Os últimos escândalos na Petrobras, e seu endividamento, nos fazem perguntar: por que isso aconteceu? O risco político pode nos oferecer boa parte da explicação. Já sabemos que os eventos políticos afetam os mercados e negócios; nesse caso, a existência de empresas estatais e outros mecanismos de intervenção governamental são manifestações ainda mais diretas do impacto da política nos negócios.

Nao existe divisão precisa no que separa o capitalismo de mercado e capitalismo de estado. Todos os governos tem algum envolvimento na regulamentação da atividade econômica e em todos os países existem trocas de mercado além dos tentáculos do estado. Ou seja, não existe país puramente capitalista ou puramente estadista. Os próprios Escandinavos, vistos como exemplos de “países socialistas”, nunca instituíram programas de nacionalização e as poucas empresas estatais foram privatizadas. Apesar dos altos gastos sociais desses países, a economia de mercado sempre foi o impulso central para o seu crescimento. O envolvimento do estado na economia nunca impediu que suas empresas privadas se tornassem potências globais. Maersk da Dinamarca, Nokia da Finlândia, Volvo ou IKEA da Suécia são competitivas globalmente porque tem produtos de qualidade e não porque gozam de vantagens políticas.

Por outro lado, o sistema aonde o estado domina os mercados é chamado de capitalismo de estado. Aqueles que adotam esse modelo não o fazem com um objetivo temporário para reconstruir a economia ou recuperá-la de uma recessão. Essa escolha é estratégica! Os governos querem controlar atividade econômica por diversas razões, que vão desde corrupção, fonte de receita, até arma geopolítica (no caso da Rússia). O capitalismo de estado enxerga o mercado primariamente como uma ferramenta para servir os interesses da elite no poder ao invés dos interesses da nação. O controle de setores estratégicos da economia oferece fontes de receita e poder para os seus governantes. Em resumo, a prioridade no capitalismo de estado é obter vantagens políticas com as empresas estatais ao invés de gerar lucro. Alias, o lucro está sempre subjugado a política.

Os Estados usam diferentes ferramentas ou veículos para exercer seu poder sobre os mercados. Os 4 principais são:

1. Empresas Nacionais de Energia (Petróleo ou Gás)

Países com grandes reservas de petróleo controlam esses recursos. Hoje 3/4 das reservas de petróleo do mundo são propriedade de empresas estatais como Saudita Aramco, Gazprom (Rússia), CNPC (China), NIOC (Irã), PDVSA (Venezuela), Petrobras, Abu Dhabi National Oil Company, Kuwait Petroleum Corporation, e Petronas (Malásia). As maiores multinacionais privadas possuem somente 3% das reservas mundiais de petróleo e gás. Algumas dessas empresas foram nacionalizadas, outras não são totalmente controladas pelo estado.

2. Empresas Estatais 

Empresas estatais existem além do setor energético. Elas podem estar localizadas em diversos setores. O país com as maiores estatais não petrolíferas é a China. Desde empresas de fornecimento de energia até financeiras. No Brasil 38% das empresas são controladas pelo estado. Na Rússia esse número vai para 62% e na China 80%.

3. National Champions

Empresas privadas com participação do governo. O nosso exemplo conhecido é a Vale. Os campeões se beneficiam de contratos e financiamento estatal. Existe uma relação simbiótica com o governo. Muitos privilégios são concedidos a essas empresas até quase monopólio de setores inteiros da economia. A Huawei (telecom) e a Metalloinvest (aço) são exemplos na China e na Rússia.

4. Fundos Soberanos de Riqueza 

Fundos criados pelos governos para investimento estrangeiro. Normalmente o dinheiro do fundo vem de 3 fontes: exportações de recursos naturais como petróleo ou gás; dinheiro sobrando da balança comercial — como no caso Chinês; e transferências diretas do orçamento federal ou reservas do país. O último rank indica que os Fundos Soberanos controlam mais de $6 trilhões de dólares. O problema desses veículos financeiros é que não respondem a acionistas. Eles tem somente um stakeholder: o governo.

Sociedade e Estatização 

Alguns vão me dizer: Heni, o governo norueguês é o maior acionista da StatoilHydro portanto a Noruega também pratica capitalismo de estado. Errado! A interferência governamental na empresa é minima. O governo não direciona fundos da mesma para projetos de interesse político. O que importa é como a ferramenta é usada, não sua mera existência. O Fundo de Pensão Público da Noruega gere a riqueza do petróleo, mas é um exemplo de transparência e eficiência. É possível dizer que é melhor gerido e mais transparente que muitas instituições privadas. O Fundo possui 120 profissionais independentes do governo publicando relatórios periódicos com detalhes dos seus investimentos e políticas. O Fundo Norueguês já tomou decisões não puramente econômicas e excluiu algumas empresas do seu portfolio por questões éticas baseadas no histórico ambiental e de responsabilidade social. Entretanto, essas decisões não afetaram a lógica de mercado pois as outras empresas escolhidas para substituí-las não são de amigos e aliados do governo ou ainda investimentos não rentáveis. Os investimentos escolhidos são igualmente lucrativos e respeitam sua política ética.

Obviamente isso só é possível em uma sociedade aonde a percepção do bem público é consciente, e o senso de responsabilidade segue o mesmo padrão. O público na Noruega significa que todos são “acionistas” ou donos daquele bem. Enquanto no Brasil a percepção é de que tudo público é de alguma entidade impessoal chamada de “todo mundo”.  Aquilo que é de todo mundo não é de ninguém na nossa cultura. Aquele que joga papel na rua faz porque acha que a rua não tem dono ou porque não entende sua responsabilidade e ligação com aquela propriedade. Com certeza existem aqueles que jogam papel na rua e também dentro da sua própria casa, mas a maioria que suja a rua não parece sujar seu próprio carro senão o lixo não precisaria ser retirado da onde ele foi gerado.

Link original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/05/20/petrobras-e-o-capitalismo-de-estado/

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