A resultado do referendo Escocês não enterrou uma das questões mais básicas sobre a organização política doméstica e internacional: o estado-nação. Apesar da maioria dos escoceses não ter escolhido se separar do Reino Unido, e portanto não buscar sua autonomia nacional, as vontades de auto determinação seguem mais vivas do que nunca no continente europeu. Vamos entender porque esse assunto é importante.

Nacionalismo

O Iluminismo Francês e sua Revolução colocaram a nação no epicentro moral do mundo. Antes do conceito de nação ganhar esse destaque, o mundo era comandado por dinastias, impérios e outras formas autoritárias de organização social e política. Um povo compartilhando o mesmo idioma, cultura e história teria o direito de determinar seu próprio futuro. É nessa condição que germinam as democracias republicanas, a forma de governo moralmente correta. Em outras palavras, a ideia do estado-nação fundamenta a moral da política doméstica e internacional.

Temos dois problemas relacionados ao estado-nação. O primeiro é que a estrutura política na qual um determinado povo compartilha do mesmo idioma, cultura ou história não garante seu caráter democrático. O segundo é mais pertinente para a discussão desse post; aonde devemos demarcar o nível de identidade desse grupo? Todos nós temos múltiplas identidades — pertencemos a uma família, bairro, cidade, país, região, continente, religião, etc — que se interrelacionam em diversos níveis. A pergunta é: em qual desses níveis se dará a sustentação para a criação da estrutura política que vai gerir nosso futuro? Vejamos, eu pertenço a uma família mas também vivo em um esfera coletiva maior, seja do meu bairro ou da minha cidade. Qual das duas identidades ou similaridades devo basear meu anseio por construir uma ordem política? Devo fundar um estado apenas com aqueles que compartilham do meu sobrenome ou com todos os meus vizinhos? Qual das duas identidades produzirá um estado mais forte, duradouro, legítimo ou factível?

É obvio que a minha família deve ter mais fatores em comum com meu passado do que os meus vizinhos. Perguntar se eu tenho mais em comum com alguém morando na China, comparado com a minha família, é fácil responder. Obviamente, eu e uma chinesa somos seres humanos, e isso já é uma identidade em comum, mas não o suficiente para criarmos uma estrutura política única. Afinal temos infinitas outras distinções de identidade que fazem o aspecto “humano” ser fraco demais para uma aproximação que permita compartilhar o comando do nosso destino. Alguns vão me perguntar, Heni você não pode se aproximar de uma chinesa para construírem um futuro juntos? Posso, mas percebam a disparidade e dificuldade de manter tal relação. Alias, todo casamento é no fundo um choque de identidades tentando compartilhar a gestão de um futuro comum. Imaginem os desafios de fazer isso em uma escala coletiva. Quanto menos elementos em comum tivermos, mais difícil será de manter a união.

A pergunta essencial continua sendo com quem eu devo me unir para determinar meu futuro e consequentemente qual aspecto da minha identidade deve fundamentar essa união. O referendo da Escócia tratou exatamente dessa questão.

Qual é relevância do movimento separatista Escocês para a Europa e o mundo? 

A vontade da Escócia de separar do Reino Unido aponta exatamente para esse problema de escala das identidades. Se depois de mais de 300 anos juntos, a identidade comum de ingleses e escoceses correu o risco de seguir caminhos separados, o que dizer de outras uniões muito mais frágeis e muito mais jovens.

O referendo aponta para um fenômeno perigoso para a ordem mundial: a ascensão de micro identidades ou a deterioração das identidades coletivas maiores. Olhando para o projeto Europeu, temos uma proposta política que visa construir uma ordem supranacional (superior aos estados). Nesse modelo, o nível de identidade privilegiado seria o europeu (ou seja, continental). Deveríamos priorizar as identidades de grande alcance ao invés das identidades menores.

Curiosamente a era da globalização, informação, cosmopolitização, transnacionalidade, internacionalismos e outros está sendo ofuscada por um movimento inverso. O micro nacionalismo exalta as identidades de escopo menor em detrimento de estruturas coletivas maiores.

A própria Escócia sentiu na pele a pressão dessas micro forças sub-estatais clamando por autonomia. As Ilhas de Shetland e Orkney, localizadas ao norte do país, com apenas 44.000 pessoas, disseram que declarariam independência caso a Escócia abandonasse o Reino Unido. Ou seja, uma vez aberta a possibilidade de questionar o nível de identidade que forma o estado, o movimento pode desfazer qualquer identidade coletiva maior.

Essa espiral desintegradora destruiria o estado como conhecemos. O que garantiria o limite da expansão das micro identidades? Cada indivíduo é único, e o ápice desse movimento de auto determinação é uma realidade anárquica.

Por que não podemos deixar todos os grupos fundarem seu próprio estado?

Por duas razões obvias e poderosas. Primeiro, a maioria das guerras na história da humanidade tem sido por controle de território, vontade de autonomia ou independência, controle e poder sobre outros povos. Toda discussão relacionada a criação de um estado passa por algum desses pontos. Portanto, quanto mais estados forem criados maiores as chances de conflitos e guerras. Quem ficaria com os recursos próximos as Ilhas Shetland? Os escoceses abdicariam disso facilmente? E os ingleses agora teriam que discutir com Shetland e Escócia? Imaginem a quantidade de problemas para serem discutidos. Isso é um divórcio!

O segundo motivo está ligado a criação de um estado. Um dos graves problemas do mundo é a incapacidade dos estados funcionarem. Grande parte da discussão sobre estados gira em torno do seu tamanho, mas pouco se fala da sua capacidade de funcionamento. Claro que tamanho impacta a efetividade do estado. Vários propõem fazer muito, mas fazem mal feito. O estado é uma entidade em desenvolvimento e crescimento. Demora tempo para ir se aperfeiçoando e muitas vezes dá mais passos para trás do que para frente. Criarmos mais estados não vai ajudar a resolver os problemas do mundo, muito ao contrario.

Conclusão

O referendo escocês vai incentivar muitos outros movimentos similares no continente. Alguns desses movimentos são mais violentos e outros menos organizados. O fato é que a onda desintegradora do estado-nação deve seguir seu rumo. Vejamos alguns dos principais movimentos separatistas da Europa:

1. Veneto, Norte da Itália; Sardenha e Tirol do Sul, Itália

2. Catalunha e País Basco, Espanha

3. Ilhas Feroe, Dinamarca

4. Córsega, França

5. Flanders, Bélgica

6. Bavaria, Alemanha

7. Frísia, Holanda e Alemanha

8. Ilhas Aland, Finlândia

9. Silésia, Polônia

10. Wales e Norte da Irlanda, Reino Unido

 

Original Blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/09/24/estado-nacao-o-impacto-do-referendo-da-escocia/

O mundo está vivendo uma crise com o novo surto de ebola no oeste da África. Desde que o vírus foi descoberto, no Zaire em 1976, essa é a maior epidemia. O número de pessoas contaminadas chega a 4.000 e passam de 2.000 os mortos. Temos 4 países afetados: Guiné, Libéria, Nigeria e Serra Leoa (Senegal relatou a ocorrência de um caso). A Organização Mundial da Saúde estima que possa chegar a 20.000 o número de infectados.

Doenças são um desafio para o desenvolvimento de todos os países e um grave problema social. Apesar do ebola estar assustando o mundo, existem muitas outras doenças endêmicas que tem impactos de longo prazo mais severos. Tuberculose é um desses exemplos. Para efeito de comparação, em 2012, 8.6 milhões de pessoas foram infectadas e 1.3 milhões morreram de tuberculose. A bactéria matou mais de 3.500 pessoas por dia em 2012. O impacto econômico da doença está estimado em 12 bilhões de dólares por ano.

RISCOS POLÍTICOS 

Algumas das medidas de combate ao ebola, como imposição de quarentenas para certos bairros, tem gerado confrontos com a polícia. Na Libéria, os confrontos entre a população — tentando escapar da área de quarentena — e a polícia tem causando ainda mais tensão. Aqueles que furaram o cerco podem contaminar mais pessoas em outras áreas. A polícia tem usado munição de verdade e já feriu manifestantes. A desconfiança da população com o governo é profunda, e está relacionada ao passado político dos 14 anos de guerra civil no país.

O desafio vai ficar ainda maior conforme a epidemia avança sobre zonas urbanas, principalmente as favelas. Até agora o vírus estava confinado nas áreas rurais, mas a doença começa a ganhar espaço em grandes cidades como a capital de Guiné, Conakry. Combater o Ebola em lugares pobres e violentos como essas favelas será um duplo desafio com potencial de agravar as fragilidades políticas desses países.

Algumas empresas como Goodyear, Rio Tinto, Titanium Resources Group com operações respectivamente na Libéria, Guiné e Serra Leoa vão sofrer as conseqüências. As cias aéreas também já estão computando suas perdas. Air France, British Airways, Kenya Airways e Emirates pararam de voar para os países afetados.

HARD POWER HUMANITÁRIO  

Durante o Tsunami de 2004, as forças militares dos EUA e de Singapura, por exemplo, lançaram uma das maiores missões de resgate da história. Somente os EUA colocaram 12.600 militares, incluindo quase a totalidade da sua Frota do Pacífico, com 48 helicópteros e todos os navios hospitais da região.

A crise com a epidemia do ebola demanda uma operação logística de natureza militar. De acordo com um cálculo, para cada paciente sendo cuidado na Libéria seriam necessários 200 a 250 profissionais de saúde e uma logística condizente. Além disso, as forças de segurança desses países estão sobrecarregadas enfrentando uma população insatisfeita e revoltada. A presença de uma força militar internacional poderia ajudar a lidar com grande parte dos desafios logísticos e de segurança. Claro que tal ajuda não seria isenta de riscos colaterais como reforçar os boatos e teorias da conspiração que envolvem a epidemia. A teoria da conspiração clássica de toda epidemia moderna é que a CIA criou a doença e está contaminando o mundo.

TERRORISMO

A gravidade de epidemias como o ebola nos alerta para um perigo ainda maior. Se as doenças já são um grande desafio por si só, imaginem transformá-las em armas. Um laptop recém capturado na província de Idlib, próxima a fronteira com a Turquia, na Síria, relevou um documento assustador. O dono do computador — um Tunisiano chamado Muhammed S. afiliado ao Estado Islâmico (E.I.) — estaria estudando e aprendendo como construir armas biológicas. O documento de 19 páginas que descreve como construir uma arma através de uma praga extraída de animais infectados é apenas mais um dos pesadelos de um ataque terrorista com armas de destruição de massa.

No fim dos anos 80, o culto Japonês Aum Shinrikyo tentou sem sucesso produzir uma serie de armas biológicas. Somente quando optou pelas armas químicas (agente sarin) alcançou seu objetivo.

Se o objetivo do terrorismo é causar pânico, nada melhor do que usar armas que são percebidas como altamente perigosas. O leigo percebe o risco de forma diferente do analista de risco. Estudos de percepção de risco mostram que indivíduos comuns enxergam e classificam riscos de acordo com sua percepção e sem base estatística. Em outras palavras, o leigo enxerga um risco maior em determinadas situações. Essa percepção potencializa o impacto do uso de armas não convencionais porque agentes químicos, biológicos e radiológicos estão entre os materiais vistos como mais perigosos pela população.

CONSEQÜÊNCIAS

Felizmente, os terroristas ainda são amadores o suficiente para acreditar que armas biológicas são fáceis de serem adquiridas, implantadas efetivamente e produzirem mortes em massa. O exemplo do culto Japonês retrata bem as dificuldades envolvidas com esse tipo de arma. Um dos grandes obstáculos no uso de armas biológicas é a dificuldade de distribuição ou definir o veículo de contaminação. O documento do E.I. fala sobre granadas de mão contendo o vírus. A estratégia seria jogar tais granadas em estádios de futebol, metros e centros de entretenimento próximas ao dutos de ar condicionado ou em operações suicidas. O problema (ou solução no caso do mundo civilizado) é que a bactéria usada nessa tal arma é muito frágil e morreria com a explosão da granada.

 

Artigo Blog Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/09/10/ebola-e-terrorismo/

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