Nas últimas semanas tenho falado de tantos assuntos que por vezes me perco no caos dos acontecimentos e notícias. O caos parece tomar conta do Iraque, Síria, Líbia, Egito, Gaza, Ucrânia, Mar do Sul da China, Venezuela, Coreia do Norte e Nigéria e continuam em crises temáticas como a ambiental (preservação e sustentação), epidemológica (Ebola), energética (segurança e capacidade), demográfica (previdência e aposentadoria), proliferação nuclear, democrática (legitimidade e representatividade), etc. Será que o mundo está piorando? O post está um pouco mais longo que o comum, mas vale a pena ler para entender o que está acontecendo no mundo.
Uma visão nostálgica nos dá a impressão que a vida era melhor antes; mais simples e com problemas menores. Existem muitas explicações para vermos a vida assim. Sabemos que as memórias ruins não tem a mesma durabilidade que as boas, afinal seria insuportável vivermos com as lembranças duras. Você olha para um relacionamento passado e lembra dos bons momentos esquecendo porque não deu certo, e prontamente conclui que se fosse hoje tudo seria diferente. Somos nostálgicos por essência!
Voltemos ao mundo… O volume de acontecimentos indica que tudo está acontecendo ao mesmo tempo e aparece demonstrar que tudo está pior. Sim, tudo está acontecendo ao mesmo tempo, mas sempre esteve! A diferença é que antes ninguém sabia o que acontecia em uma vila no Afeganistão ou em uma montanha no norte do Iraque. Será que a quantidade de informação e a exposição imediata da simultaneidade dos eventos nos faz deduzir que o mundo está piorando? A existência de mais guerras significa que o mundo está pior? Primeiro, precisamos ter certeza que temos mais guerras ou conflitos. Depois temos que medir a intensidade dos conflitos de hoje com o passado.
Mundo Binário e Absoluto?
O mundo não é binário ou absoluto. Não se mede a realidade apenas citando o preto em detrimento do branco. Existe muita coisa entre 0 e 1. Não existe estado permanente de guerra ou de paz perpétua. Paz e guerra são facetas da mesma moeda. É impossível compreender um sem conceber o outro. O que muda são os níveis de tolerância e aceitação de cada um dos lados. Talvez um dia a guerra seja abolida. Será? Mesmo se for possível, sempre haverá algum nível de conflito por mais pacífico que o mundo seja. O mundo utópico ou idealizado nega a realidade porque elimina uma parte da dualidade em que vivemos. O idealista busca eliminar aquele lado da realidade que ele não gosta ou concorda por crença ou julgamento.
O mundo não ser binário significa que nada pode ser medido em valores absolutos. Não existe frio, existem temperaturas mais baixas em comparação com um referencial ou contexto. Tudo é medido em níveis, do mais alto para o mais baixo. Isso releva um outro insight sobre mensurarão da realidade: como nada é absoluto, tudo carrega um pouco do seu inverso. Por exemplo, a industria bélica produz armas que matam, mas também desenvolve tecnologias que salvam milhares, como o GPS. Tudo isso pode parecer óbvio, mas em uma análise de comparação do mundo atual com o passado e um prognóstico do futuro é essencial entendermos essas nuanças.
Em resumo, nada é preto no branco. Nada é absoluto. Tudo é mensurado em níveis e tudo tem um lado positivo por maior que sejam os efeitos negativos. Vejam que isso não é relativizar a realidade, mas apenas aceitar a existência de parâmetros contextuais.
Presente: o fim do caos?
Steven Pinker escreveu um livro — The Better Angels of Our Nature: Why Violence has Declined — defendendo que a humanidade tem experimentado 6 grandes declínios de violência e com isso estaríamos nos tornando menos violentos. No seu ver o mundo está melhorando apesar das imagens constantes de violência. O contra ponto é o fato do século 20 ter sido o mais sangrento da história da humanidade e estarmos apenas na primeira década do século 21. Portanto, em termos históricos, temos muito chão pela frente para confirmar a tendência pacífica e bastaria uma 3º Guerra Mundial para as estáticas de Pinker serem desvalidadas. O mais importante no argumento de Pinker é o que ele chama de forças pacificadoras. Sua teoria afirma que não é a natureza humana que mudou mas as circunstancias históricas que tem favorecido o nosso lado “angelical”. Uma das principais forças pacificadoras foi a criação do estado, com seu monopólio do uso legítimo da força.
Outros indicadores também mostram uma evolução enorme nos dois últimos séculos apontando uma melhoria na vida humana, seja através da expectativa de vida ou na qualidade de vida medida pelo aumento da renda mundial. Nesse video, Hans Rosling faz um belo resumo da evolução global nos últimos 200 anos.
Risco Político & Poder
Como essa reflexão sobre a realidade do mundo afeta a política, a distribuição de poder, a vida das pessoas, negócios, investimentos, mercados, sociedades e culturas? Como acabei de pontuar, tudo tem dois lados e consequentemente um impacto negativo e um positivo. Os avanços da democratização, tecnologia, acesso à informação, direitos individuais e outros produziram um mundo mais justo e mais equilibrado.
Por outro lado, esses avanços impactaram as estruturas de poder do mundo. Até o momento, a criação do estado-nação e a centralização da autoridade e do poder foram capazes de trazer ordem em um estado de natureza, descrito por Thomas Hobbes, como brutal e destrutivo. Moisés Naím explica em seu último livro, O Fim do Poder, que 3 grandes revoluções estão transformando o mundo e alterando as estruturas de poder convencionais. A revolução do “mais, mobilidade e mentalidade” dificultam o exercício do poder e autoridade. O impacto é um mundo mais anárquico. Essa realidade é visível na distribuição de poder no mundo corporativo, nos países, forças militares, e na política. Naím fala da ascensão de micropoderes que estão desafiando a antiga ordem. Uma das conseqüências da ascensão dos micropoderes é um mundo mais instável.
Naím não é o único a falar sobre instabilidade. Muitos outros pensadores tem escrito sobre o mesmo fenômeno. Ian Bremmer também escreveu recentemente sobre um mundo anárquico, no que ele chama de G-Zero. Não existe G7, G8, ou G20! O mundo não tem liderança e o ambiente é de cada um por si, salve-se quem puder. Outro guru das relações internacionais, Richard Haass, também escreveu sobre o que ele chama de “Age of Nonpolarity” (Era da Não polaridade). Sua visão expõe como o poder está difuso dando acesso e meios para desestabilizar as estruturas de um mundo hegemônico ou multipolar.
Como interpretar essas duas visões de mundo: “os otimistas e os pessimistas”? Ambos estão corretos, os fenômenos que os dois lados descrevem são reais. Lembrem-se, tudo tem dois lados. Minha tarefa é cruzar o maior número de dados para oferecer uma descrição precisa da realidade. Se o otimista Pinker estabelece que a base da diminuição dos conflitos está na criação do estado, qual seria o impacto das teorias dos pessimistas que mostram que o estado está perdendo poder e o mundo está se tornando mais anárquico? Ao mesmo tempo, Rosling consegue organizar uma imensidão de dados para mostrar a tendência positiva de melhora na qualidade de vida do mundo, mas ressalta que durante as grandes guerras esses ganhos foram perdidos.
Conclusão
O mundo não piorou (pelo menos ainda não). Mas pode piorar muito porque está em curso um processo de desestruturação e anarquização. Alguns acham que novas estruturas organizacionais vão surgir para substituir as velhas. Os momentos da história aonde nasceram novas estruturas foram sempre muito conturbados e sangrentos. Vejam as revoluções políticas do século 18 (Americana e Francesa) ou o fim da colonização alcançado apôs a 2º Guerra Mundial. Hoje temos uma crescente erosão e deslegitimação da autoridade em todos os níveis. Um mundo sem autoridade é um mundo mais instável, paralisado, perigoso e competitivo. O mundo não está pior, mas talvez esteja caminhando para uma piora em alguns aspectos. O perigo é a piora exatamente nos aspectos mais estruturais e portanto centrais.
Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/08/18/o-mundo-esta-em-colapso/