O ano começou (acabou o carnaval), mas os problemas do nosso país são antigos. O Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu o cargo clamando, em seu discurso de posse, que iria acabar com o patrimonialismo. O termo patrimonialismo é mais comum no vocabulário de sociólogos e cientistas políticos ao invés de economistas. Dentre os sociólogos, Max Weber usou a palavra “patrimonial” para descrever governos que servem ou favorecem os interesses de uma rede de amigos, familiares, apadrinhados e afiliados políticos que demonstram lealdade aos donos do poder. O inverso – o estado não patrimonialista –  defende os interesses da sociedade como um todo de forma impessoal; as instituições e cargos públicos existem para servir a nação e não podem ser usados para ganhos privados.

O patrimonialismo não é um problema exclusivo do Brasil e muito menos um desafio contemporâneo. O termo clássico foi inclusive substituído pela sua versão moderna. Nem mesmo os ditadores mais corruptos acreditam – como reis e sultões acreditavam – que são literalmente donos do estado, e podem fazer tudo o que desejam. Por isso, o patrimonialismo evoluiu para neopatrimonialismo, um estado com uma aparência estrutural externa convencional – com instituições, sistema legal, eleições e outros – mas internamente governado por interesses privados. Alguns teóricos classificam essa nova forma de patrimonialismo de “ordem de acesso limitado”, modelo no qual uma elite política usa o seu poder para impedir a competição na economia e no sistema político. Outros chamam esse fenômeno de ordem “extrativista”. Em um momento da história humana, todos os governos podiam ser classificados de patrimonialistas, de acesso limitado ou extrativistas.

Estado Moderno 

A pergunta óbvia é como essas estruturas patrimonialistas evoluíram para o estado moderno. Nenhuma sociedade é capaz de evoluir sem uma ordem política. Essa ordem é um produto da consolidação de três categorias básicas de instituições: o estado, estado de direito, e mecanismos de fiscalização. O estado é a organização centralizadora que estabelece a ordem e segurança física através monopólio do uso legitimo da força, em um determinado território. O estado de direito estabelece uma sociedade governada por um código de leis e regras estabelecidas. Essas leis são vinculantes até para os mais poderosos, sejam eles presidentes, reis, ou primeiro ministros. Se as leis forem alteradas para satisfazer os interesses dos “donos do poder” não temos um estado de direito. A peça central da funcionalidade do estado de direito é existência de um poder judiciário autônomo ao poder executivo. O terceiro pilar é a accountability, a responsabilidade do governo em proteger os interesses da sociedade – Aristóteles chamava isso de “bem comum” – ao invés dos interesses pessoais de poucos. Nas democracias modernas, accountability existe no processo democrático eleitoral. Eleições periódicas são conduzidas de forma livre e justa para escolher representantes em um sistema multipartidário.

O desafio de qualquer sociedade é criar um estado forte com capacidade de entregar bens públicos, como segurança, e aplicar as leis. Mas ao mesmo tempo, um estado com poder limitado que só será usado de forma controlada e consensual. Portanto, por um lado o estado deve ser forte e capaz, mas limitado para agir dentro de parâmetros estabelecidos pela lei.

A China tem um estado forte e bem desenvolvido, mas sem estado de direito e accountability. Estados falidos, como Somália ou Haiti, não possuem nenhuma das três estruturas políticas. Em contraste, uma democracia liberal desenvolvida, como Dinamarca ou Suíça, possuiu as três. Para citar uma das principais características do neopatrimonialismo africano, por exemplo, é preciso entender a “lei do personalismo”. A política sempre foi centrada ao redor da figura do Presidente ou Big Man (conceito político que explica a concentração de poder nas mão de um único indivíduo). Praticamente todos os sistemas políticos da Africa, no período pós-colonial, eram presidencialistas ao invés de parlamentaristas. Os líderes africanos se apresentavam como uma mistura de pai e chefe da máfia. Por exemplo, Julius Nyerere, da Tanzânia, exigia ser chamado de “Professor”, e Mobutu, do Zaire, usava um chapéu de leopardo, óculos escuros e carregava um bastão cerimonial. Até pouco tempo atrás, poucos presidentes africanos entregaram o poder pacificamente para seu sucessor, como George Washington fez após servir por dois mandatos.

Fatores Modernizantes  

Ao longo da história alguns fatores contribuíram para a modernização dos estados. Um deles foi a competição militar; a presença de inimigos e ameaças demandou a criação de um estado eficiente. Por exemplo, a posição geopolítica desfavorável exigiu tanto da China antiga como da Prussia (precursora da Alemanha unificada) que compensassem essa deficiência militar através da criação de uma administração pública eficiente. Outro fator foi a mobilização e inserção social gerada pela industrialização. O crescimento econômico emancipou novos grupos que passaram a participar do sistema político. Essa foi parte da explicação da modernização do estado americano. Na época o clientelismo imperava. Foi necessário uma coalização de novos atores sociais – composta por empresários prejudicados pela má administração pública; fazendeiros do oeste se opondo aos interesses corruptos dos ferroviários; e uma nova classe média profissional e urbana – para transformar a governança do país.

O problema do Brasil e da grande maioria dos países em desenvolvimento é virar uma “Dinamarca”. Em outras palavras, ser capaz de se desenvolver politicamente. O entendimento comum da política enxerga apenas ideologias, partidos políticos ou políticas publicas. Presidentes vem e vão, leis podem ser alteradas, legisladores mudam, mas as regras fundamentais que organizam o estado e definem a ordem política devem ser sólidas.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2015/02/26/patrimonialismo-o-desafio-politico/

Hoje estou escrevendo da Rússia, em Moscou. A minha amiga e colega, Malu, brincou comigo dizendo: “o Putin chega e você vai pra Rússia”. Com certeza eu não combinei com ele, até porque preferiria encontrá-lo aqui no Kremlin do que em Fortaleza, aonde está acontecendo a Cúpula dos BRICS. Vejo muitas similaridades entre a Rússia e Brasil do ponto de vista social. O país é lindo e as pessoas são simpáticas, mas não vou me estender na parte cultural ou social pois quero falar dos BRICS.

O acrônimo BRIC foi criado em 2001 pelo economista Jim O’Neil, do banco de investimento Goldman Sachs, para agrupar as maiores economias emergentes na época (Brasil, Rússia, Índia, China e posteriormente África do Sul). O termo puramente teórico saiu do papel para virar um frágil e informal grupo político até alcançar um status –na Cúpula de Fortaleza — de bloco semi-institucionalizado. A criação do banco dos BRICS é uma evolução substancial para um grupo tão distinto, mas mesmo assim não dá para ser muito otimista em relação à sua relevância imediata.

O bloco serve muito mais os interesses particulares de cada país do que uma verdadeira coalizão de emergentes aonde os interesses coletivos são evidentes e comuns. A maioria das áreas de convergência recai sobre a vontade de contrapor a Europa e os EUA. Talvez um dos poucos beneficiários dessa convergência seja a África. Todos os países tem laços comerciais fortes com o continente e até mesmo a Rússia (o menos presente) tem aumentado seus investimentos em energia na região.

O fato de os 5 países do grupo serem líderes em suas regiões e terem projeção global, aumenta as pressões domésticas, e as ambições e competição internacional. A realidade política e geopolítica da América Latina (Brasil) é bem diferente da Ásia (China) ou Eurásia (Rússia). O Sul da Ásia (Índia) tem necessidades e rivalidades nucleares bem distintas da imensidão do continente Africano (África do Sul). Algumas dessas regiões conversam politicamente enquanto outras apenas economicamente. Apesar do maior parceiro comercial do Brasil ser a China, somos muito mais isolados politicamente se compararmos às relações entre os outros. China, Índia e Rússia já foram aliados e inimigos em diferentes momentos. Brasil nunca esteve muito próximo deles, inclusive por questões geográficas de distância.

Para que servem os BRICS?

Quais são os interesses de cada país? Como cada um usa o bloco? Vou fazer um breve resumo dos principais interesses de cada país baseados no xadrez atual do mundo.

RÚSSIA

Vladimir Putin, presidente da Rússia, propôs uma integração entre A União Eurasiática (Rússia, Csaquistão e Bielo-Rússia) e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e consequentemente aproximá-lo dos Brics. Putin precisa de alternativas para aliviar a crise geopolítica com a Ucrânia, Europa e EUA. O anúncio do Obama sobre novas sanções apenas reforça a tendência em andamento da Rússia buscar novas opções e parcerias para se fortalecer econômica e politicamente. Isso já foi demonstrado no recente acordo com a China para fornecimento de gás. O bloco é uma ótima plataforma para a Rússia conseguir abrir novas parcerias comerciais e ao mesmo tempo fortalecer sua narrativa e legitimidade diante das últimas crises geopolíticas.

CHINA

Já a China usa o grupo de forma mais simbólica, particularmente para confrontar o sistema internacional criado pelos americanos e construir intituições paralelas. Sendo a maior economia dos 5 países, a China vai arcar com a maior parte dos custos da formação do banco. No fundo, os chineses tem menos a ganhar e usam o bloco de forma mais indireta para exercer seu poder global. Afinal, os chineses já têm espaço internacional suficiente e tentam apenas diversificar sua exposição e projeção de poder. O banco dos BRICS é apenas um dos muitos mecanismos internacionais que a China está engajada. Na Ásia, os chineses estão querendo criar um banco de investimento para infra-estrutura. Portanto, o dragão asiático seguirá usando os BRICS como uma das suas várias alternativas para ampliar seu escopo de projeção de poder.

ÍNDIA

Tem uma gama de problemas que impedem pensar no bloco como algo muito relevante. Os problemas internacionais do país estão mais ligados a questões regionais do que globais. Seu rival e vizinho Paquistão tem armas nucleares e é um estado falido. A Índia é o 4º país do mundo que mais sofre de terrorismo e está próxima dos três primeiros da lista (Afeganistão, Paquistão e Iraque). A ascensão chinesa e sua presença no Oceano Índico complica a vida dos indianos e a harmonia dos BRICS devido à crescente rivalidade dos dois gigantes. Cada vez mais a Índia vai ganhar relevância internacional e sua importância regional já lhe traz bastante visibilidade e desafios. Por isso, os indianos tendem a se manter ocupados e o bloco, por hora, deve ficar em segundo plano.

BRASIL

O Brasil tem dificuldades de projetar poder internacionalmente pois não é ativo nas questões relacionadas com a paz e segurança internacional. O tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança da ONU busca preencher essa lacuna. A liderança regional brasileira é muito mais branda e desordenada por opção e falta de capacidade e planejamento. Ou seja, o Brasil é o país do bloco (excluindo África do Sul) que menos sabe acumular e projetar poder. Por essa razão, os BRICS dão uma visibilidade que o país não consegue em muitos outros fóruns ou interações internacionais. O fato do Brasil trazer outros países da região para participar do encontro em Fortaleza corrobora com a vontade de se apresentar como uma potência global, principalmente para os seus vizinhos. Ou seja, o Brasil é o país que tem mais a ganhar com o grupo. Mas por outro lado é também um dos menos poderosos do grupo e terá mais dificuldades em impor suas vontades. Isso ficou evidente na negociação da primeira presidência aonde o Brasil teve que ceder para a Índia.

ÁFRICA DO SUL

A inclusão da África do Sul no bloco, em 2011, pode ser considerada uma vitória para o líder Africano e um ganho de legitimidade para o grupo. Uma das razões que o país foi escolhido, ao invés de economias maiores como Nigéria e Indonésia, está relacionado com o alinhamento político com os outros membros. Para África do Sul, o desafio será equilibrar sua política externa de responsabilidades de potência emergente com a de liderança de um continente pobre. O enfoque é muito mais de cautela, sem criar grandes problemas no bloco e aproveitar para surfar na onda dos grandes sem ser um deles.

Conclusão e Futuro

Uma maneira de medir a capacidade dos BRICS é compará-lo com um grupo ou instituição global análoga, composta por grandes potências e líderes regionais. O mais próximo é o Conselho de Segurança da ONU com uma vantagem clara de ser um órgão de legitimidade universal ao invés de um grupo de uma classe restrita de países emergentes. Mesmo assim, sabemos muito bem das dificuldades do Conselho em obter consenso e como acaba travado politicamente devido os interesses diversos das potências. Por que um grupo com menos legitimidade global conseguiria obter mais coordenação e resolução?

Artigo Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/16/para-que-servem-os-brics/

 

É sabido que a Austrália é um continente distante e isolado, mas isso só fica evidente quando se tenta chegar lá. Eu sai de São Paulo para Buenos Aires e segui pela Rota Polar (cruzando o Polo Sul) direto para Sydney. Depois de 15h15 minutos de voo, cheguei naTerra Australis Incognita, o nome dado na antiguidade para a terra desconhecida no hemisfério sul.

Desde a antiguidade, filósofos e geógrafos contemplavam a existência dessa região. Gregos e Romanos pensavam, em teoria, que o território existia. Em 150 A.D., Ptolomeu denominou uma grande região no mapa de Terra Australis. No século V, o filosofo romano Macróbio pensava que a terra era dividida em 3 zonas climáticas, com um grande continente cobrindo a maior parte do hemisfério sul. A fascinação pelo terra desconhecida continuou ao longo da história. Na Idade Media, chineses, indianos, gregos e árabes escreveram sobre uma região localizada em algum lugar ao sul de Java. Na pratica a Terra Australis só foi localizada muito tempo depois pelos exploradores europeus. Na verdade, o continente foi o ultimo pedaço de terra habitável do mundo a ser descoberto pelos europeus.

Visitar a Austrália é se reconectar com a geografia. Austrália é uma ilha, continente, e nação em um só pacote. Não existe nada no mundo semelhante à condição australiana. De alguma forma seu isolamento pode ser comparado com a posição dos EUA, um país protegido de ameaças externas pelo oceano. Claro que os EUA possuem dois vizinhos, mesmo que pacatos e inofensivos. Austrália é o menor, mais seco e mais plano continente do mundo. Um dos sete maiores países do mundo. Metade do país é árido e 1/5 deserto; esse clima faz da maior parte do solo pobre para o cultivo agrícola.

A sociedade e economia australiana são reflexos dessa realidade geográfica e climática. Outro legado que define sua história é a sua colonização. Tudo começou com 11 navios levando presidiários exilados da Inglaterra. Os navios deixaram Portsmouth, no dia 13 de Maio de 1787, e chegaram em Sydney quase um ano depois, 26 de Janeiro de 1788 (celebrado como o Dia da Australia). Aqui caberia um debate interessante (quem sabe em outro post) sobre as causas da diferença do desenvolvimento social e econômico do Brasil e Austrália. Quantas vezes já não ouvimos o argumento que a causa dos problemas do Brasil foi a colonização de exploração portuguesa. Como explicar o sucesso australiano diante de uma colonização composta por presidiários? A história da Austrália nos faz refletir sobre nossas falhas e obviamente aponta para fatores alem do tipo de colonização como explicação dos nossos desafios.

Chega de história e geografia e vamos falar um pouco da geopolítica australiana. O país vive um dilema estratégico: escolher entre quem te protege e quem te faz rico. Os EUA é o aliado indispensável, a ponto da Austrália ser o único país do mundo a participar todos os conflitos que os americanos se envolveram desde a Batalha de Hamel, na Primeira Guerra Mundial. A China se tornou o maior parceiro comercial passando o Japão em 2009. Obviamente a Austrália gostaria de manter boas relações com os dois gigantes. O problema é que tanto EUA quanto China enxergam sua relação política e estratégica com a ilha-continente através da sua rivalidade. Mesmo que a Austrália consiga agradar os dois, cada um deles vai fazer de tudo para impedir que seu rival fortaleça sua aliança.

Por exemplo, qualquer choque militar entre Japão e China, pelas ilhas do Mar do Sul da China (ver post anterior), levaria a um envolvimento americano e consequentemente forte pressão para a Austrália se posicionar e participar. Nessa caso sua aliança com a China seria comprometida abalando as relações comerciais.

Outro aspecto geopolítico é a dimensão marítima estratégica do continente. O hino australiano proclama: “our home is girt by sea” (nossa casa é cercada pelo mar); a frase ressalta a importância marítima da sua realidade. Cada estado australiano tem sua capital localizada em um porto ou próximo a um. No âmbito continental, a Austrália liga os Oceanos Pacífico e Índico. O Pacífico abriga a maior rota comercial do mundo e o Índico será o novo palco geopolítico do século 21, sendo o ponto de encontro entre China e Índia. Portanto, a localização da Austrália permite, dentre outras coisas, a criação de um corredor horizontal leste-oeste de extrema importância marítima. Forças estacionadas nos extremos de cada oceano — 7ª Frota Naval Americana localizada no Japão (Pacífico) e a 5ª Frota no Bahrain (Índico) — estão em desvantagem quando comparado com a possibilidade de estarem localizados próximo a geográfica central que a Austrália oferece.

Alguns podem estar pensando: “como a austrália influência decisões financeiras ou economicas no Brasil”. O par do dólar australiano e dólar americano são a quarta moeda mais comercializada do mundo, representando 7% de todo o mercado global de câmbio. A moeda australiana sempre esteve atrelada ao preço das suas commodities exportadas, contudo em 2003, graças a globalização financeira o link foi desfeito. A estabilidade e cotação do dólar australiano não podem ser dissociadas dos acontecimentos políticos e geopolíticos que ditam os rumos de sua economia e da região. Ou seja, qualquer avaliação precisa sobre seus fundamentos não pode excluir uma análise do risco político da Terra Australis e seu papel geopolítico.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/01/01/terra-australis-incognita-geopolitica-da-australia/

Nas ultimas semanas a China expandiu sua zona de defesa aérea dentro do Mar do Leste da China (veja mapa abaixo). Esse decisão ocorre em um contexto especifico: o acirramento das disputas territoriais das ilhas locais, o crescente nacionalismo na região e o redirecionamento estrategico-militar americano para a Ásia.

Mapa-Zona-de-Defesa-Aérea

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando falamos de crises internacionais com potencial para escalada de confronto as atenções costumam estar voltadas para regiões tidas como mais frágeis: seja o Oriente Médio, África ou sul da Ásia (Índia e Paquistão). Contudo, a Ásia do século 21 pode se tornar a Europa do século 20. Até pouco tempo atras, todo o enfoque da região estava concentrado nas áreas econômicas e comerciais. A ascensão chinesa e o desenvolvimento econômico regional vem forçando a inclusão de preocupações geopoliticas na estratégia de segurança dos países.

A China reivindica 90% do total da area do seu mar do leste. A dificuldade com as ilhas desse mar estão na sobreposição do espaço territorial de todos os países próximos. Filipinas, Vietnã, China, Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Malásia e Brunei possuem algum tipo de reivindicação territorial dentro desse espaço. Algumas dessas disputas, como a da soberania das ilhas Diaoyu/Senkakus existe desde a Guerra Sino-Japonesa de 1894. As ilhas não são a única causa da tensão, mas as zonas econômicas exclusivas pertinentes também geram disputa devido a abundância de recursos naturais como petróleo e gás.

O grande problema disso tudo é que estamos falando de disputas territoriais. Conflitos ideológicos podem ser menos precisos ou tangíveis. Território é algo fundamental para a existência de um estado. Busca por autonomia e controle de território é o que permite um povo ser dono do seu destino. Sem território não existe estado. Ou seja, nenhum país em sã consciência abdica de espaço pois esse é a matéria prima básica para sua existência. Não é por acaso que historicamente a vasta maioria das guerras, entre estados, foi travada por defesa e conquista territorial.

Outro risco com a demarcação da zona de defesa aérea chinesa é a sobreposição com mesma zona japonesa. A Coreia do Sul acabou de expandir sua zona de defesa aérea para dentro do mesmo espaço. Isso acentua as chances de um acidente ou choque não intencional. Quando um avião de qualquer um dos países entrar nessa zona vai ser interceptado e escoltado de acordo com as normas internacionais. Caso a interceptação não for feita da maneira correta temos o risco de um incidente internacional. Em 2001, um caça chinês estava executando intercepções agressivas até colidir com o avião americano de inteligência causando a morte do piloto chinês e forçando o pouso da aeronave americana na ilha de Hainan. Os 24 membros da tripulação ficaram presos por 11 dias gerando uma crise entre os dois países.

Essas zonas não são algo novo. São essencialmente um pára-choque fora do espaço aéreo do país. De acordo com o direito internacional, o espaço aéreo de um país engloba o céu acima do território mais os 22 quilômetros de distancia da sua costa de oceano. Muitos outros países criaram zonas parecidas em espaço aéreo internacional próximo ao seu estado. Como são impostas de forma unilateral e sem base legal facilitam atritos.

Por enquanto, o problema não foi a demarcação da zona chinesa, mas a possível tentativa em protege-la. Hoje, Pequim não tem os meios ou capacidade de monitorar todo o escopo desse espaço aéreo e nem as condições de projetar força. Monitorar o escopo da área requer sistemas navais, terrestres e aéreos. Como os chineses não controlam espaços terrestres (ilhas) próxima a zona ficam em desvantagem em relação aos japoneses. No quesito força, a China precisa de plataformas terrestres, aéreas e navais, mas ninguém pode atacar algo que não pode identificar ou localizar, e menos ainda sem a arma apropriada dentro do seu alcance. Essa capacidade de posicionar suas forças aéreas próximas a zona é comprometidas pela distância da costa e falta de treinamento e procedimentos.

O estabelecimento dessa zona trouxe uma nova dimensão – aérea, alem da naval e territorial – para a competição geopolítica da região. O desenrolar dessa tensão colocará em pauta a normalização militar japonesa e vai testar o comprometimento americano com seus aliados da região. Se Obama seguir o exemplo de como tem tratado os seus aliados do Oriente Médio, rapidamente o Japão pode mudar sua constituição e adotar uma postura mais agressiva. Os chineses estão desafiando o status quo enquanto os outros países estão apreensivos com as suas ambições.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2013/12/10/crise-na-asia-zona-de-defesa-aerea-e-mar-do-leste-da-china/

É possível entender muito sobre a economia de um país através da análise da sua estrutura logística de transporte e infra-estrutura em geral. No caso da China, o investimento pesado nos projetos rodoviários e a relação com seu modelo econômico fundamentado em exportações pode elucidar muito sobre os desafios do dragão asiático.

Hoje, cerca de 76% do total de transportes de cargas na China são feitos pelo modal rodoviário. Para se ter uma idéia, a malha viária da China hoje alcança os expressivos 81 mil quilômetros de estradas (ficando atrás apenas dos EUA). Em 1992, esse numero nao chegava nem aos mil (aproximadamente 570 km de rodovias expressas).

Denominador comum em discussões entre empresários no Brasil, é sabido que um dos grandes obstáculos para um real desenvolvimento da economia do país é a melhoria da infra-estrutura de transportes. Em termos de custos, as rodovias são o meio mais custoso se comparado a ferrovias e vias fluviais. Ou seja, para um país ganhar competitividade e eficiência, o ideal seria ter uma malha ferroviária e fluvial maior. Na China o problema não é muito diferente do Brasil e uma taxa baixa das operações de transporte de cargas são feitos por ferrovias e vias fluviais (aproximadamente 12-13% para cada um dos modais).

Milhares de caminhões em direção a Pequim, somados a problemas como obras e má-gestão de tráfego resultaram em um trânsito de cerca de 100km de extensão e duração de 9 dias

Além do custo de transporte, o sistema rodoviário chinês enfrenta outros problemas comuns a este modal, como trânsito caótico. Recentemente foi noticiado um engarrafamento, nos arredores de Pequim, que durou nada menos do que 9 dias. Houveram relatos de motoristas que percorreram 500-600 metros durante períodos de 4 a 5 horas. Para a segunda maior economia do mundo, aspirante ao primeiro posto, este modelo nao é sustentável.

Se ligarmos a estrutura de transportes chinesa com a localização geográfica do seu centro produtivo econômico podemos entender melhor o tamanho do desafio chinês em distribuir o desenvolvimento de forma mais uniforme pelo país. O coração da economia exportadora chinesa está no litoral. Para levar desenvolvimento ao interior, onde as taxas de desenvolvimento ainda são baixas, o governo esta tentando transferir parte da atividade econômica para oeste da costa.

Se o projeto do governo chinês é, de fato, exportar o crescimento do litoral para o coração da China, e assim evitar uma série de problemas como um êxodo populacional fixo (uma vez que movimentos migratórios de proporções enormes já ocorrem anualmente), a realidade da infra-estrutura chinesa representará um desafio considerável.

Distribuição das exportações chinesas por províncias (dados de 2011)

Embora funcional no litoral, onde distâncias são relativamente menores e fatores como combustível e desgaste dos caminhões nao são tão significantes, operações logísticas maiores, conectando o interior às áreas de escoamento da produção, vão sem duvida se deparar com desafios e custos exorbitantes. São esses obstáculos logísticos, causados por fatores geográficos, que dificultam o desenvolvimento de uma nação. O empresariado brasileiro que o diga!

BRIC - Grupo apresenta diferenças profundas, impossibilitando coordenação nos campos econômico e, principalmente, político

Nos últimos anos, um dos termos mais utilizados no cenário político-econômico internacional foi a sigla BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — hoje atualizada para BRICS — sendo o ‘S’ referência à África do Sul. Apesar desses países estarem vivendo seu melhor momento, em termos de crescimento econômico e relevância política, ainda assim compõem um grupo bastante distinto. Não por acaso, desde que a sigla foi cunhada em 1o de Outubro de 2003, no relatorio “Dreaming with BRICs: The Path to 2050“, publicado pelo banco Goldman Sachs, esse países foram incapazes de criar uma agenda própria e agirem em coalizão sobre qualquer tema – da economia à posicionamentos quanto a questões geopolíticas.

Uma simples análise histórica, sob o prisma do risco político, já aponta falhas na previsão feita pelo Goldman Sachs. Em 2003, o relatório previu que os BRIC serão, até 2050, as economias predominantes do globo, apenas atrás dos EUA e Japão. Uma pergunta objetiva já colocaria em xeque a previsão: o que garante que os objetivos político-econômicos de tais Estados serão os mesmos pelas próximas décadas? Se olharmos para os últimos 47 anos, todos os membros do suposto grupo passaram por mudanças políticas substanciais, com implicações diretas em suas economias.

China - caráter autoritário do regime não se alterou, apesar das mudanças expressivas na estratégia política

Nestas últimas quatro décadas, a China passou por muitas transformações e nem todas elas produziram o desenvolvimento econômico dos últimos 20 anos. A visão política de Mao Zedong não produziu industrialização e desenvolvimento. De forma similar, tratar as decisões políticas dos próximos 47 anos da China como certeiras e únicas é uma grande simplificação de um país altamente complexo politica e socialmente. Dados os diversos desafios geopolíticos e, sobretudo, sociais que os chineses enfrentam no âmbito doméstico, fica evidente que muitos outros cenários poderiam se formar, alterando o curso atual. Bastaria, nos próximos 15 anos, sua economia não crescer os essenciais 8-9%/ano, algo perfeitamente possível, para não só entrar em uma complexa e perigosa crise interna, mas levar consigo diversos outros mercados, que hoje também vivem boomseconômicos devido à excessiva demanda chinesa por recursos naturais e commodities. Tal cenário poderia, sem sombra de dúvidas, colocar em xeque a estrutura política chinesa.

Rússia - até 1991, núcleo do Império Soviético

Na mesma linha de raciocínio, ao longo das últimas quatro décadas, a Rússia deixou de ser o império centrado na União Soviética – que se extendia do Leste europeu ao extremo Oriente e, ao Sul, até a Ásia central – a um país relativamente menor, com um sistema político diferente e altamente dependente de exportações de recursos naturais. Dadas as prioridades politico-sociais russas, é impossível afirmar, baseado somente em dados económicos, que sua estratégia para os próximos quarenta anos será a mesma.

Os objetivos político-econômicos de cada país variam e se adaptam à realidades que mudam conforme o tempo. A análise feita pelo Goldman Sachs trabalha com diversos índices econômicos, o que sem duvida é importante ao se fazer previsões sobre a evolução de Estados. Porém, é impossível afirmar que a estratégia chinesa ou russa, para os próximos 40 anos, será rigorosamente a mesma e que não haverá qualquer mudança política capaz de influenciar a economia. O mesmo se aplica ao Brasil e à Índia.

Por fim, a ausência do componente geopolítico no relatório em questão também é intrigante. Uma análise básica dos BRICS já é suficiente para apontar dúvidas quanto à possibilidade de cada um sofrer uma mudança política considerável. Nos últimos 40-50 anos, cada um dos países em questão viveram diversas transformações. Acreditar que um boom nos últimos 8 anos será suficiente para garantir o status quo por mais três ou quatro décadas é, no mínimo, pretencioso.

ETS, que visa reduzir emissões de carbono de aviões, pode causar problemas econômicos

“O que surgiu como uma solução para o meio-ambiente se tornou fonte para uma possível batalha comercial” disse Thomas Enders, alto executivo da Airbus.

O Regime de Comércio de Emissões da UE (Emissions Trading System) de CO2, que entrou em vigor em Janeiro de 2012, tem por princípio a disponibilização de créditos para emissões do gás para as companhias aéreas – européias ou não – operando no espaço aéreo europeu. Cada companhia tem direito a um volume X de emissões, de acordo com o número de vôos operados na Europa. A própria companhia é responsável pelo monitoramento deste processo e, ao final de cada período, ela deve entregar um relatório às autoridades responsáveis. Caso ela tenha utilizado uma quantidade de créditos abaixo da média calculada, ela poderá comercializar os mesmos para outras companhias que necessitem. Caso tenha ultrapassado o limite, pagará multas progressivas., o que fatalmente encarece a operação.

O projeto, fortemente apoiado pelo Partidos Verdes Europeu, tem como premissa não só o cuidado com o meio-ambiente, mas servir de base para um projeto de mesma espécie em escala global. O resultado, porém, pode ser bem diferente. A Europa, ainda em profunda crise econômica, pode entrar numa guerra comercial que não tem condições de vencer. Hoje, uma negociação entre Airbus e os chineses, envolvendo 45 aeronaves e receitas ao redor de USD 12 bilhões, está congelada. Autoridades de Nova Delhi também já deixaram claro que não vão aceitar as novas regras e ameaçam proibir companhias indianas de cooperarem com o sistema e disponibilizarem seus níveis de emissões – dado que 73% do mercado de aviação comercial da Índia é ocupado por empresas européias, não se trata de uma ameaça qualquer.

Airbus da Air China - negociação de 45 novas aeronaves está congelada

O que fica claro é os gigantes China e Índia não estão dispostos a abrir mão de ganhos econômicos, e sacrificar um setor forte de suas economias, em prol de políticas ambientais. O interessante é que uma parte dos próprios europeus também não está satisfeita. Um grupo de empresas aéreas, liderado pela Airbus, já se organizou para cobrar um relaxamento das autoridades européias quanto às regras do sistema de emissões.

A disputa entre os partidos verdes, que ganham cada vez mais espaço na cena política européia e fazem grande pressão por políticas ambientais rígidas, e o empresariado europeu tende a se intensificar. Em meio a uma Europa passando por momentos difíceis do ponto de vista econômico, não será surpresa observar movimentos políticos fortes contra possíveis decisões politicamente incorretas das autoridades européias, já que no curto prazo, as contas vão pesar mais que a natureza.

Leon Panetta e Hamid Karzai - relacionamento entre EUA e Afeganistão passa por seu pior momento

O Secretário da Defesa americano Leon Panetta não tem motivos para comemorar sua passagem pela Ásia Central. Logo no início do tour pela região, dois eventos já geram agitação em Washington.

Em reunião com o presidente do Afeganistão Hamid Karzai, o secretário foi publicamente pressionado a antecipar o processo de retirada das tropas da ISAF (International Security Assistance Forces – nome da missão da OTAN no país) para 2013 – originalmente o prazo era 2014. Em meio a um relacionamento altamente complexo e que se deteriorou gradativamente nos últimos anos, as ações do soldado americano – que matou 16 civis – ajudaram a piorar o cenário. O Taliban, que havia concordado em negociar para chegar a um acordo para pacificar o país, já anunciou sua retirada das conversas.

Em paralelo, um alto oficial do governo do Quirguistão informou Panetta que pretente fechar a base americana naquele país. Esta, localizada no aeroporto de Manas, próximo à capital Bishkek, é a única desta espécie presente na Ásia Central e essencial do ponto de vista logístico e tático para a operação americana no Afeganistão. A base também funciona como um posto avançado numa região onde outras potências, como China e, principalmente, Rússia, disputam por influência.

Em termos geopolíticos, essa é a área mais estratégica do globo. Historicamente, os grandes players travam disputas acirradas pela predominância nessa região. No século XIX, os impérios Britânico e Russo protagonizavam o que ficou conhecido como o Great Game (Grande Jogo), quando lutavam politica e militarmente pela hegemonia euroasiática.

Geopolítica da Ásia Central

Hoje, num cenário pós-Guerra Fria, EUA, Rússia e China são os atores principais no novo Great Game. Cada decisão tomada com relação ao Leste Europeu, Oriente Médio, Ásia Central e a Ásia do Leste é baseada neste raciocínio.

Embora o governo do Quirguistão já tenha feito ameaças do gênero anteriormente, o fato é que os EUA vem perdendo espaço na região. As relações com Afeganistão e Paquistão se deterioraram muito nos últimos dois anos, a Índia, embora tratada como aliada, recusou-se a se alinhar com os americanos na questão do Irã e a China, principal potência no Sudeste asiático, também ganha cada vez mais espaço no Oriente Médio. Os russos, embora não disponham da mesma força econômica de chineses e indianos, têm um alto grau de influência política e interesses estratégicos na área.

Índia e Paquistão já nasceram rivais. Ambos foram criados em 1947, a partir da decisão do Império Britânico de dividir sua colônia indiana em dois Estados independentes. O objetivo de se formar dois países foi tentar conter a animosidade que existia há séculos entre hindus e muçulmanos na região. No entanto, o conflito entre os dois sobreviveu e tornou-se uma das questões mais sensíveis da política asiática e de todo o mundo. Desde então, indianos e paquistaneses foram à guerra quatro vezes (1947, 1965, 1971 e 1999) por conta do território da Caxemira, que apesar de ter maioria da população muçulmana, é controlado em parte pela Índia, em parte pelo Paquistão e, ainda, com uma porção sob controle da China. Além de influenciar interesses importantes para diversas nações engajadas na região, como os Estados Unidos e a China, o conflito entre Índia e Paquistão possui um componente que o faz particularmente ameaçador para a segurança mundial: ambos possuem a capacidade de produzir e de lançar armas atômicas.

Em imagem tirada da Estação Espacial no último mês de agosto, é possível ver, em laranja, a fortificada fronteira entre Índia e Paquistão.

Recentemente, no entanto, indianos e paquistaneses têm ensaiado uma aproximação através do comércio. O mais último passo nessa direção foi dado por Islamabad ao incluir a Índia em sua lista de “nações mais favorecidas” (MFN), na sigla em inglês). Na linguagem da Organização Mundial do Comércio (OMC), o título significa que o país que o concede deve estender ao outro os mesmo privilégios dados a seus principais parceiros comerciais. De fato, a Índia já havia dado o status de MFN ao Paquistão em 1996. Nos últimos quinze anos, entretanto, Islamabad se recusou a retribuir o gesto indiano até que se resolvesse a questão da Caxemira. Desse modo, a decisão de Islamabad neste momento, é um sinal de que os paquistaneses evoluíram sua posição, passando a acreditar que faz parte de seus interesses construir melhores relações com o governo de Nova Delhi. (O processo de paz entre os dois países está paralisado desde que terrorista islâmicos vindo do Paquistão realizaram uma série de ataques simultâneos na cidade indiana de Mumbai em novembro 2008.)

Índia, Paquistão e a disputada região da Caxemira.

É interessante notar que a atitude do Paquistão não pode ter sido tomada sem o consentimento do Exército do país, instituição que detém uma parcela significativa de poder. Os militares sempre se opuseram a estender a mão para os indianos no campo econômico, mesmo que as autoridades dessa área fossem a favor de retribuir o gesto feito pela Índia em 1996. Em parte, a mudança de atitude pode ser explicada pelo fato de que negócios pertencentes a militares, como fazendas e fábricas de cimento, devem ganhar com comércio com a Índia. De qualquer modo, o Exército paquistanês dá a entender que não vê mais o governo de Nova Delhi como uma entidade totalmente hostil, abrindo a possibilidade para algum tipo de parceria entre os dois países.

O crescimento do comércio tem muito a beneficiar os dois países. As vendas de um para o outro, que hoje estão na casa de US$ 2 bilhões anuais,  poderia crescer cinco vezes de acordo com a previsão de economistas. Atualmente, bens de um não podem cruzar o outro para chegar a um terceiro, o que encarece exportações tanto de indianos como de paquistaneses. Para o Paquistão, o acesso ao imenso e crescente mercado indiano pode ser uma forma de desenvolver a economia dos país. A Índia, atualmente, responde por apenas 3% das exportações paquistanesas. Islamabad também espera que a normalização das relações comerciais com a Índia colabore para que o Paquistão seja aceito como membro da OMC.

O primeiro-ministro paquistanês, Yousuf Raza Gilani (centro), e seu colega indiano, Manmohan Singh (direita), durante jogo entre as seleções dos dois países pela Copa do Mundo de Cricket realizada na cidade de Mohali, India, em março de 2011.

Para a Índia, estreitar os laços com o Paquistão significa aumentar sua fatia de influência sobre a região. O sul da Ásia é uma das partes do mundo cujos países menos vendem e compram entre si. Fazer crescer o comércio com seus vizinhos é fundamental para que a Índia possa usar o potencial que sua grande economia e sua imensa população oferecem no sentido de se tornar uma liderança regional e global. Além do mais, aproximar-se de Islamabad é uma maneira de os indianos conterem a incômoda presença da China no país vizinho. (Por serem dois gigantes asiáticos, China e Índia possuem sua própria e intensa rivalidade.)

O principal candidato a desestabilizar as nascentes relações entre indianos e paquistaneses é o Afeganistão. Os dois possuem interesses distintos no país – e eles devem entrar em rota de colisão com a saída das tropas americanas. A Índia vem buscando impor sua influência sobre o futuro do Afeganistão para que o país não volte a ser um abrigo para fundamentalistas islâmicos, cujo terrorismo tem a Índia como alvo. Já para o Paquistão, a influência indiana sobre o futuro afegão significa o perigo de ficar entrincheirado entre a Índia e um país dominado por ela.

Os Estados Unidos devem ver com bons olhos a aproximação entre Índia e Paquistão, duas nações com quem Washington possui relações especiais. Para os americanos, é essencial que o Estado paquistanês se fortaleça, uma vez que seu colapso, uma possibilidade não tão remota, poderia colocar armas de destruição em massa nas mãos de grupos terroristas islâmicos. Do outro lado, tornar robusta a economia da Índia, maior democracia do mundo, é um objetivo estratégico para os planos dos Estados Unidos de fazer frente aos chineses na Ásia.

Washington, como não poderia deixar de ser, está empenhada em negociar um futuro para o Afeganistão que garanta um mínimo de estabilidade política para o país após a retirada de suas tropas do país. É importante que o resultado dessas negociações contemplem também toda a situação regional, principalmente no que diz respeito à incipiente aproximação entre Islamabad e Nova Delhi.

A presença, no último fim de semana, do Presidente Barack Obama em Bali, na Indonésia, para participar da reunião de Cúpula do Leste Asiático (EAS, na sigla em inglês) na sequência do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) no Havaí, deixou para muitos a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a redirecionar sua política externa para o Oceano Pacífico. De fato, há diversos fatores geopolíticos para que Washington busque um maior engajamento na região.

O Presidente Obama e outros líderes durante reunião da APEC no Havaí no dia 13 de novembro de 2011.

Não seria correto, entretanto, dizer que os americanos estão preparando um retorno ao Leste da Ásia porque os Estados Unidos jamais o deixaram. Desde a vitória na Segunda Guerra Mundial, a Marinha americana é soberana sobre as águas do Pacífico. No entanto, há uma percepção de que o continente asiático passa por profundas transformações, principalmente motivadas pela ascensão da China. O objetivo dos americanos é agir para que os interesses dos Estados Unidos sejam mantidos (ou, ao menos, maximizados) neste novo status quo.

A importância da Ásia para Washington é enorme. Cerca de metade da atividade econômica do mundo todo está lá. Em um momento de crise nos dois lados do Atlântico, é essencial que os Estados Unidos impulsionem sua economia por meio do comércio com seus parceiros asiáticos. Ciente desta necessidade, o Congresso americano aprovou no mês passado um acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul. Ao mesmo tempo, a diplomacia do país vem concentrando forças nas negociações da Parceria Trans-Pacífica, que recentemente passaram a contar com o Japão. (Ainda é incerto se Tóquio irá aderir à zona de livre-comércio no Pacífico, mas só o fato de o país ter aceitado negociar já é uma vitória para os americanos.)

O principal desafio, atualmente, à hegemonia americana na região vem de Pequim. Há três principais fatores para que os chineses busquem uma postura mais atuante na política asiática. Em primeiro lugar, a economia da China é fortemente dependente de comércio externo. Para manter seu crescimento econômico, a China precisa ser capaz de importar insumos e commodities e, na falta de um mercado interno robusto, precisa exportar aquilo que produz. O temor de Pequim é que, sem uma presença relevante do país nos mares do Pacífico, forças hostis (entenda-se os Estados Unidos) tenham o poder de bloquear pontos de navegação marítima que comprometam o comércio e a economia chinesa. Outro ponto diz respeito à capacidade militar do país. Há vinte anos sem o perigo de um confronto com a União Soviética e com regiões separatistas, como o Tibete, sob relativo controle, as fronteiras chinesas se encontram hoje mais seguras do que em toda a história recente do país. (Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, a China enfrentou constantes invasões externas, de forças como do Reino Unido e do Japão.) O resultado é que Pequim pôde concentrar maiores recursos para a construção de uma Marinha que possa, no futuro, atender aos interesses estratégicos e econômicos do país. (A distância entre as capacidades militares da China e dos Estados Unidos ainda é gigante, apesar dos importantes avanços feitos pelos chineses nas últimas décadas.) Por fim, o complexo e custoso envolvimento de Washington no Oriente Médio depois dos atentados de Onze de Setembro deram à China espaço para agir no Pacífico com certa liberdade nos últimos dez anos.

O Presidente Obama e a Primeira-Ministra Julia Gillard (segundo plano) anunciam acordo militar na base de Darwin, Austrália, no dia 16 de novembro de 2011.

É evidente, no entanto, que os Estados Unidos estão poucos dispostos a ceder espaço para navios chineses. Isto ficou bastante claro na escala que Obama fez na Austrália na semana passada, justamente entre as reuniões na Indonésia e no Havaí. Em Canberra, o Presidente anunciou um extenso pacote de cooperação militar entre os dois países. Bases navais e aéreas no Norte e no Oeste da Austrália terão maior presença de forças e equipamentos americanos. Além de reforçar a coordenação entre aliados historicamente próximos, o acordo tem como meta explorar a estratégica localização australiana. A partir da base de Darwin, por exemplo, os Estados Unidos têm rápido acesso ao Estreito de Malacca, a passagem que liga os Oceanos Índico e Pacífico, enquanto se mantêm distantes dos mísseis balísticos chineses.

 

A Austrália e o Estreito de Malaca, um ponto estratégico para o comércio marítimo por ligar os Oceanos Índico e Pacífico.

A estratégia de Washington consiste em criar um balanço de poder na região através de sua presença militar e de seu engajamento político. O objetivo é diminuir o espaço de manobra de Pequim e incentivar os chineses a negociarem os termos de uma nova realidade para o Pacífico de modo a manter o poder americano. Porém, segundo a visão da China, suas atividades para perseguir interesses nacionais em sua própria vizinhança são um direito naturalmente conferido por ser o país uma potência regional. A situação que se desenha neste cenário é a de crescentes contrastes entre os interesses dos Estados Unidos e da China no Leste de Ásia.

No último mês de agosto, a China começou a navegar seu primeiro porta-aviões.

O realinhamento da estratégia internacional dos americanos na direção do Oceano Pacífico é um processo que começou ao fim da Guerra Fria, quando o confronto com a União Soviética deixou de existir. Àquela época, a diplomacia de Washington compreendeu que seus desafios passavam por manter a dominação do país sobre os mares ao redor do mundo para que os Estados Unidos se consolidassem como a maior potência militar do planeta e para garantir a continuidade de seu comércio marítimo. Este processo foi prejudicado na primeira década do século XXI, quando os Estados Unidos concentraram-se nas ocupações do Iraque e do Afeganistão. Mas, foi retomado recentemente com a decisão de retirar as tropas destes países em breve. A reação da China, cujo poderio é o principal alvo da estratégia de Washington, irá criar um delicado confronto político entre as duas maiores forças da região. (Ainda é cedo para dizer que haverá um embate militar entre os dois, apesar de a opção não poder ser descartada para o futuro.) De todo modo, não deixa de ser curioso notar que, na era da alta tecnologia, o Oceano Pacífico esteja sendo palco de uma clássica batalha naval com duas potências disputando hegemonia sobre um mar e sobre seus pontos estratégicos.

O primeiro-ministro do Japão, Yoshihiko Noda, deve anunciar em breve que seu país irá negociar sua adesão à Parceria Trans-Pacífica (TPP, na sigla em inglês). Trata-se da iniciativa de uma zona de livre comércio no Círculo do Pacífico. Já fazem parte do acordo Chile, Brunei, Nova Zelândia e Cingapura. Negociam, Estados Unidos, Austrália, Peru, Malásia e Vietnam.

Recentemente, os americanos passaram a exercer pressão para que os japoneses se juntem ao grupo que prospecta aderir à Parceira. Washington vem voltando suas atenções para o Leste da Ásia, região que historicamente sempre abrigou interesses centrais do país. Afinal, este é o continente que mais produz crescimento econômico no mundo e aonde está a China, principal candidata a rival dos Estados Unidos no século XXI.

Yoshihiko Noda (à dir.) e Barack Obama. Os Estados Unidos querem que o Japão se junte a uma zona de livre-comérico no Círculo do Pacífico.

A adesão do Japão seria importante para os planos dos americanos na região. Juntos, americanos e japoneses responderiam por 90% de tudo o que é produzido pela TPP. A enorme importância econômica do Japão fortaleceria a Parceria, tornando-a um instrumento eficaz para contra-balancear o apetite da China na região. Além do mais, o arquipélago japonês está estrategicamente localizado a leste da costa chinesa. Reforçar a aliança com Tóquio é essencial para os EUA, especialmente em um momento em que a política externa de Pequim tem dado sinais de atividades expansionistas, principalmente no Mar da China Meridional, aonde recentes atividades da marinha chinesa tem criado atritos com países vizinhos que são aliados de Washington, como o Vietnam.

No entanto, o grupo político do primeiro-ministro enfrenta consistente oposição doméstica, principalmente de alguns setores agrícolas que temem serem devorados pela competição internacional. É também relevante um traço característico da cultura japonesa que varia entre momentos de isolamento e outros de expansão. Até o século XIX, por exemplo, o Japão viveu um período de pouquíssimo contato com outros países. Até que, por conta de pressões para se engajar em relações comerciais com as potenciais ocidentais (como vem acontecendo no caso do TPP), o país viveu um processo de abertura, culminando com um projeto imperialista que durou até a derrota da Segunda Guerra Mundial.

Noda acredita que seria mais barato compensar fazendeiros por suas perdas do que privar o país dos potenciais lucros de se juntar ao TPP. A queda nos preços de alguns produtos agrícolas beneficiaria as famílias japonesas. Já setores mais competitivos, como a indústria de carros e de alta tecnologia, poderiam ter ótimos resultados ao se juntar a uma zona de livre comércio que contaria, não apenas com os Estados Unidos, mas também com outros países que apresentam altos índices de crescimento e dinamismo econômico, como Peru e Austrália. Por último, juntar-se ao TPP seria uma maneira de fazer frente à expansão de nações vizinhas e rivais no cenário internacional – principalmente Coreia do Sul e China.

O governo japonês pretende adotar uma posição central nas negociações do TPP  com o objetivo de transmitir ao mundo que o Japão quer exercer um papel importante na política do Leste da Ásia e dos assuntos internacionais como um todo.  Porém, a política interna japonesa não deve dar espaço para nenhuma reforma importante no sentido de liberalizar a economia do país nem de abrir oportunidades para que o Japão se junte a tratados de livre-comércio. Apesar de o atual governo defender esta agenda, falta-lhe capital político para implementá-la. Noda é terceiro líder a ocupar o cargo de primeiro-ministro desde que seu Partido Democrático do Japão voltou ao poder há apenas dois anos. Em termos de popularidade, Noda também não vai bem. Seu governo conta com fraco apoio entre os japoneses por causa de críticas sobre como conduziu o país na época do devastador terremoto de 11 de março o do acidente nuclear na usina de Fukushima na sequência.

Ádan Chávez, à esquerda, irmão mais velho de Hugo Chávez, é apontado como possível sucessor do Presidente da Venezuela

Ao longo das últimas três décadas, a China passou por transformações profundas. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu a uma média anual de cerca de 9,0% e passou da sétima para a segunda posição entre as maiores economias do planeta. A política de abertura, que tirou o país do obscurantismo da Revolução Cultural (1966 – 1976), teve início com a morte de Mao Tsé Tung e a chegada ao poder de Deng Xiaoping. De acordo com a doutrina formulada pelo novo líder no final da década de setenta, a China deveria consolidar o seu forte crescimento sem que isso criasse uma coalizão inimiga que temesse e confrontasse o poderio do país. Em outras palavras, a política externa chinesa deveria ser pautada por ideais de não agressão, em que a China não buscaria assumir uma postura de liderança global, investindo na cooperação com os Estados Unidos e aceitando fazer negócios com qualquer país que reconhecesse a legitimidade do governo de Pequim. No entanto, o atual estágio econômico e político do país desafia este posicionamento – e a continuidade desta política é questionada tanto internamente como por outros países.

Deng tinha várias razões para não querer que a China não ganhasse muito destaque na agenda internacional. Antes de mais nada, o governo comunista chinês temia gerar desconfiança nos  vizinhos soviéticos, o que os incentivaria a agir contra o país. Do mesmo modo, não era interesse chinês entrar em rota de colisão com os Estados Unidos, uma vez que eram os americanos os únicos que poderiam impedir o Exército Vermelho de avançar sobre a China. Além do mais, os Estados Unidos eram vistos como essenciais para a consolidação da estratégia de crescimento econômico chinesa, já que grande parte da tecnologia absorvida pelo chineses vêm de parcerias com os americanos. Por mais de trinta anos, essa foi a maneira como a China se comportou no cenário internacional. No Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), por exemplo, Pequim usou seu poder de veto em apenas duas oportunidades, preferindo se abster de questões das quais discordava.

Entretanto, a pouca disposição em interferir em assuntos de ordem global começa a ficar deslocada no país que mais cresce no mundo e que já vê seus interesses espalhados por diversas regiões do globo. A consolidação da China como potência econômica depende da capacidade do país em assegurar interesses vitais, como acesso a fontes de energia e a pontos estratégicos de navegação. Outro ponto importante da assertividade chinesa está no Exército de Libertação Popular, o maior do mundo em número de tropas, que deve receber mais de US$ 90 bilhões em investimentos em 2011 – e cuja crescente autoconfiança e hostilidade em relação a forças rivais encontra enorme aceitação em um país fortemente nacionalista.

Os desafios para a política externa chinesa vêm crescendo e tendem a ser cada vez maiores. Na África, o apetite chinês por petróleo levou Pequim a se aproximar do governo do Sudão, ainda que Cartum estivesse sob acusação do Ocidente de promover o genocídio de suas minorias étnicas. Agora, com a separação do Sudão do Sul, a China terá de desenvolver uma política para se aproximar do novo Estado, aonde, afinal, estão as reservas de petróleo. Ao mesmo tempo, os principais oleodutos cruzam o norte, o que coloca Pequim numa delicada situação entre dois Estados que já nascem rivais. Ainda no continente, questiona-se qual seria a reação de Pequim no caso de um golpe de estado que nacionalizasse reservas de minérios exploradas com capital chinês em diversos países africanos. Na Ásia, a China tem feito esforços para ampliar sua influência no Mar do Sul da China, que banha diversos países do sudeste do continente, como Filipinas, Malásia, Brunei, Indonésia, Cingapura, Tailândia, Camboja e Vietnam. A região, que foi declarada por Pequim como “interesse central”, além de possuir partes ricas em petróleo (o que tem causado disputas territoriais entre chineses e vietnamitas), é usada por Pequim para treinamentos militares navais por ter águas profundas. Do ponto de vista geopolítico, o Mar é importante para a China por ser uma rota estratégica tanto para a segurança do território chinês quanto para a garantia sobre rotas marítimas essenciais para o enorme comércio do país. As políticas de Pequim no Mar do Sul da China deixam os Estados Unidos inquietos, uma vez que Washington deixou claro que não pretende assistir passivamente à expansão da China numa região em que os americanos têm interesses e aliados importantes.

Desde o fim da Guerra Fria, com o colapso da União Soviética no começo da década de 90, os Estados Unidos reinam absolutos como a única superpotência do mundo. Com a segunda maior economia do planeta, a China deve ocupar a vaga de principal rival dos americanos, ainda que a distância militar e econômica que separa os dois países continue gigantesca. Após manter uma postura discreta na comunidade internacional desde que iniciou seu processo de abertura e de crescimento econômico, Pequim dá sinais de que está repensando esta atitude, seja por vontade própria ou por imposição das circunstâncias. No entanto, diferentemente dos Estados Unidos, a China não foi fundada sob ideais a serem espalhados pelo mundo. A China é uma nação pragmática, que se movimenta de acordo com seus interesses econômicos e políticos. De certa maneira, é fundamental que os chineses se mostrem determinados a buscar os interesses que garantam seu crescimento, uma vez que o país é hoje um grande motor que impulsiona a economia de todo o mundo. No entanto, se as novas diretrizes políticas do gigante asiático passarem a colocar a segurança mundial em perigo, a capacidade de crescimento da economia mundial pode ser afetada.

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