Hoje estou escrevendo da Rússia, em Moscou. A minha amiga e colega, Malu, brincou comigo dizendo: “o Putin chega e você vai pra Rússia”. Com certeza eu não combinei com ele, até porque preferiria encontrá-lo aqui no Kremlin do que em Fortaleza, aonde está acontecendo a Cúpula dos BRICS. Vejo muitas similaridades entre a Rússia e Brasil do ponto de vista social. O país é lindo e as pessoas são simpáticas, mas não vou me estender na parte cultural ou social pois quero falar dos BRICS.

O acrônimo BRIC foi criado em 2001 pelo economista Jim O’Neil, do banco de investimento Goldman Sachs, para agrupar as maiores economias emergentes na época (Brasil, Rússia, Índia, China e posteriormente África do Sul). O termo puramente teórico saiu do papel para virar um frágil e informal grupo político até alcançar um status –na Cúpula de Fortaleza — de bloco semi-institucionalizado. A criação do banco dos BRICS é uma evolução substancial para um grupo tão distinto, mas mesmo assim não dá para ser muito otimista em relação à sua relevância imediata.

O bloco serve muito mais os interesses particulares de cada país do que uma verdadeira coalizão de emergentes aonde os interesses coletivos são evidentes e comuns. A maioria das áreas de convergência recai sobre a vontade de contrapor a Europa e os EUA. Talvez um dos poucos beneficiários dessa convergência seja a África. Todos os países tem laços comerciais fortes com o continente e até mesmo a Rússia (o menos presente) tem aumentado seus investimentos em energia na região.

O fato de os 5 países do grupo serem líderes em suas regiões e terem projeção global, aumenta as pressões domésticas, e as ambições e competição internacional. A realidade política e geopolítica da América Latina (Brasil) é bem diferente da Ásia (China) ou Eurásia (Rússia). O Sul da Ásia (Índia) tem necessidades e rivalidades nucleares bem distintas da imensidão do continente Africano (África do Sul). Algumas dessas regiões conversam politicamente enquanto outras apenas economicamente. Apesar do maior parceiro comercial do Brasil ser a China, somos muito mais isolados politicamente se compararmos às relações entre os outros. China, Índia e Rússia já foram aliados e inimigos em diferentes momentos. Brasil nunca esteve muito próximo deles, inclusive por questões geográficas de distância.

Para que servem os BRICS?

Quais são os interesses de cada país? Como cada um usa o bloco? Vou fazer um breve resumo dos principais interesses de cada país baseados no xadrez atual do mundo.

RÚSSIA

Vladimir Putin, presidente da Rússia, propôs uma integração entre A União Eurasiática (Rússia, Csaquistão e Bielo-Rússia) e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e consequentemente aproximá-lo dos Brics. Putin precisa de alternativas para aliviar a crise geopolítica com a Ucrânia, Europa e EUA. O anúncio do Obama sobre novas sanções apenas reforça a tendência em andamento da Rússia buscar novas opções e parcerias para se fortalecer econômica e politicamente. Isso já foi demonstrado no recente acordo com a China para fornecimento de gás. O bloco é uma ótima plataforma para a Rússia conseguir abrir novas parcerias comerciais e ao mesmo tempo fortalecer sua narrativa e legitimidade diante das últimas crises geopolíticas.

CHINA

Já a China usa o grupo de forma mais simbólica, particularmente para confrontar o sistema internacional criado pelos americanos e construir intituições paralelas. Sendo a maior economia dos 5 países, a China vai arcar com a maior parte dos custos da formação do banco. No fundo, os chineses tem menos a ganhar e usam o bloco de forma mais indireta para exercer seu poder global. Afinal, os chineses já têm espaço internacional suficiente e tentam apenas diversificar sua exposição e projeção de poder. O banco dos BRICS é apenas um dos muitos mecanismos internacionais que a China está engajada. Na Ásia, os chineses estão querendo criar um banco de investimento para infra-estrutura. Portanto, o dragão asiático seguirá usando os BRICS como uma das suas várias alternativas para ampliar seu escopo de projeção de poder.

ÍNDIA

Tem uma gama de problemas que impedem pensar no bloco como algo muito relevante. Os problemas internacionais do país estão mais ligados a questões regionais do que globais. Seu rival e vizinho Paquistão tem armas nucleares e é um estado falido. A Índia é o 4º país do mundo que mais sofre de terrorismo e está próxima dos três primeiros da lista (Afeganistão, Paquistão e Iraque). A ascensão chinesa e sua presença no Oceano Índico complica a vida dos indianos e a harmonia dos BRICS devido à crescente rivalidade dos dois gigantes. Cada vez mais a Índia vai ganhar relevância internacional e sua importância regional já lhe traz bastante visibilidade e desafios. Por isso, os indianos tendem a se manter ocupados e o bloco, por hora, deve ficar em segundo plano.

BRASIL

O Brasil tem dificuldades de projetar poder internacionalmente pois não é ativo nas questões relacionadas com a paz e segurança internacional. O tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança da ONU busca preencher essa lacuna. A liderança regional brasileira é muito mais branda e desordenada por opção e falta de capacidade e planejamento. Ou seja, o Brasil é o país do bloco (excluindo África do Sul) que menos sabe acumular e projetar poder. Por essa razão, os BRICS dão uma visibilidade que o país não consegue em muitos outros fóruns ou interações internacionais. O fato do Brasil trazer outros países da região para participar do encontro em Fortaleza corrobora com a vontade de se apresentar como uma potência global, principalmente para os seus vizinhos. Ou seja, o Brasil é o país que tem mais a ganhar com o grupo. Mas por outro lado é também um dos menos poderosos do grupo e terá mais dificuldades em impor suas vontades. Isso ficou evidente na negociação da primeira presidência aonde o Brasil teve que ceder para a Índia.

ÁFRICA DO SUL

A inclusão da África do Sul no bloco, em 2011, pode ser considerada uma vitória para o líder Africano e um ganho de legitimidade para o grupo. Uma das razões que o país foi escolhido, ao invés de economias maiores como Nigéria e Indonésia, está relacionado com o alinhamento político com os outros membros. Para África do Sul, o desafio será equilibrar sua política externa de responsabilidades de potência emergente com a de liderança de um continente pobre. O enfoque é muito mais de cautela, sem criar grandes problemas no bloco e aproveitar para surfar na onda dos grandes sem ser um deles.

Conclusão e Futuro

Uma maneira de medir a capacidade dos BRICS é compará-lo com um grupo ou instituição global análoga, composta por grandes potências e líderes regionais. O mais próximo é o Conselho de Segurança da ONU com uma vantagem clara de ser um órgão de legitimidade universal ao invés de um grupo de uma classe restrita de países emergentes. Mesmo assim, sabemos muito bem das dificuldades do Conselho em obter consenso e como acaba travado politicamente devido os interesses diversos das potências. Por que um grupo com menos legitimidade global conseguiria obter mais coordenação e resolução?

Artigo Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/16/para-que-servem-os-brics/

 

BRIC - Grupo apresenta diferenças profundas, impossibilitando coordenação nos campos econômico e, principalmente, político

Nos últimos anos, um dos termos mais utilizados no cenário político-econômico internacional foi a sigla BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — hoje atualizada para BRICS — sendo o ‘S’ referência à África do Sul. Apesar desses países estarem vivendo seu melhor momento, em termos de crescimento econômico e relevância política, ainda assim compõem um grupo bastante distinto. Não por acaso, desde que a sigla foi cunhada em 1o de Outubro de 2003, no relatorio “Dreaming with BRICs: The Path to 2050“, publicado pelo banco Goldman Sachs, esse países foram incapazes de criar uma agenda própria e agirem em coalizão sobre qualquer tema – da economia à posicionamentos quanto a questões geopolíticas.

Uma simples análise histórica, sob o prisma do risco político, já aponta falhas na previsão feita pelo Goldman Sachs. Em 2003, o relatório previu que os BRIC serão, até 2050, as economias predominantes do globo, apenas atrás dos EUA e Japão. Uma pergunta objetiva já colocaria em xeque a previsão: o que garante que os objetivos político-econômicos de tais Estados serão os mesmos pelas próximas décadas? Se olharmos para os últimos 47 anos, todos os membros do suposto grupo passaram por mudanças políticas substanciais, com implicações diretas em suas economias.

China - caráter autoritário do regime não se alterou, apesar das mudanças expressivas na estratégia política

Nestas últimas quatro décadas, a China passou por muitas transformações e nem todas elas produziram o desenvolvimento econômico dos últimos 20 anos. A visão política de Mao Zedong não produziu industrialização e desenvolvimento. De forma similar, tratar as decisões políticas dos próximos 47 anos da China como certeiras e únicas é uma grande simplificação de um país altamente complexo politica e socialmente. Dados os diversos desafios geopolíticos e, sobretudo, sociais que os chineses enfrentam no âmbito doméstico, fica evidente que muitos outros cenários poderiam se formar, alterando o curso atual. Bastaria, nos próximos 15 anos, sua economia não crescer os essenciais 8-9%/ano, algo perfeitamente possível, para não só entrar em uma complexa e perigosa crise interna, mas levar consigo diversos outros mercados, que hoje também vivem boomseconômicos devido à excessiva demanda chinesa por recursos naturais e commodities. Tal cenário poderia, sem sombra de dúvidas, colocar em xeque a estrutura política chinesa.

Rússia - até 1991, núcleo do Império Soviético

Na mesma linha de raciocínio, ao longo das últimas quatro décadas, a Rússia deixou de ser o império centrado na União Soviética – que se extendia do Leste europeu ao extremo Oriente e, ao Sul, até a Ásia central – a um país relativamente menor, com um sistema político diferente e altamente dependente de exportações de recursos naturais. Dadas as prioridades politico-sociais russas, é impossível afirmar, baseado somente em dados económicos, que sua estratégia para os próximos quarenta anos será a mesma.

Os objetivos político-econômicos de cada país variam e se adaptam à realidades que mudam conforme o tempo. A análise feita pelo Goldman Sachs trabalha com diversos índices econômicos, o que sem duvida é importante ao se fazer previsões sobre a evolução de Estados. Porém, é impossível afirmar que a estratégia chinesa ou russa, para os próximos 40 anos, será rigorosamente a mesma e que não haverá qualquer mudança política capaz de influenciar a economia. O mesmo se aplica ao Brasil e à Índia.

Por fim, a ausência do componente geopolítico no relatório em questão também é intrigante. Uma análise básica dos BRICS já é suficiente para apontar dúvidas quanto à possibilidade de cada um sofrer uma mudança política considerável. Nos últimos 40-50 anos, cada um dos países em questão viveram diversas transformações. Acreditar que um boom nos últimos 8 anos será suficiente para garantir o status quo por mais três ou quatro décadas é, no mínimo, pretencioso.

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