O ano começou (acabou o carnaval), mas os problemas do nosso país são antigos. O Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu o cargo clamando, em seu discurso de posse, que iria acabar com o patrimonialismo. O termo patrimonialismo é mais comum no vocabulário de sociólogos e cientistas políticos ao invés de economistas. Dentre os sociólogos, Max Weber usou a palavra “patrimonial” para descrever governos que servem ou favorecem os interesses de uma rede de amigos, familiares, apadrinhados e afiliados políticos que demonstram lealdade aos donos do poder. O inverso – o estado não patrimonialista –  defende os interesses da sociedade como um todo de forma impessoal; as instituições e cargos públicos existem para servir a nação e não podem ser usados para ganhos privados.

O patrimonialismo não é um problema exclusivo do Brasil e muito menos um desafio contemporâneo. O termo clássico foi inclusive substituído pela sua versão moderna. Nem mesmo os ditadores mais corruptos acreditam – como reis e sultões acreditavam – que são literalmente donos do estado, e podem fazer tudo o que desejam. Por isso, o patrimonialismo evoluiu para neopatrimonialismo, um estado com uma aparência estrutural externa convencional – com instituições, sistema legal, eleições e outros – mas internamente governado por interesses privados. Alguns teóricos classificam essa nova forma de patrimonialismo de “ordem de acesso limitado”, modelo no qual uma elite política usa o seu poder para impedir a competição na economia e no sistema político. Outros chamam esse fenômeno de ordem “extrativista”. Em um momento da história humana, todos os governos podiam ser classificados de patrimonialistas, de acesso limitado ou extrativistas.

Estado Moderno 

A pergunta óbvia é como essas estruturas patrimonialistas evoluíram para o estado moderno. Nenhuma sociedade é capaz de evoluir sem uma ordem política. Essa ordem é um produto da consolidação de três categorias básicas de instituições: o estado, estado de direito, e mecanismos de fiscalização. O estado é a organização centralizadora que estabelece a ordem e segurança física através monopólio do uso legitimo da força, em um determinado território. O estado de direito estabelece uma sociedade governada por um código de leis e regras estabelecidas. Essas leis são vinculantes até para os mais poderosos, sejam eles presidentes, reis, ou primeiro ministros. Se as leis forem alteradas para satisfazer os interesses dos “donos do poder” não temos um estado de direito. A peça central da funcionalidade do estado de direito é existência de um poder judiciário autônomo ao poder executivo. O terceiro pilar é a accountability, a responsabilidade do governo em proteger os interesses da sociedade – Aristóteles chamava isso de “bem comum” – ao invés dos interesses pessoais de poucos. Nas democracias modernas, accountability existe no processo democrático eleitoral. Eleições periódicas são conduzidas de forma livre e justa para escolher representantes em um sistema multipartidário.

O desafio de qualquer sociedade é criar um estado forte com capacidade de entregar bens públicos, como segurança, e aplicar as leis. Mas ao mesmo tempo, um estado com poder limitado que só será usado de forma controlada e consensual. Portanto, por um lado o estado deve ser forte e capaz, mas limitado para agir dentro de parâmetros estabelecidos pela lei.

A China tem um estado forte e bem desenvolvido, mas sem estado de direito e accountability. Estados falidos, como Somália ou Haiti, não possuem nenhuma das três estruturas políticas. Em contraste, uma democracia liberal desenvolvida, como Dinamarca ou Suíça, possuiu as três. Para citar uma das principais características do neopatrimonialismo africano, por exemplo, é preciso entender a “lei do personalismo”. A política sempre foi centrada ao redor da figura do Presidente ou Big Man (conceito político que explica a concentração de poder nas mão de um único indivíduo). Praticamente todos os sistemas políticos da Africa, no período pós-colonial, eram presidencialistas ao invés de parlamentaristas. Os líderes africanos se apresentavam como uma mistura de pai e chefe da máfia. Por exemplo, Julius Nyerere, da Tanzânia, exigia ser chamado de “Professor”, e Mobutu, do Zaire, usava um chapéu de leopardo, óculos escuros e carregava um bastão cerimonial. Até pouco tempo atrás, poucos presidentes africanos entregaram o poder pacificamente para seu sucessor, como George Washington fez após servir por dois mandatos.

Fatores Modernizantes  

Ao longo da história alguns fatores contribuíram para a modernização dos estados. Um deles foi a competição militar; a presença de inimigos e ameaças demandou a criação de um estado eficiente. Por exemplo, a posição geopolítica desfavorável exigiu tanto da China antiga como da Prussia (precursora da Alemanha unificada) que compensassem essa deficiência militar através da criação de uma administração pública eficiente. Outro fator foi a mobilização e inserção social gerada pela industrialização. O crescimento econômico emancipou novos grupos que passaram a participar do sistema político. Essa foi parte da explicação da modernização do estado americano. Na época o clientelismo imperava. Foi necessário uma coalização de novos atores sociais – composta por empresários prejudicados pela má administração pública; fazendeiros do oeste se opondo aos interesses corruptos dos ferroviários; e uma nova classe média profissional e urbana – para transformar a governança do país.

O problema do Brasil e da grande maioria dos países em desenvolvimento é virar uma “Dinamarca”. Em outras palavras, ser capaz de se desenvolver politicamente. O entendimento comum da política enxerga apenas ideologias, partidos políticos ou políticas publicas. Presidentes vem e vão, leis podem ser alteradas, legisladores mudam, mas as regras fundamentais que organizam o estado e definem a ordem política devem ser sólidas.

Artigo original blog Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2015/02/26/patrimonialismo-o-desafio-politico/

Hoje estou escrevendo da Rússia, em Moscou. A minha amiga e colega, Malu, brincou comigo dizendo: “o Putin chega e você vai pra Rússia”. Com certeza eu não combinei com ele, até porque preferiria encontrá-lo aqui no Kremlin do que em Fortaleza, aonde está acontecendo a Cúpula dos BRICS. Vejo muitas similaridades entre a Rússia e Brasil do ponto de vista social. O país é lindo e as pessoas são simpáticas, mas não vou me estender na parte cultural ou social pois quero falar dos BRICS.

O acrônimo BRIC foi criado em 2001 pelo economista Jim O’Neil, do banco de investimento Goldman Sachs, para agrupar as maiores economias emergentes na época (Brasil, Rússia, Índia, China e posteriormente África do Sul). O termo puramente teórico saiu do papel para virar um frágil e informal grupo político até alcançar um status –na Cúpula de Fortaleza — de bloco semi-institucionalizado. A criação do banco dos BRICS é uma evolução substancial para um grupo tão distinto, mas mesmo assim não dá para ser muito otimista em relação à sua relevância imediata.

O bloco serve muito mais os interesses particulares de cada país do que uma verdadeira coalizão de emergentes aonde os interesses coletivos são evidentes e comuns. A maioria das áreas de convergência recai sobre a vontade de contrapor a Europa e os EUA. Talvez um dos poucos beneficiários dessa convergência seja a África. Todos os países tem laços comerciais fortes com o continente e até mesmo a Rússia (o menos presente) tem aumentado seus investimentos em energia na região.

O fato de os 5 países do grupo serem líderes em suas regiões e terem projeção global, aumenta as pressões domésticas, e as ambições e competição internacional. A realidade política e geopolítica da América Latina (Brasil) é bem diferente da Ásia (China) ou Eurásia (Rússia). O Sul da Ásia (Índia) tem necessidades e rivalidades nucleares bem distintas da imensidão do continente Africano (África do Sul). Algumas dessas regiões conversam politicamente enquanto outras apenas economicamente. Apesar do maior parceiro comercial do Brasil ser a China, somos muito mais isolados politicamente se compararmos às relações entre os outros. China, Índia e Rússia já foram aliados e inimigos em diferentes momentos. Brasil nunca esteve muito próximo deles, inclusive por questões geográficas de distância.

Para que servem os BRICS?

Quais são os interesses de cada país? Como cada um usa o bloco? Vou fazer um breve resumo dos principais interesses de cada país baseados no xadrez atual do mundo.

RÚSSIA

Vladimir Putin, presidente da Rússia, propôs uma integração entre A União Eurasiática (Rússia, Csaquistão e Bielo-Rússia) e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e consequentemente aproximá-lo dos Brics. Putin precisa de alternativas para aliviar a crise geopolítica com a Ucrânia, Europa e EUA. O anúncio do Obama sobre novas sanções apenas reforça a tendência em andamento da Rússia buscar novas opções e parcerias para se fortalecer econômica e politicamente. Isso já foi demonstrado no recente acordo com a China para fornecimento de gás. O bloco é uma ótima plataforma para a Rússia conseguir abrir novas parcerias comerciais e ao mesmo tempo fortalecer sua narrativa e legitimidade diante das últimas crises geopolíticas.

CHINA

Já a China usa o grupo de forma mais simbólica, particularmente para confrontar o sistema internacional criado pelos americanos e construir intituições paralelas. Sendo a maior economia dos 5 países, a China vai arcar com a maior parte dos custos da formação do banco. No fundo, os chineses tem menos a ganhar e usam o bloco de forma mais indireta para exercer seu poder global. Afinal, os chineses já têm espaço internacional suficiente e tentam apenas diversificar sua exposição e projeção de poder. O banco dos BRICS é apenas um dos muitos mecanismos internacionais que a China está engajada. Na Ásia, os chineses estão querendo criar um banco de investimento para infra-estrutura. Portanto, o dragão asiático seguirá usando os BRICS como uma das suas várias alternativas para ampliar seu escopo de projeção de poder.

ÍNDIA

Tem uma gama de problemas que impedem pensar no bloco como algo muito relevante. Os problemas internacionais do país estão mais ligados a questões regionais do que globais. Seu rival e vizinho Paquistão tem armas nucleares e é um estado falido. A Índia é o 4º país do mundo que mais sofre de terrorismo e está próxima dos três primeiros da lista (Afeganistão, Paquistão e Iraque). A ascensão chinesa e sua presença no Oceano Índico complica a vida dos indianos e a harmonia dos BRICS devido à crescente rivalidade dos dois gigantes. Cada vez mais a Índia vai ganhar relevância internacional e sua importância regional já lhe traz bastante visibilidade e desafios. Por isso, os indianos tendem a se manter ocupados e o bloco, por hora, deve ficar em segundo plano.

BRASIL

O Brasil tem dificuldades de projetar poder internacionalmente pois não é ativo nas questões relacionadas com a paz e segurança internacional. O tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança da ONU busca preencher essa lacuna. A liderança regional brasileira é muito mais branda e desordenada por opção e falta de capacidade e planejamento. Ou seja, o Brasil é o país do bloco (excluindo África do Sul) que menos sabe acumular e projetar poder. Por essa razão, os BRICS dão uma visibilidade que o país não consegue em muitos outros fóruns ou interações internacionais. O fato do Brasil trazer outros países da região para participar do encontro em Fortaleza corrobora com a vontade de se apresentar como uma potência global, principalmente para os seus vizinhos. Ou seja, o Brasil é o país que tem mais a ganhar com o grupo. Mas por outro lado é também um dos menos poderosos do grupo e terá mais dificuldades em impor suas vontades. Isso ficou evidente na negociação da primeira presidência aonde o Brasil teve que ceder para a Índia.

ÁFRICA DO SUL

A inclusão da África do Sul no bloco, em 2011, pode ser considerada uma vitória para o líder Africano e um ganho de legitimidade para o grupo. Uma das razões que o país foi escolhido, ao invés de economias maiores como Nigéria e Indonésia, está relacionado com o alinhamento político com os outros membros. Para África do Sul, o desafio será equilibrar sua política externa de responsabilidades de potência emergente com a de liderança de um continente pobre. O enfoque é muito mais de cautela, sem criar grandes problemas no bloco e aproveitar para surfar na onda dos grandes sem ser um deles.

Conclusão e Futuro

Uma maneira de medir a capacidade dos BRICS é compará-lo com um grupo ou instituição global análoga, composta por grandes potências e líderes regionais. O mais próximo é o Conselho de Segurança da ONU com uma vantagem clara de ser um órgão de legitimidade universal ao invés de um grupo de uma classe restrita de países emergentes. Mesmo assim, sabemos muito bem das dificuldades do Conselho em obter consenso e como acaba travado politicamente devido os interesses diversos das potências. Por que um grupo com menos legitimidade global conseguiria obter mais coordenação e resolução?

Artigo Exame orginal: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/16/para-que-servem-os-brics/

 

A Copa do Mundo, como outros eventos esportivos internacionais de grande porte, é um fenômeno político. Tanto o desejo de sediar o torneio, as paixões nacionais de vencer o seu rival ou derrotar uma grande potência como a promoção de ideologias nacionalistas são todos exemplos de como a política permeia esses eventos.

Torneios globais esportivos parecem promover valores e ideais universais, principalmente a noção de união e confraternização mundial. Contudo, a competição política regional ou global entre os países não é suspensa quando se iniciam as competições esportivas. Os ressentimentos e rivalidades políticas são replicados nos esportes em uma clara demonstração de como o nacionalismo ainda é a força dominante nas relações internacionais. Essa exaltação das diferenças nacionais e do nacionalismo foi comprovada em uma pesquisa realizada em 19 países e publicada recentemente no New York Times. A pesquisa mostra como as rivalidades políticas se manifestam dentro do campo na Copa do Mundo. Os Mexicanos indicaram os EUA como seu time menos favorito. Os brasileiros e argentinos querem a derrocada do outro. Os gregos atacam os banqueiros, apontando a Alemanha e EUA como os times que menos gostam. Japão e Coreia do Sul também não se gostam no esporte.

Nacionalismo & Retorno Economico 

O nacionalismo é uma força poderosa que oferece um sentido de lugar, historia e identidade. Parte de ser brasileiro está no fato de não sermos argentinos. A identidade coletiva é construída na diferenciação do nosso dissimilar. Hinos, bandeiras, cores, historias, cultura, símbolos e esportes são todos aspectos que constroem uma identidade nacional. A construção de qualquer cultura é formada por eventos e tradições históricas. Algumas culturas carregam laços de um passado histórico de lutas ou militar. No caso do Brasil temos menos historias coletivas de combates e mais símbolos como o futebol. O futebol é um dos momentos em que a sociedade brasileira compartilha dessa conexão coletiva nacional. Nessa caso, a Copa do Mundo é um momento único aonde todos esses símbolos mexem com a paixão coletiva da nossa identidade brasileira.

Hitler e Mussolini usaram as Olimpíadas e Copa do Mundo para exaltar o orgulho nacional e promover sua ideologia. O jogo da final da Copa de 1934 não foi realizado no Estadio Nacional do Partido Fascista por acaso. Em 1978, dois anos apôs o golpe militar na Argentina, a Copa ajudou a tirar o foco das perseguições, violencia e desaparecimento de dissidentes promovido pelo regime militar. Nelson Mandela usou o rugby e o futebol para reaproximar e unificar a Africa do Sul pós-apartheid.

O debate sobre investimentos e retornos econômicos também demonstra a relevância da política na Copa do Mundo. Os governos sempre justificam os altos investimentos para sediar tais eventos apontando para os benefícios econômicos. O retorno econômico mais citado é o turismo. Infelizmente, os resultados mostram outra coisa. No livro The Economics of Staging the Olympics, Holger Preuss mostra que é impossível provar que, por exemplo, as Olimpíadas em Sidney, Australia, teriam aumentado o turismo na cidade. Em 1988, nos jogos de inverno de Calgary houve uma queda de 12% no turismo imediatamente apôs os jogos e mais 10% no ano seguinte. Claro que durante o torneio o país recebe mais turistas, essa é a essência de sediar um evento internacional. Porém, comprovar ligações de causa e efeito, entre os torneios e o turismo, no longo prazo é muito difícil. Ou seja, sem comprovação de retorno econômico só resta a motivação política por trás do tamanho investimento.

Copa X Olimpíadas 

Outro ponto importante é a popularidade do futebol. Usar um evento desse porte para projetar poder e influência globalmente depende do nível de interesse da população mundial sobre o esporte. Na final da Copa de 2010, foram 500 milhões de telespectadores assistindo o jogo. Apenas 12% dos brasileiros se dizem desinteressados pelo futebol. Com 17% de desinteresse, a Rússia mostra que também gosta do futebol. Apesar do futebol ser um esporte praticado em todos os países e ter uma penetração global única, ainda pode ser considerado menos relevante no jogo da geopolítica. Se pensarmos em grandes potências — EUA, China, Rússia, Índia, Brasil, França, Inglaterra, Alemanha e Japão — apenas o Brasil, Alemanha e Rússia demonstram baixos índices de desinteresse pelo esporte. Para 60% dos americanos o futebol não é interessante. Os dois mais populosos do mundo, Índia e China, não são grandes admiradores do esporte.  Até mesmo para ingleses e franceses o número de desinteressados é alto, 50% afirmam não ligarem para o futebol. A Copa tem menos relevância geopolítica do que as Olimpíadas devido a popularidade do esporte nos países mais poderosos do mundo. O futebol pode atrair um número absoluto de admiradores maior que qualquer outra modalidade, mas não é tão relevante nos países “mais importantes”. A competição pela medalha de ouro e pela vitória no quadro geral de medalhas tem um significado político importante desde os tempos da Guerra Fria aonde a competição ideológica se dava na conquista das medalhas.

As olimpíadas também englobam uma diversidade de modalidades e por isso são mais representativas quanto as capacidades esportivas gerais de uma nação. O esporte promove valores de excelência, disciplina, determinação, superação e competição dentre outros. Portanto, uma nação campeã de medalhas pode clamar que cultiva capacidades que as qualifica para se tornar ainda mais poderosa.

No fundo, eventos internacionais desse porte servem muito mais interesses políticos do que a celebração do esporte. Na sua versão mais amena, a Copa é um circo promovido pelo estado democrático para ganhar atenção e exposição internacional buscando fortalecer sua imagem. Na sua versão piorada, competições internacionais ajudam regimes totalitários e violadores de direitos humanos parecerem membros responsáveis da comunidade internacional. O fato é que tanto Copa do Mundo como Olimpíadas ganham cada vez mais importância política, e não esportiva. Dizer que a Copa começou, e portanto devemos deixar a política de lado é simplesmente impossível. O esporte entre nações é político demais para ser visto apenas como uma competição atlética. Na esfera doméstica não poderia ser diferente, a política democrática usa ferramentas de percepção de massa, símbolos nacionalistas e populares. Nada mais popular e nacionalista do que o futebol para o brasileiro. Ilusão daqueles que acham que um evento como a Copa do Mundo não tem motivações e significados políticos.

No proximo post vou escrever sobre os fatores que influenciam uma disputa eleitoral. Dentro desse contexto de Copa do Mundo tenho escutado muitas discussões se o torneio tem ou não influência no processo eleitoral. Para aqueles que precisam avaliar os riscos políticos ligados as eleições, entender quais são os fatores críticos ajuda a desenhar cenários confiáveis.

Publicação Blog Exame original: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/06/15/copa-do-mundo-e-a-geopolitica/

Os últimos escândalos na Petrobras, e seu endividamento, nos fazem perguntar: por que isso aconteceu? O risco político pode nos oferecer boa parte da explicação. Já sabemos que os eventos políticos afetam os mercados e negócios; nesse caso, a existência de empresas estatais e outros mecanismos de intervenção governamental são manifestações ainda mais diretas do impacto da política nos negócios.

Nao existe divisão precisa no que separa o capitalismo de mercado e capitalismo de estado. Todos os governos tem algum envolvimento na regulamentação da atividade econômica e em todos os países existem trocas de mercado além dos tentáculos do estado. Ou seja, não existe país puramente capitalista ou puramente estadista. Os próprios Escandinavos, vistos como exemplos de “países socialistas”, nunca instituíram programas de nacionalização e as poucas empresas estatais foram privatizadas. Apesar dos altos gastos sociais desses países, a economia de mercado sempre foi o impulso central para o seu crescimento. O envolvimento do estado na economia nunca impediu que suas empresas privadas se tornassem potências globais. Maersk da Dinamarca, Nokia da Finlândia, Volvo ou IKEA da Suécia são competitivas globalmente porque tem produtos de qualidade e não porque gozam de vantagens políticas.

Por outro lado, o sistema aonde o estado domina os mercados é chamado de capitalismo de estado. Aqueles que adotam esse modelo não o fazem com um objetivo temporário para reconstruir a economia ou recuperá-la de uma recessão. Essa escolha é estratégica! Os governos querem controlar atividade econômica por diversas razões, que vão desde corrupção, fonte de receita, até arma geopolítica (no caso da Rússia). O capitalismo de estado enxerga o mercado primariamente como uma ferramenta para servir os interesses da elite no poder ao invés dos interesses da nação. O controle de setores estratégicos da economia oferece fontes de receita e poder para os seus governantes. Em resumo, a prioridade no capitalismo de estado é obter vantagens políticas com as empresas estatais ao invés de gerar lucro. Alias, o lucro está sempre subjugado a política.

Os Estados usam diferentes ferramentas ou veículos para exercer seu poder sobre os mercados. Os 4 principais são:

1. Empresas Nacionais de Energia (Petróleo ou Gás)

Países com grandes reservas de petróleo controlam esses recursos. Hoje 3/4 das reservas de petróleo do mundo são propriedade de empresas estatais como Saudita Aramco, Gazprom (Rússia), CNPC (China), NIOC (Irã), PDVSA (Venezuela), Petrobras, Abu Dhabi National Oil Company, Kuwait Petroleum Corporation, e Petronas (Malásia). As maiores multinacionais privadas possuem somente 3% das reservas mundiais de petróleo e gás. Algumas dessas empresas foram nacionalizadas, outras não são totalmente controladas pelo estado.

2. Empresas Estatais 

Empresas estatais existem além do setor energético. Elas podem estar localizadas em diversos setores. O país com as maiores estatais não petrolíferas é a China. Desde empresas de fornecimento de energia até financeiras. No Brasil 38% das empresas são controladas pelo estado. Na Rússia esse número vai para 62% e na China 80%.

3. National Champions

Empresas privadas com participação do governo. O nosso exemplo conhecido é a Vale. Os campeões se beneficiam de contratos e financiamento estatal. Existe uma relação simbiótica com o governo. Muitos privilégios são concedidos a essas empresas até quase monopólio de setores inteiros da economia. A Huawei (telecom) e a Metalloinvest (aço) são exemplos na China e na Rússia.

4. Fundos Soberanos de Riqueza 

Fundos criados pelos governos para investimento estrangeiro. Normalmente o dinheiro do fundo vem de 3 fontes: exportações de recursos naturais como petróleo ou gás; dinheiro sobrando da balança comercial — como no caso Chinês; e transferências diretas do orçamento federal ou reservas do país. O último rank indica que os Fundos Soberanos controlam mais de $6 trilhões de dólares. O problema desses veículos financeiros é que não respondem a acionistas. Eles tem somente um stakeholder: o governo.

Sociedade e Estatização 

Alguns vão me dizer: Heni, o governo norueguês é o maior acionista da StatoilHydro portanto a Noruega também pratica capitalismo de estado. Errado! A interferência governamental na empresa é minima. O governo não direciona fundos da mesma para projetos de interesse político. O que importa é como a ferramenta é usada, não sua mera existência. O Fundo de Pensão Público da Noruega gere a riqueza do petróleo, mas é um exemplo de transparência e eficiência. É possível dizer que é melhor gerido e mais transparente que muitas instituições privadas. O Fundo possui 120 profissionais independentes do governo publicando relatórios periódicos com detalhes dos seus investimentos e políticas. O Fundo Norueguês já tomou decisões não puramente econômicas e excluiu algumas empresas do seu portfolio por questões éticas baseadas no histórico ambiental e de responsabilidade social. Entretanto, essas decisões não afetaram a lógica de mercado pois as outras empresas escolhidas para substituí-las não são de amigos e aliados do governo ou ainda investimentos não rentáveis. Os investimentos escolhidos são igualmente lucrativos e respeitam sua política ética.

Obviamente isso só é possível em uma sociedade aonde a percepção do bem público é consciente, e o senso de responsabilidade segue o mesmo padrão. O público na Noruega significa que todos são “acionistas” ou donos daquele bem. Enquanto no Brasil a percepção é de que tudo público é de alguma entidade impessoal chamada de “todo mundo”.  Aquilo que é de todo mundo não é de ninguém na nossa cultura. Aquele que joga papel na rua faz porque acha que a rua não tem dono ou porque não entende sua responsabilidade e ligação com aquela propriedade. Com certeza existem aqueles que jogam papel na rua e também dentro da sua própria casa, mas a maioria que suja a rua não parece sujar seu próprio carro senão o lixo não precisaria ser retirado da onde ele foi gerado.

Link original Exame: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/05/20/petrobras-e-o-capitalismo-de-estado/

Em um mundo tão imprevisível, como o de hoje, os riscos políticos ganham uma relevância ainda maior. Em geral, os maiores riscos políticos sempre estiveram nos mercados emergentes, onde as instituições não são tão sólidas e interferência do Estado no mercado é constante. Entretanto, mercados desenvolvidos, como Europa central – Alemanha, França, Reino Unido, – EUA e outros, também podem oferecer determinados riscos políticos que, à primeira vista, não são visíveis.

Recentemente, o conglomerado brasileiro Odebrecht sofreu um revés político que pode comprometer suas operações nos EUA, no Estado da Florida. O governador Rick Scott devera sancionar uma nova lei na qual prevê que empresas com negócios em Cuba, em valores acima de USD 1 milhão, serão proibidas de operar na Florida.

Lei no Estado da Florida pode comprometer investimentos de gigante brasileira

Ideologias são um fator presente na análise do risco político. Por exemplo, historicamente, quando pensamos em expropriações – algo que ocorreu com a Petrobrás, em 2006, na Bolívia – ideologias são a força motriz por trás deste tipo de evento. Contudo, ideologia e afiliações políticas podem afetar empresas de outras formas menos agressivas e custosas. No caso específico da lei da Florida, seu idealizador é o deputado Michael Bileca, casado com uma cubana. Esse projeto recebe apoio incondicional do lobby anti-castrista, uma das grandes forças políticas do Estado. A população cubana da Florida, em sua maioria descendente de refugiados da revolução de 1959, vê com maus  olhos o regime do país caribenho e são apoiadores irredutíveis do bloqueio, mantido desde 1962.

O Brasil é hoje o principal parceiro econômico da Florida, e a Odebrecht é parte importante deste cenário. Grandes contratos já estão em execução e há negociações para crescimento nos investimentos. Ao mesmo tempo, a posição da empresa brasileira em Cuba é bastante estratégica.

Desde que Raúl Castro, irmão de Fidel, assumiu o poder na ilha, diversas medidas econômicas de abertura vem sendo implementadas. A previsão é de que, em breve, Cuba será novamente um pólo muito atrativo para investimentos em diversas áreas – já que hoje há uma mão-de-obra qualificada subutilizada devido às políticas socialistas ainda predominantes. O Brasil já explora estas variáveis e, no caso da Odebrecht, já há negócios em andamento nos setores de infraestrutura e agronegócio.

Embora a lei ainda não tenha sido sancionada, os negócios da  empresa brasileira estão sob ameaça. Uma decisão política pode afetar diretamente sua estratégia, desmontrando assim a necessidade de lidar de forma sistemática e profissional com os riscos politicos.

BRIC - Grupo apresenta diferenças profundas, impossibilitando coordenação nos campos econômico e, principalmente, político

Nos últimos anos, um dos termos mais utilizados no cenário político-econômico internacional foi a sigla BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — hoje atualizada para BRICS — sendo o ‘S’ referência à África do Sul. Apesar desses países estarem vivendo seu melhor momento, em termos de crescimento econômico e relevância política, ainda assim compõem um grupo bastante distinto. Não por acaso, desde que a sigla foi cunhada em 1o de Outubro de 2003, no relatorio “Dreaming with BRICs: The Path to 2050“, publicado pelo banco Goldman Sachs, esse países foram incapazes de criar uma agenda própria e agirem em coalizão sobre qualquer tema – da economia à posicionamentos quanto a questões geopolíticas.

Uma simples análise histórica, sob o prisma do risco político, já aponta falhas na previsão feita pelo Goldman Sachs. Em 2003, o relatório previu que os BRIC serão, até 2050, as economias predominantes do globo, apenas atrás dos EUA e Japão. Uma pergunta objetiva já colocaria em xeque a previsão: o que garante que os objetivos político-econômicos de tais Estados serão os mesmos pelas próximas décadas? Se olharmos para os últimos 47 anos, todos os membros do suposto grupo passaram por mudanças políticas substanciais, com implicações diretas em suas economias.

China - caráter autoritário do regime não se alterou, apesar das mudanças expressivas na estratégia política

Nestas últimas quatro décadas, a China passou por muitas transformações e nem todas elas produziram o desenvolvimento econômico dos últimos 20 anos. A visão política de Mao Zedong não produziu industrialização e desenvolvimento. De forma similar, tratar as decisões políticas dos próximos 47 anos da China como certeiras e únicas é uma grande simplificação de um país altamente complexo politica e socialmente. Dados os diversos desafios geopolíticos e, sobretudo, sociais que os chineses enfrentam no âmbito doméstico, fica evidente que muitos outros cenários poderiam se formar, alterando o curso atual. Bastaria, nos próximos 15 anos, sua economia não crescer os essenciais 8-9%/ano, algo perfeitamente possível, para não só entrar em uma complexa e perigosa crise interna, mas levar consigo diversos outros mercados, que hoje também vivem boomseconômicos devido à excessiva demanda chinesa por recursos naturais e commodities. Tal cenário poderia, sem sombra de dúvidas, colocar em xeque a estrutura política chinesa.

Rússia - até 1991, núcleo do Império Soviético

Na mesma linha de raciocínio, ao longo das últimas quatro décadas, a Rússia deixou de ser o império centrado na União Soviética – que se extendia do Leste europeu ao extremo Oriente e, ao Sul, até a Ásia central – a um país relativamente menor, com um sistema político diferente e altamente dependente de exportações de recursos naturais. Dadas as prioridades politico-sociais russas, é impossível afirmar, baseado somente em dados económicos, que sua estratégia para os próximos quarenta anos será a mesma.

Os objetivos político-econômicos de cada país variam e se adaptam à realidades que mudam conforme o tempo. A análise feita pelo Goldman Sachs trabalha com diversos índices econômicos, o que sem duvida é importante ao se fazer previsões sobre a evolução de Estados. Porém, é impossível afirmar que a estratégia chinesa ou russa, para os próximos 40 anos, será rigorosamente a mesma e que não haverá qualquer mudança política capaz de influenciar a economia. O mesmo se aplica ao Brasil e à Índia.

Por fim, a ausência do componente geopolítico no relatório em questão também é intrigante. Uma análise básica dos BRICS já é suficiente para apontar dúvidas quanto à possibilidade de cada um sofrer uma mudança política considerável. Nos últimos 40-50 anos, cada um dos países em questão viveram diversas transformações. Acreditar que um boom nos últimos 8 anos será suficiente para garantir o status quo por mais três ou quatro décadas é, no mínimo, pretencioso.

A notícia de que o presidente da Venezuela Hugo Chávez passou o último mês de junho se tratando de um câncer em Havana, Cuba, levanta diversas questões sobre o futuro do país e da América do Sul. Chávez construiu sua liderança política de forma a descentralizar o poder em volta de si, razão pela qual não é possível apontar um candidato natural a lhe suceder. Ainda que seja cedo para prever o futuro do chavismo, já é possível desenhar cenários para entender como os desdobramentos políticos do país podem afetar a agenda da região, trazendo riscos e oportunidades para o Brasil.

Ádan Chávez, à esquerda, irmão mais velho de Hugo Chávez, é apontado como possível sucessor do Presidente da Venezuela

Por enquanto, não há razões para Chávez se sentir ameaçado por nenhum grupo político. A oposição se mostrou altamente fragmentada mesmo diante do natural enfraquecimento político de Chávez após sua doença. Dificilmente a oposição seria capaz de se unir em torno de um único nome para concorrer na próximas eleições marcadas para dezembro de 2012. O mesmo ocorre na situação. O Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV), uma junção feita por Chávez para unir toda sua base aliada, reúne militares, esquerdistas radicais, progressistas e a velha ala comunista ligada à ditadura cubana. Sem a figura de Chávez, é praticamente impossível que o partido se mantenha unido para o pleito do ano que vem. Ainda mais significativa foi a recusa de Chávez a passar o poder ao seu vice, Elia Jaua, enquanto se recuperava da cirurgia em Havana. Jaua é um político chavista linha dura e um dos responsáveis por fortalecer a aproximação de seu país com Cuba. No caso de Chávez ter de se retirar da presidência, a Constituição diz que Jaua tem de assumir, o que faz crescer o temor de que, sob sua fraca liderança, o país mergulhe em uma profunda crise política. Outro personagem que aparece na linha sucessora é Adan Chávez, irmão mais velho do presidente. No entanto, suas posições consideradas radicais (ele já defendeu o uso da luta armada como método legítimo para se alcançar objetivos revolucionários) tornam-lhe duvidosas as possibilidades de construir uma base de apoio forte o suficiente para ser capaz de suceder o irmão.

As Forças Armadas são parte integrante da “revolução” de Chávez (ele mesmo foi um coronel e tentou dar um golpe de Estado em 1992). Em algumas ocasiões, o Exército reiterou que não aceitará um governo comandado pela oposição. Entretanto, o mais provável é que, no caso de Chávez sair de cena, o Exército apóie quem tiver capacidade de trazer estabilidade política para o país. Paralelamente, fez parte da estratégia de Chávez de fomentar a divisão do poder a sua volta, a iniciativa de armar a população através de milícias (a maior dela é a Milícia Nacional Bolivariana) para evitar que o exército tentasse derrubar seu governo. Desse modo, é incerto se algum agente político irá ocupar o imenso vácuo de poder deixado pela saída de Chávez sem causar intensa instabilidade política.

Ainda que Chávez se recupere plenamente, o futuro da Venezuela é incerto. Por si só, este fato chama a atenção de outros países com interesses na região. Os Estados Unidos, inimigos declarados por Chávez (ainda que sejam os maiores compradores de petróleo venezuelano) mantém os olhos na situação do país porque uma crise profunda e prolongada na Venezuela fatalmente afetaria os mercados de energia e fariam o preço do petróleo subir, o que teria impacto negativo na recuperação econômica americana. A Colômbia também se mantém atenta à questão. Bogotá sempre viu em Chávez uma ameaça por conta das relações próximas entre o venezuelano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma espécie de narco-guerrilha que atua no país. Em 2008, um ataque colombiano a um acampamento das FARC em solo equatoriano (o presidente do Equador Rafael Correa é um dos principais aliados de Chávez na região) abriu uma crise política que levantou os perigos de um confronto armado entre Colômbia e Venezuela. No entanto, o vazio de poder deixado por uma eventual saída de Chávez poderia fortalecer grupos políticos venezuelanos ainda mais próximos às FARC, criando insegurança para o governo colombiano e enfraquecendo os esforços de Bogotá – com o apoio de Washington – para vencer o tráfico de drogas e suas guerrilhas armadas no país.

O Brasil também possui interesses importantes em jogo. Como maior economia da região e com aspirações de se tornar uma liderança global, o Brasil não gostaria de ver um cenário de instabilidade com alta capacidade de gerar violência entre seus vizinhos. Por outro lado, a transição na Venezuela pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil aumentar sua influência e fazer crescer sua liderança regional. Por mais que Chávez sempre tenha sido tratado por Brasília como aliado, seu “movimento bolivariano” se mostrou por diversas vezes contrário aos interesses brasileiros. O momento mais claro foi quando, em 2006, o presidente boliviano Evo Morales, outro seguidor de Chávez, decidiu nacionalizar a exploração de petróleo e gás em seu país, causando perdas à Petrobrás e constrangendo a autoridade do governo brasileiro na região. Outro episódio revelador aconteceu em 2008, quando Rafael Correa assinou um decreto expulsando a empreiteira brasileira Odebrecht do Equador.

Enquanto países importantes da região tendem para o bolivarianismo de Chávez, como a Argentina, outros ainda apostam em práticas com influências neoliberais, como a Colômbia. A alternativa de consolidar o modelo econômico e político brasileiro como o hegemônico na região seria altamente produtiva para o Brasil acelerar o processo de integração regional sob sua liderança, ainda que dependa de Brasília abandonar a passividade que historicamente marca a diplomacia nacional. No caso de Chávez deixar o poder, há a possibilidade de uma crise política se instalar na Venezuela e, posteriormente, contaminar seus vizinhos. No entanto, há também uma oportunidade para o Brasil estabelecer de forma mais enfática sua posição no continente.

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