A presença, no último fim de semana, do Presidente Barack Obama em Bali, na Indonésia, para participar da reunião de Cúpula do Leste Asiático (EAS, na sigla em inglês) na sequência do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) no Havaí, deixou para muitos a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a redirecionar sua política externa para o Oceano Pacífico. De fato, há diversos fatores geopolíticos para que Washington busque um maior engajamento na região.

O Presidente Obama e outros líderes durante reunião da APEC no Havaí no dia 13 de novembro de 2011.

Não seria correto, entretanto, dizer que os americanos estão preparando um retorno ao Leste da Ásia porque os Estados Unidos jamais o deixaram. Desde a vitória na Segunda Guerra Mundial, a Marinha americana é soberana sobre as águas do Pacífico. No entanto, há uma percepção de que o continente asiático passa por profundas transformações, principalmente motivadas pela ascensão da China. O objetivo dos americanos é agir para que os interesses dos Estados Unidos sejam mantidos (ou, ao menos, maximizados) neste novo status quo.

A importância da Ásia para Washington é enorme. Cerca de metade da atividade econômica do mundo todo está lá. Em um momento de crise nos dois lados do Atlântico, é essencial que os Estados Unidos impulsionem sua economia por meio do comércio com seus parceiros asiáticos. Ciente desta necessidade, o Congresso americano aprovou no mês passado um acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul. Ao mesmo tempo, a diplomacia do país vem concentrando forças nas negociações da Parceria Trans-Pacífica, que recentemente passaram a contar com o Japão. (Ainda é incerto se Tóquio irá aderir à zona de livre-comércio no Pacífico, mas só o fato de o país ter aceitado negociar já é uma vitória para os americanos.)

O principal desafio, atualmente, à hegemonia americana na região vem de Pequim. Há três principais fatores para que os chineses busquem uma postura mais atuante na política asiática. Em primeiro lugar, a economia da China é fortemente dependente de comércio externo. Para manter seu crescimento econômico, a China precisa ser capaz de importar insumos e commodities e, na falta de um mercado interno robusto, precisa exportar aquilo que produz. O temor de Pequim é que, sem uma presença relevante do país nos mares do Pacífico, forças hostis (entenda-se os Estados Unidos) tenham o poder de bloquear pontos de navegação marítima que comprometam o comércio e a economia chinesa. Outro ponto diz respeito à capacidade militar do país. Há vinte anos sem o perigo de um confronto com a União Soviética e com regiões separatistas, como o Tibete, sob relativo controle, as fronteiras chinesas se encontram hoje mais seguras do que em toda a história recente do país. (Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, a China enfrentou constantes invasões externas, de forças como do Reino Unido e do Japão.) O resultado é que Pequim pôde concentrar maiores recursos para a construção de uma Marinha que possa, no futuro, atender aos interesses estratégicos e econômicos do país. (A distância entre as capacidades militares da China e dos Estados Unidos ainda é gigante, apesar dos importantes avanços feitos pelos chineses nas últimas décadas.) Por fim, o complexo e custoso envolvimento de Washington no Oriente Médio depois dos atentados de Onze de Setembro deram à China espaço para agir no Pacífico com certa liberdade nos últimos dez anos.

O Presidente Obama e a Primeira-Ministra Julia Gillard (segundo plano) anunciam acordo militar na base de Darwin, Austrália, no dia 16 de novembro de 2011.

É evidente, no entanto, que os Estados Unidos estão poucos dispostos a ceder espaço para navios chineses. Isto ficou bastante claro na escala que Obama fez na Austrália na semana passada, justamente entre as reuniões na Indonésia e no Havaí. Em Canberra, o Presidente anunciou um extenso pacote de cooperação militar entre os dois países. Bases navais e aéreas no Norte e no Oeste da Austrália terão maior presença de forças e equipamentos americanos. Além de reforçar a coordenação entre aliados historicamente próximos, o acordo tem como meta explorar a estratégica localização australiana. A partir da base de Darwin, por exemplo, os Estados Unidos têm rápido acesso ao Estreito de Malacca, a passagem que liga os Oceanos Índico e Pacífico, enquanto se mantêm distantes dos mísseis balísticos chineses.

 

A Austrália e o Estreito de Malaca, um ponto estratégico para o comércio marítimo por ligar os Oceanos Índico e Pacífico.

A estratégia de Washington consiste em criar um balanço de poder na região através de sua presença militar e de seu engajamento político. O objetivo é diminuir o espaço de manobra de Pequim e incentivar os chineses a negociarem os termos de uma nova realidade para o Pacífico de modo a manter o poder americano. Porém, segundo a visão da China, suas atividades para perseguir interesses nacionais em sua própria vizinhança são um direito naturalmente conferido por ser o país uma potência regional. A situação que se desenha neste cenário é a de crescentes contrastes entre os interesses dos Estados Unidos e da China no Leste de Ásia.

No último mês de agosto, a China começou a navegar seu primeiro porta-aviões.

O realinhamento da estratégia internacional dos americanos na direção do Oceano Pacífico é um processo que começou ao fim da Guerra Fria, quando o confronto com a União Soviética deixou de existir. Àquela época, a diplomacia de Washington compreendeu que seus desafios passavam por manter a dominação do país sobre os mares ao redor do mundo para que os Estados Unidos se consolidassem como a maior potência militar do planeta e para garantir a continuidade de seu comércio marítimo. Este processo foi prejudicado na primeira década do século XXI, quando os Estados Unidos concentraram-se nas ocupações do Iraque e do Afeganistão. Mas, foi retomado recentemente com a decisão de retirar as tropas destes países em breve. A reação da China, cujo poderio é o principal alvo da estratégia de Washington, irá criar um delicado confronto político entre as duas maiores forças da região. (Ainda é cedo para dizer que haverá um embate militar entre os dois, apesar de a opção não poder ser descartada para o futuro.) De todo modo, não deixa de ser curioso notar que, na era da alta tecnologia, o Oceano Pacífico esteja sendo palco de uma clássica batalha naval com duas potências disputando hegemonia sobre um mar e sobre seus pontos estratégicos.

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