Por razões óbvias, o programa nuclear iraniano e suas repercussões na região e no mundo tem sido o foco dos debates. E, quando se pensa na Síria, o assunto é o levante de parte da população contra o regime de Bashar al-Assad e suas represálias drásticas se manter no poder.

O fato é que, de forma discreta, o Departamento de Estado dos EUA tem mantido contato com os vizinhos da Síria – Jordânia, Iraque, Líbano e Arábia Saudita – oferecendo auxílio aos mesmos para lidar com um problema mais grave do ponto de vista geopolítico; o arsenal de armas químicas e bacteriológicas que, embora nunca comprovado, é tido por muitos como existente e que, em caso de um colapso no regime de Assad, poderia entrar nestes países através do mercado negro.

Embora a existência de tal arsenal nunca tenha sido comprovada, o mesmo recebe grande credibilidade por parte da comunidade internacional, especialmente no Oriente Médio. As armas, que envolvem gás mostarda e o chamado nerve gas, poderiam ser utilizadas com bombas cluster e mísseis balísticos.

Estes armamentos teriam sido desenvolvidos recentemente como uma forma de contrabalancear o arsenal nuclear de Israel, grande inimigo regional de Damasco. Com a situação interna na Síria se deteriorando a cada dia, a possibilidade deste tipo de arma cair nas mãos de grupos como o Hezbollah ou Hamas tornaria a dinâmica geopolítica regional ainda mais complexa e colocaria a segurança dos Estados vizinhos em xeque.

Este fator torna o processo de tomada de decisão, por parte da comunidade internacional, sobre intervir ou não ainda mais complicado. No Congresso americano, Senadores como John McCain (R), Lindsay Graham (R) e Joe Lieberman (I) já fazem pressão sobre a administração Obama para um plano militar para a Síria. Embora a existência do arsenal de destruição em massa possa acelerar este processo, os obstáculos para tal operação mostram-se difíceis de serem contornados.

A geografia da Síria dificultaria uma operação nos moldes do que ocorreu na Líbia e, além disso, o aparato militar daquele país ofereceria uma resistência maior e mais sólida. É importante lembrar que o exército sírio, apesar de algumas deserções, permanece coeso e fiel ao regime. O mesmo é composto quase que totalmente por alauítas, mesma vertente islâmica de Bashar al-Assad.

Ainda que, num cenário ideal, tais questões fossem contornadas, haveria ainda o fator diplomático. As posições de China e Rússia no Conselho de Segurança da ONU permanecem as mesmas – contra uma intervenção militar – e não dão sinais de que vão mudar no curto-prazo.

A crise síria ganha contornos dramáticos. Embora seja claramente necessária alguma medida para que civis parem de ser mortos de forma sistemática pelo exército, é preciso colocar todas as variáveis na equação para se tomar a decisão mais precisa. A tendência é de que o cenário naquele país não vá mudar tão rapidamente.

Potências ocidentais, representadas hoje pelo Grupo 5+1 – os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha – concordaram em retomar as conversas com o Irã, na tentativa de chegar à uma solução diplomática para a crise que envolve o programa nuclear daquele país. Oficiais israelenses, como esperado, demonstraram ceticismo quanto à oferta iraniana feita através de Saeed Jalili, negociador oficial.

Saeed Jalili, negociador iraniano

A notícia vem em meio à recente vitória esmagadora do grupo do Aiatolá Ali Khamenei nas eleições parlamentares, enfraquecendo o presidente Mahmoud Ahmadinejad e, também, da visita do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu à Washington, durante a qual o Presidente Barack Obama reafirmou o alinhamento entre os dois Estados, o comprometimendo dos EUA com a defesa do Estado judeu mas, também, pediu tempo para que uma solução diplomática seja alcançada.

O Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Yukiya Amano, afirmou que todas as instalações sob obervação da agência têm fins pacíficos. Porém, ele também afirma que há suspeitas de que outras instalações, não-declaradas, estejam direcionadas para fins militares. “O Irã não está nos falando tudo. Essa é a minha impressão” afirmou.

O Presidente Obama e o Primeiro Ministro Netanyahu

As palavras de Obama, pedindo por mais tempo para a diplomacia, foram elogiadas pelo líder supremo do Irã. O mesmo, fortificado após os resultados da última eleição, pode estar ganhando mais tempo, já que o discurso pró-ataque israelense tem se intensificado. Na terça-feira (6), foi anunciado que Netanyahu pediu para o Secretário da Defesa, Leon Panetta, aprovar a venda de bombas anti-bunker para as Forças de Defesa de Israel. Tais artefatos seriam cruciais para aumentar as chances de sucesso de um ataque israelense às instalações iranianas.

Aiatolá Ali Khamenei

A população do Irã vive o medo de um possível confronto militar com o Ocidente. Khamenei, por outro lado, vê nesta guerra fria a possibilidade de o regime revolucionário demonstrar força. O Aiatolá vê os EUA como uma potência em declínio, principalmente regional – e a aquisição do artefato nuclear daria ao Irã o instrumentário necessário para consolidar seu projeto de supremacia regional – algo impensável para Israel e, principalmente, para os Sauditas, que observam atentos o desenrolar desta crise. Logo, é prematuro dizer que a oferta de negociação represente, de fato, um arrefecimento por parte de Teerã.

Israel vive hoje uma situação delicada. Ele parece acreditar que pode conviver com uma derrota na próxima Assembléia Geral das Nações Unidas (AG) – marcadas para o fim deste mês de setembro – em que a Autoridade Palestina pretende colocar em votação o reconhecimento e a inclusão do Estado Palestino como mais novo membro da organização. Afinal, este é o mesmo órgão que já reconheceu os direitos nacionais palestinos em 1988 – sem falar da própria resolução que fundou o Estado de Israel em 1947, que previa um Estado árabe na região – e que equiparou o sionismo a uma ideologia racista em 1975. (Ao contrário do Conselho de Segurança (CS), as decisões a AG não têm valor de lei.) Mas, dessa vez, os palestinos pleiteiam o reconhecimento de um Estado dentro das fronteiras de 1967, consistindo na Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A posição do governo israelense é de os Estados de Israel e da Palestina devem ser divididos por fronteiras que levem em conta mudanças populacionais (há enormes blocos de assentamentos construídos no lado palestino da linha de 1967), a segurança do Estado de Israel e a questão religiosa, uma vez que lugares sagrados para o judaísmo encontram-se na parte ocupada de Jerusalém – considerada por Israel sua capital eterna e indivisível.

De qualquer maneira, é pouco provável que os palestinos consigam voltar de Nova York em setembro como um membro pleno da ONU. Para isto seria necessário uma aprovação do CS, onde o veto americano deve barrar a proposta. Mas, ainda resta a alternativa de ser aceito como “Estado não-membro” (como o Vaticano), para a qual basta conquistar o voto de dois terços dos 193 membros que compõem a AG, o que os palestinos não devem ter dificuldades de conseguir.

Para Israel, a única maneira de impedir este revés no campo diplomático seria voltar à mesa de negociações, admitindo um parceiro com muito mais poder de barganha do que aquele com quem os israelenses negociam desde o início da década de noventa.

Israel parece não querer sucumbir a esta hipótese. Acredita que a vitória dos palestinos na ONU seria um mal menor. Ao mesmo tempo, trabalha nos bastidores diplomáticos para evitar uma derrota, ou que ela pelo menos não seja por um placar muito amplo. A estratégia israelense consiste em convencer outros países de que o estabelecimento do Estado Palestino deve ser feito por meio de negociações bilaterais e que o reconhecimento por parte da ONU antes que as partes tenham chegado a um acordo fere a legitimidade de Israel.

Até o momento, Itália e Alemanha disseram que vão votar contra a resolução, além do tradicional aliado, os Estados Unidos, enquanto o Reino Unido deve se abster. O fato é que a campanha diplomática de Israel não deve obter muito sucesso. A visão que predomina na comunidade internacional é de que boa parte da culpa pela falta de negociações se deve à intransigência de seguidos governos israelenses, que mantiveram a construção de assentamentos nos territórios ocupados e pouco fizeram para diminuir o fardo da presença militar israelense em terras palestinas.

A votação na ONU pode não ser tão catastrófica para Israel como muitos esperam. Até porque, do ponto de vista legal, a acusação pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU de que Israel cometeu crimes de guerra durante a Guerra de Gaza em janeiro de 2009 foi mais grave e Israel sobreviveu a ela. Mas em termos simbólicos, a votação pelo reconhecimento das fronteiras do Estado Palestino tem bem mais poder de repercussão. Ela acontecerá na sede da entidade em Nova York diante dos olhos do mundo todo e virá inundada por discursos dos mais importantes líderes mundiais, que não perderão a chance de defender, em uma tribuna global, a legítima causa de um povo que vive sob ocupação estrangeira há mais de quarenta anos.

Não há como negar que a opinião pública mundial vê Israel com olhos cada vez mais negativos. A operação militar contra a flotilha que tentava furar o bloqueio imposto a Faixa de Gaza em maio de 2010 mostrou a facilidade com que Israel é condenado perante o mundo. Nem o fato do território palestino ser governado pelo fundamentalista islâmico (e terroristas para muitos) Hamas e a evidência de que a embarcação humanitária conduzia diversos membros agressivos de organizações radicais foram suficientes para esconder a má vontade da comunidade internacional com Israel. O argumento da necessidade de defender a segurança do país em uma vizinhança hostil já não é mais totalmente aceito para explicar a belicosidade do Estado judeu.

O reconhecimento do Estado Palestino na ONU também será um potente combustível para o chamado movimento de deslegitimização que, como diz o nome, busca corroer a legitimidade de Israel. Grupos que andam espalhando o discurso anti-Israel pelos Estados Unidos e pela Europa podem ganhar ainda mais voz, ampliando seu campo de atuação das universidades e dos meios acadêmicos para alcançar de forma definitiva a opinião pública.

Ao prolongar a ocupação dos territórios palestinos, Israel coloca em risco sua existência como o conhecemos hoje. O risco, num prazo que parece cada vez mais curto, é que a pressão contra Israel se transforme em sanções econômicas e políticas como as que implodiram o regime racista da África do Sul. (Não é à toa que seus opositores insistem em classificar Israel como um Estado de apartheid.)

É possível que a votação em setembro na ONU seja mais uma das expressões de descontentamento do mundo com Israel, algo que o país considera um traço de antissemitismo, um sentimento que, na visão de muitos israelenses, faz com que o mundo sempre culpe os judeus por todos seus males. É possível também, que os votos em setembro fortifiquem a tentativa de transformar Israel em um Estado pária, algo com que um país pequeno e cercado por inimigos não pode se dar ao luxo de conviver.

O governo israelense, populista e refém de uma coalizão dominada por partidos políticos de direita, parece disposto a correr esse risco. Contam, para isso, com o incondicional apoio dos Estados Unidos, ainda que esta parceria esteja dando pequenos e leves sinais de distanciamento desde o início do governo do presidente Barak Obama. O problema é que se a estratégia der errado, aquilo que tanto se quer evitar – negociar com um parceiro mais poderoso – pode se provar a única alternativa para garantir a sobrevivência do país. Seria, é claro, um colossal tiro no pé, porque esta alternativa obrigaria Israel a chegar ainda mais combalido às mesas de negociações. Do ponto de visto geopolítico, é essencial compreender que Israel continuará buscando seus interesses em manter a frágil segurança de um pequeno país cercado por inimigos. As incertezas causadas pelas revoltas populares que se espalham pelo Oriente Médio combinadas com derrotas diplomáticas podem desembocar em um Estado de Israel que se sente ainda mais acuado e inseguro. O resultado dessa equação pode ser a elevação do risco de guerra na região.

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