem ser dissociadas dos acontecimentos políticos e geopolíticos que ditam os rumos de sua economia e da região. Ou seja, qualquer avaliação precisa sobre seus fundamentos não pode excluir uma análise do risco político da Terra Australis e seu papel geopolítico.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/01/01/terra-australis-incognita-geopolitica-da-australia/

A presença, no último fim de semana, do Presidente Barack Obama em Bali, na Indonésia, para participar da reunião de Cúpula do Leste Asiático (EAS, na sigla em inglês) na sequência do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) no Havaí, deixou para muitos a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a redirecionar sua política externa para o Oceano Pacífico. De fato, há diversos fatores geopolíticos para que Washington busque um maior engajamento na região.

O Presidente Obama e outros líderes durante reunião da APEC no Havaí no dia 13 de novembro de 2011.

Não seria correto, entretanto, dizer que os americanos estão preparando um retorno ao Leste da Ásia porque os Estados Unidos jamais o deixaram. Desde a vitória na Segunda Guerra Mundial, a Marinha americana é soberana sobre as águas do Pacífico. No entanto, há uma percepção de que o continente asiático passa por profundas transformações, principalmente motivadas pela ascensão da China. O objetivo dos americanos é agir para que os interesses dos Estados Unidos sejam mantidos (ou, ao menos, maximizados) neste novo status quo.

A importância da Ásia para Washington é enorme. Cerca de metade da atividade econômica do mundo todo está lá. Em um momento de crise nos dois lados do Atlântico, é essencial que os Estados Unidos impulsionem sua economia por meio do comércio com seus parceiros asiáticos. Ciente desta necessidade, o Congresso americano aprovou no mês passado um acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul. Ao mesmo tempo, a diplomacia do país vem concentrando forças nas negociações da Parceria Trans-Pacífica, que recentemente passaram a contar com o Japão. (Ainda é incerto se Tóquio irá aderir à zona de livre-comércio no Pacífico, mas só o fato de o país ter aceitado negociar já é uma vitória para os americanos.)

O principal desafio, atualmente, à hegemonia americana na região vem de Pequim. Há três principais fatores para que os chineses busquem uma postura mais atuante na política asiática. Em primeiro lugar, a economia da China é fortemente dependente de comércio externo. Para manter seu crescimento econômico, a China precisa ser capaz de importar insumos e commodities e, na falta de um mercado interno robusto, precisa exportar aquilo que produz. O temor de Pequim é que, sem uma presença relevante do país nos mares do Pacífico, forças hostis (entenda-se os Estados Unidos) tenham o poder de bloquear pontos de navegação marítima que comprometam o comércio e a economia chinesa. Outro ponto diz respeito à capacidade militar do país. Há vinte anos sem o perigo de um confronto com a União Soviética e com regiões separatistas, como o Tibete, sob relativo controle, as fronteiras chinesas se encontram hoje mais seguras do que em toda a história recente do país. (Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, a China enfrentou constantes invasões externas, de forças como do Reino Unido e do Japão.) O resultado é que Pequim pôde concentrar maiores recursos para a construção de uma Marinha que possa, no futuro, atender aos interesses estratégicos e econômicos do país. (A distância entre as capacidades militares da China e dos Estados Unidos ainda é gigante, apesar dos importantes avanços feitos pelos chineses nas últimas décadas.) Por fim, o complexo e custoso envolvimento de Washington no Oriente Médio depois dos atentados de Onze de Setembro deram à China espaço para agir no Pacífico com certa liberdade nos últimos dez anos.

O Presidente Obama e a Primeira-Ministra Julia Gillard (segundo plano) anunciam acordo militar na base de Darwin, Austrália, no dia 16 de novembro de 2011.

É evidente, no entanto, que os Estados Unidos estão poucos dispostos a ceder espaço para navios chineses. Isto ficou bastante claro na escala que Obama fez na Austrália na semana passada, justamente entre as reuniões na Indonésia e no Havaí. Em Canberra, o Presidente anunciou um extenso pacote de cooperação militar entre os dois países. Bases navais e aéreas no Norte e no Oeste da Austrália terão maior presença de forças e equipamentos americanos. Além de reforçar a coordenação entre aliados historicamente próximos, o acordo tem como meta explorar a estratégica localização australiana. A partir da base de Darwin, por exemplo, os Estados Unidos têm rápido acesso ao Estreito de Malacca, a passagem que liga os Oceanos Índico e Pacífico, enquanto se mantêm distantes dos mísseis balísticos chineses.

 

A Austrália e o Estreito de Malaca, um ponto estratégico para o comércio marítimo por ligar os Oceanos Índico e Pacífico.

A estratégia de Washington consiste em criar um balanço de poder na região através de sua presença militar e de seu engajamento político. O objetivo é diminuir o espaço de manobra de Pequim e incentivar os chineses a negociarem os termos de uma nova realidade para o Pacífico de modo a manter o poder americano. Porém, segundo a visão da China, suas atividades para perseguir interesses nacionais em sua própria vizinhança são um direito naturalmente conferido por ser o país uma potência regional. A situação que se desenha neste cenário é a de crescentes contrastes entre os interesses dos Estados Unidos e da China no Leste de Ásia.

No último mês de agosto, a China começou a navegar seu primeiro porta-aviões.

O realinhamento da estratégia internacional dos americanos na direção do Oceano Pacífico é um processo que começou ao fim da Guerra Fria, quando o confronto com a União Soviética deixou de existir. Àquela época, a diplomacia de Washington compreendeu que seus desafios passavam por manter a dominação do país sobre os mares ao redor do mundo para que os Estados Unidos se consolidassem como a maior potência militar do planeta e para garantir a continuidade de seu comércio marítimo. Este processo foi prejudicado na primeira década do século XXI, quando os Estados Unidos concentraram-se nas ocupações do Iraque e do Afeganistão. Mas, foi retomado recentemente com a decisão de retirar as tropas destes países em breve. A reação da China, cujo poderio é o principal alvo da estratégia de Washington, irá criar um delicado confronto político entre as duas maiores forças da região. (Ainda é cedo para dizer que haverá um embate militar entre os dois, apesar de a opção não poder ser descartada para o futuro.) De todo modo, não deixa de ser curioso notar que, na era da alta tecnologia, o Oceano Pacífico esteja sendo palco de uma clássica batalha naval com duas potências disputando hegemonia sobre um mar e sobre seus pontos estratégicos.

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