Sanções são uma ferramenta política diplomática de ameaças e incentivo — negativas ou positivas. Normalmente, tais ferramentas são percebidas como o mais visível de todos os instrumentos de poder econômico. Sanções negativas vão desde embargos até congelamento de ativos financeiros. Do lado positivo, temos de ajuda financeira até acesso favorável a mercados.

Como todas as formas de poder, sanções econômicas dependem do contexto, propósito, e habilidade em converter recursos em comportamento desejado. Existe muita controvérsia sobre o impacto e efetividade das sanções. Para medi-las é preciso ter clareza sobre seus objetivos. Esses incluem mudança de comportamento, contenção, e mudança de regime. Em outras palavras, coerção, limitação e sinalização.

No início da semana que passou os EUA decidiram sancionar indivíduos e a UE também trouxe a sua lista de russos e ucranianos. Em resposta, os russos retaliaram sancionando políticos americanos. Será que as sanções contra a Rússia vão fazer Putin mudar de ideia e abandonar a Crimeira? Sem dúvida, não! Será que o risco de endurecer as sanções pode fazer ele desistir de anexar mais territórios da Ucrânia (como o leste do país)?

A sabedoria convencional diz que sanções econômicas não funcionam. Em parte não funcionam porque o mundo é muito grande e sanções unilaterais são menos efetivas que sanções universais. Se todos os países do mundo decidissem se juntar aos EUA e UE com certeza a pressão contra a Rússia seria mais intensa. Outra consideração seria o escopo das sanções. Sancionar alguns indivíduos é bem diferente de sancionar o setor mais importante da economia russa — petróleo. Os Europeus não aprovariam nenhuma sanção econômica de peso contra o setor energético russo devido a sua dependência com o mesmo. Outro problema é o fato de sanções severas afetarem a economia como um todo, e consequentemente a população, ao invés dos oligarcas russos.

Para investidores e o mercado, os desdobramentos das sanções são importantes. Desde a primeira lista americana publicada, na segunda feira, com 11 individuos, empresas russas repatriaram bilhões de dólares com medo que novas sanções possam congelar seus ativos. O inverso também está acontecendo; bilhões de dólares deixando a Rússia devido ao medo das instituições financeiras europeias de retaliação. Bancos americanos estão vendendo títulos russos. O governo russo por outro lado está diminuindo sua exposição aos Títulos do Tesouro Americano. O Banco Central da Rússia tinha U$138 bilhões de títulos da divida americana em dezembro. Na semana passada esse numero caiu para U$105 bilhões.

Somente 2% das exportações russas vão para os EUA. A maioria dessas exportações pode ser substituída por serem commodities. Em termos de importação, aproximadamente 5% das importações russas vem dos EUA. No setor financeiro os bancos russos tem pouca exposição ao mercado americano. No fim de 2013, os russos tinham $20 bilhões depositados nos bancos americanos — uma pequena parte dos $750 bilhões depositados em seus bancos. Os EUA possuem $56 bilhões em papeis russos — 6% do total de $870 bilhões de capitalização do mercado. A maioria das empresas russas (especialmente estatais) não estão listadas no mercado americano e sim no mercado de Londres ou Frankfurt.

Portanto, não tem muito que Washington possa fazer para realmente afetar os russos a menos que esteja disposta a tomar medidas drásticas e banir empresas americanas de fazer negocio no país.

O único objetivo restante, por trás das sanções americanas, com alguma funcionalidade prática é enviar um sinal. É importante indicar para os outros países do mundo, e da região, que algo está sendo feito. Ao mesmo tempo, Obama mostra para a população americana que os EUA não estão passivos e se curvando diante da ofensiva russa.

Talvez tão importante quanto medir a efetividade das sanções é saber quais são as alternativas existentes. Força militar é normalmente mais efetiva, mas pode ser mais custosa e mais trazer conseqüências graves. O exemplo de Cuba retrata bem isso. Durante a Crise dos Mísseis, os custos de usar a força militar para remover Castro eram enormes, incluindo o risco de uma guerra nuclear. Por outro lado, não fazer nada no auge da Guerra Fria seria comprometedor do ponto de vista da competição política entre EUA e União Soviética. Ou seja, sanções econômicas — na forma do embargo — não foram capazes de derrubar Castro, mas eram a melhor alternativa dentre as opções de não fazer nada ou intervir militarmente.

Já que os EUA não estão dispostos (Europa menos ainda) a confrontar militarmente a Rússia, sanções econômicas são a única ferramenta política restante capaz de impor algum custo aos russos. O problema é que o pacote atual de sanções só gera custos simbólicos.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/25/impacto-e-utilidade-das-sancoes-economicas-contra-russia/

O mundo está focado em dois acontecimentos distintos: crise na Ucrânia e o desaparecimento do avião da Malásia. Apesar desses eventos parecerem tão dispares, é possível identificar muitos pontos aonde eles se encontram. Alguns vão me perguntar: “Heni, pra que perder tempo com essa ligação?” Meu objetivo é mostrar que no século 21 a política permeia tudo o que acontece, e pela ótica do risco político global um acontecimento se relaciona e repercute com diversos outros.

Não se sabe ainda o que aconteceu com o avião da cia aérea da Malásia, mas mesmo assim podemos analisar as ligações e relações políticas diversas do acontecimento. A maioria dos passageiros eram chineses. Existem suspeitas de que o voo tenha sido alvo de alguma sabotagem ou ataque terrorista (até mesmo alvo de pirataria). Se esse for o caso, um dos grupos com interesse em atacar os chineses está sediado na região “autônoma” de Xinjiang, composta pela minoria dos Uigures – povo de origem turcomena. Alguns grupos separatistas dessa região — como o East Turkestan Islamic Movement (ETIM) — tem ligações com grupos radicais de outros países, como Taliban do Paquistão e al-Qaeda. Inclusive, o ETIM é denominado um grupo terrorista pelos americanos e está incluído na lista do Departamento de Estado como um dos grupos separatistas mais extremistas do mundo.

Com a tensão na Ucrânia colocando o Ocidente em rota de colisão com a Rússia, uma pergunta natural seria sobre a posição dos chineses nessa crise. Até mesmo para os chineses, parceiros diplomáticos costumeiros dos russos, a invasão da Crimeia representa sérios problemas porque viola um dos seus princípios mais sagrados de política externa: o principio de não intervenção. As regiões do Tibet e Xinjiang poderiam usar a questão da Crimeia como um precedente internacional para separação. É importante esclarecer algo que parece não ter ficado devidamente claro sobre a gravidade do que a Rússia está fazendo. Muitos podem dizer ou comparar a violação russa com alguma guerra preventiva americana ou derrubada de regime (Saddam Hussein, no Iraque) e apontar para a normalidade de tais eventos nas relações internacionais. A comparação não é valida porque os EUA não invadiram o Iraque com intuito de incorpora-lo ao seu território. O objetivo não era transformar o território iraquiano em um território americano anexado. Anexar territórios de outros países alterando fronteiras consolidadas sempre foi algo muito serio, ainda mais nos dias de hoje.

Além do dilema diplomático, a China também terá que equilibrar seus interesses e parcerias comerciais com a Ucrânia. A Ucrânia vendeu para a China o seu primeiro porta-aviões, continua fornecendo muitas armas, e arrendou 5% das suas terras para companhias estatais chinesas em troca de projetos de infra-estrutura.

Se o voo 370 tiver sido alvo de um grupo terrorista isso aproximaria os chineses dos americanos pela natural importância do tema na agenda americana. Ao mesmo tempo, os russos também sofrem problemas com grupos radicais separatistas e simpatizariam com as preocupações chinesas. Talvez tanto Rússia quanto EUA tenham o mesmo poder de atração com os chineses dentro do quesito terrorismo/separatismo. Para entendermos realmente qual posição a China tomaria precisamos considerar muitos fatores. Entretanto, um deles vale a pena ser mencionado porque confere uma vantagem única para os EUA e tem ajudado a manter sua supremacia global.

Enquanto os EUA não se mostram dispostos para usar sua musculatura militar no confronto direto com a Rússia, estão usando a força militar através do Soft Power. Esse termo explica como recursos (força militar, cultura, valores, capital, etc) podem ser usados para produzir certas respostas ou ações (atração, cooptação e persuasão). O poder militar tem outras dimensões além daquelas de confronto bélico e imposição de vontades através da força superior. É possível usar o poder militar para ganhar confiança, gerar atracão ou cooptar os outros. Colocar navios militares e seu aparato de inteligência para oferecer ajuda ou assistência é uma forma de conquistar corações e mentes.

O Departamento de Inteligência Naval da Marinha Americana tem um histórico de sucesso na recuperação de navios, submarinos, pilotos e armas no oceano. Um desses casos foi a localização do submarino Scorpio, em 1968, quando afundou no norte do Atlântico. Por enquanto, a divisão de submarinos da marinha americana ainda não foi chamada para participar das buscas do voo 370. Até mesmo as buscas estão sujeitas a questões de segurança nacional como revelações sobre a capacidade e tecnologia dos satélites militares dos países. A China, por exemplo, dificilmente vai redirecionar os seus satélites militares para ajudar nas buscas com receio de revelar informações preciosas sobre a capacidade dos seus equipamentos. Para os EUA fica mais fácil usar essa vantagem militar sem se expor. Desastres e acidentes globais permitem os americanos exercerem seu poder brando e ganhar mais apoio mundial — um diferencial vital na hora de lidar com os confrontos diretos.

Não sabemos o desfecho da crise na Ucrânia e muito menos as causas do desaparecimento do voo 370, mas podemos analisar como eventos diversos se ligam facilmente dentro do universo da política. No mundo da política internacional é preciso transcender explicações unidimensionais e perceber como situações únicas podem impactar questões diversas.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/17/politica-voo-370-russia-ucrania-china-soft-power/

A ocupação militar da Crimeia pela Rússia representa o fim da estabilidade territorial europeia no pós-Guerra Fria. Por um lado, a Crimeia tem um significado estratégico militar limitado para os russos, apesar de sediar a base naval da sua Frota do Mar Negro. Na verdade, a real importância da península é de ordem geoestrategica uma vez que o controle total da Ucrânia alteraria o equilíbrio de poder global em favor da Rússia.

A condição geopolítica russa fez com que as preocupações de segurança nacional sempre tivessem uma importância acima da média se comparado com outras nações. Isso faz com que cada evento ou movimento ao redor do seu território (ou área de influencia) seja visto como uma ameaça mortal. Do ponto de vista do risco político global, não importa o quanto fundamentadas sejam as considerações russas e suas supostas justificativas. Permitir que a Rússia abocanhe um país do tamanho da Ucrânia é extremamente grave para a ordem mundial.

É importante deixar claro que a decisão russa de usar força militar é consciente e visa mandar um sinal de mudança de jogo. Moscou poderia ter usado sua costumeira pressão econômica, por exemplo, via gás natural. Não o fez por escolha, e com propósito. O Putin de 2014 não é o mesmo de 2004, ou até mesmo o de 2008 (quando invadiu a Georgia). O ex-KGB tem se mostrado desinteressado em aproximar a Rússia com a Europa. Seu projeto de país vislumbra uma Rússia nos moldes do Império Soviético e já deixou claro que está disposto a sacrificar os interesses econômicos por esse objetivo. O risco de abalar a reputação ou imagem internacional de seu país também não altera seus cálculos. Nem mesmo os 7 anos de preparativos e uma conta de 50 bilhões de dólares para sediar os Jogos de Sochi – que tinham como objetivo polir a imagem do país – foram suficientes para brecar suas ambições imperiais.

Uma revisão do status quo soberano abre precedentes que irradiariam insegurança para todos os membros do leste da OTAN e especialmente os países Bálticos–Lituânia, Estônia e Letônia (com as maiores minorias russas). A violação russa não se limita a soberania ucraniana mas também descumpre o Memorando de Budapeste quando a Rússia se comprometeu a não ameaçar ou atacar o território ucraniano. Depois da queda da União Soviética, a Ucrânia ficou em posse de muitas armas nucleares russas e concordou em devolver o arsenal somente depois de negociado garantias de proteção e segurança contra ofensivas futuras.

A crise Ucraniana elevou a polarização entre o Ocidente e Oriente dentro da periferia da antiga União Soviética. Moldova e Georgia estão buscando uma aproximação com o Ocidente para garantir sua segurança. Moldova enxerga a situação na Crimeia como uma replica da sua província (separatista e pro-russa) da Transnístria. Por outro lado, a Armênia anunciou que vai acelerar seu processo de adesão a União Euroasiática (uma espécie de União Europeia da Eurasia comanda pela Rússia). O país que já abriga uma base militar russa e laços econômicos sólidos está caminhando para uma integração ainda maior. No mundo pós-Crimeia, países como Polônia, Georgia, Ucrânia, Hungria, Romênia, Lituânia estão se perguntando se os EUA são aliados confiáveis e capazes de protege-los. Vai conquistar a fidelidade desses países aquele que demonstrar mais firmeza e força.

Globalmente falando também teríamos precedentes perigosos. Outras potências revisionistas poderiam pensar em recuperar territórios perdidos do passado. Se o argumento russo é de que deve controlar a Crimeia porque tem que proteger suas minorias, o que dizer da minoria chinesa na Tailândia ou Vietnam? E a minoria iraniana na Arabia Saudita? A lista é grande!

Independente do Putin ganhar ou perder na Ucrânia, as chances da Rússia se tornar um parceiro na solução dos problemas do mundo diminuíra drasticamente. No Oriente Médio, por exemplo, os impactos serão evidentes. Bashar al-Assad da Síria será o primeiro a ter certeza que escolheu o aliado e estratégia certa. E o acordo nuclear com o Irã? A vontade dos EUA em resolver rapidamente o dilema nuclear somado a intenção da Rússia em impedir o progresso americano vão fortalecer o Irã nas negociações daqui para frente.

Mais uma vez, a pergunta central é por que os brasileiros precisam entender a crise política de um país que representa apenas somente 0.2% do PIB global? A crise já atingiu os mercados financeiros do mundo. O benchmark de Moscou caiu 9.4% e o rublo atingiu seu ponto mais alto em relação ao dólar. Todas as empresas com exposição aos mercados ucraniano e russo experimentaram fuga de capitais. O Dow Jones, S&P, FTSE, Euro Stoxx caíram. Os mercados de energia também foram muito afetados. 80% do gás natural russo que vai para Europa passa pela Ucrânia e 40% do gás importado da Europa vem da Rússia. O preço do gás natural subiu 6% nos mercados ingleses e as ações da Gazprom caíram 10%. Em caso de um agravamento da crise e corte no fornecimento do gás, a Europa tem 18 dias de gás estocado. Essa é uma pequena amostra de como entender o que acontece na Ucrânia pode ajudar a medir os riscos políticos nos mercados.

Artigo original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/03/04/por-que-o-ocidente-nao-pode-deixar-a-russia-dominar-a-ucrania/

Topo