Recentemente, a Alemanha anunciou que irá desativar todas as suas usinas nucleares, responsáveis por cerca de um quarto da produção de energia do pais, até o ano de 2020. O anuncio lançou dúvidas sobre a segurança energética de todo o continente europeu. Entretanto, o aspecto mais importante da decisão é que ela coloca em xeque o futuro da integração política e econômica da Europa, além de se desdobrar para questões de fundamental importância, como a sobrevivência do Euro e a recuperação dos países do continente que tiveram suas economias devastadas pela crise de 2008.

Segundo a chanceler alemã Angela Merkel, a opção pelo fim da energia nuclear foi consequência do desastre na usina de Fukoshima no Japão após o terremoto e o tsunami que arrasaram o país no último mês de março. Chama a atenção, entretanto, o fato de que a própria Merkel descartou esta alternativa apenas seis meses antes. A decisão foi voltada a agradar o público interno que impôs severas derrotas eleitorais ao partido da chanceler em pleitos regionais recentes. Pesquisas mostram que a população alemã, em sua maior parte contrária ao uso de energia nuclear, intensificou sua posição após o acidente na usina japonesa. A medida possui enorme relevância regional, uma vez que afeta também a estratégia de segurança energética de aliados europeus. Prova disso é o fato de que, no dia seguinte ao anúncio de Merkel, o Ministro da Energia da França, Eric Besson, chamou todos seus colegas da União Européia (UE) para uma reunião de emergência. Atualmente, a Alemanha serve como segurança para o fornecimento a outros países em períodos de pico na demanda. Dessa forma, o crescimento do preço da energia produzida pela Alemanha impacta a economia de seus vizinhos. Há, ainda, o temor de que a nova política alemã faça crescer a dependência ao gás natural vendido pela Rússia, aumentando a influência de Moscou sobre toda a região.

No entanto, a principal queixa francesa veio do fato de que a decisão alemã não foi coordenada com os parceiros europeus. Há anos, discute-se a idéia de que a integração dos mercados de energia da Europa seria fundamental para aumentar o poder de barganha dos países da região, garantindo maior segurança energética. A decisão unilateral tomada pela nação mais rica da Europa praticamente enterra a possibilidade.

Esta postura gera especulações sobre a intenção da Alemanha em assumir a posição de liderar a Europa. Como é o país mais importante do continente, várias outras questões dependem do interesse alemão em tomar uma atitude mais ativa no cenário regional. A mais sensível delas está na economia. A crise da dívida dos países periféricos da UE, com destaque para Grécia, Irlanda e Portugal, não pode ser equacionada sem uma participação determinante da maior economia da zona do Euro. A Alemanha já garantiu que fará tudo para salvar a moeda comum, mas o conceito de ajuda financeira a outros países tem se tornado cada vez mais impopular para os alemães – e a decisão sobre as usinas nucleares mostra que o governo está disposto a sacrificar interesses externos por razões internas. Outra preocupação crescente é com a questão da imigração. Com as revoltas no Mundo Árabe se intensificando, teme-se que uma onda de refugiados procure abrigo na Europa. Sem uma política unificada para lidar com o tema, os acordos sobre livre-circulação de pessoas podem dar lugar à volta do controle de fronteiras entre os membros da UE. Ainda nesta esfera, a abstenção alemã na votação do Conselho de Segurança da ONU, que autorizou o uso da força na Líbia, colocou a Alemanha em lado oposto aos seus principais parceiros no bloco – França e Reino Unido – e isolou ainda mais o país na política do continente.

Com a construção do gasoduto Nordstream, prevista para 2012, o fornecimento de gás da Rússia para Alemanha ficará livre das crises políticas da Europa Oriental

Do ponto de vista geopolítico, a aproximação entre Berlim e Moscou expõe a divergência entre os interesses de diversos países europeus. Desde o fim da Guerra Fria, a Alemanha deixou de ser o centro do jogo político travado pelas potências na Europa. Estados mais ao leste passaram a determinar a zona de contenção entre a Europa aliada ao Ocidente e a Rússia.  Isso significa dizer que Polônia, Romênia, Hungria, República Tcheca e os países Bálticos passaram a ser os primeiros estados a sofrerem as consequências no caso de uma agressão russa. Por esta razão, a Alemanha se sente confortável em aprofundar sua aliança com Moscou sem temer por sua segurança, uma vez que o Exército Vermelho está distante de suas fronteiras. Ao fim de 2012, estará pronto um gasoduto que irá fornecer gás natural diretamente da Rússia para a Alemanha pelo mar Báltico, deixando o fornecimento de energia independente das flutuações políticas da Europa Oriental (em 2005,  a Rússia cortou o fornecimento de gás para toda a Europa por conta de uma crise política na Ucrânia em que a população foi às ruas para reverter os resultados de uma eleição fraudulenta que havia prejudicado o candidato que se opunha a Moscou).

Com o fim da Guerra Fria, a fronteira entre a Europa e a Rússia moveu-se para o Leste, deixando a Alemanha, país mais rico da região, livre para fazer negócios com os russos sem temer pela sua segurança

Ao mesmo tempo, os países que formam essa nova zona de contenção estão dispostos a frear a influência da Rússia sobre si. A Polônia vem liderando esforços para incrementar a capacidade de segurança do chamado Grupo de Visegrad (V4), que reúne também Hungria, República Tcheca e Eslováquia. Estes países têm razões históricas para temer a hostilidade de Moscou e, ainda que membros da aliança militar do Ocidente, a OTAN, eles crêem que os Estados Unidos concentram a maior parte de seus esforços nos conflitos do Oriente Médio. Recentemente, Polônia e Suécia anunciaram acordos de parcerias estratégicas. Estocolmo vê seus interesses no Mar Báltico ameaçados pela crescente presença russa na região. É evidente que nenhum desses países vê com bons olhos a aproximação entre Moscou e Berlim, ainda mais quando se trata de um assunto de alta importância como é o caso da segurança energética.

Desde o fim da primeira metade do século XX, a Europa engajou-se em um caminho de integração que criou a UE, o maior bloco comercial do mundo. A continuidade e o fortalecimento deste processo depende da capacidade da maior economia do continente, a Alemanha, de liderar os esforços para acomodar as divergências entre os membros do grupo. A história recente mostra, no entanto, que Berlim muitas vezes prefere agir de forma independente, colocando os interesses de seus parceiros europeus em segundo plano.

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