Nos últimos dias eu estava em uma terra distante e desconhecida dos brasileiros: Azerbaijão. É fascinante o que vi lá. Confesso que ainda não consegui definir exatamente o que é o país, e quem são os Azeris. Eu voei 3 horas de Moscou para chegar na capital, Baku.

A primeira impressão é de se estar no Oriente Médio, em algum país Árabe, mas aos poucos se percebe que não seria bem isso. Algumas características são comuns aos Árabes, o povo azeri adora conversar e é extremamente simpático, hospitaleiro e alegre. Desde que cheguei tive alguns encontros com o professor e pesquisador Shamkhal Abilov da Universidade de Qafqaz. Conversamos bastante e pude esclarecer minhas dúvidas em longas e intermináveis “aulas”. O professor Shamfhal é um muçulmano xiita e “cosmopolita” que estudou e morou na Europa e viajou bastante. Tivemos ótimas conversas e debates, inclusive sobre a guerra entre Hamas e Israel e fiquei impressionado com sua capacidade de enxergar o lado israelense do problema.

A grande maioria dos azeris segue o modelo de Shamkhal, mas existem novas correntes querendo alterar a secularidade e cosmopolitismo da sociedade. Um exemplo me chamou atenção, estávamos caminhando pela antiga cidade, e ao passarmos ao lado de uma mesquita percebi algo diferente do que tinha visto e ouvido até agora. Senti uma sensação estranha e um clima pesado naquela aglomeração do lado de fora. Logo que saímos da praça, ouvi de Shamkhal: esses são Salafistas. Naquele momento eu entendi a sensação que tive. O Salafismo é uma corrente do Islamismo Sunita radical e ligada ao terrorismo religioso. Não estou afirmando que alguém ali era extremista, mas senti algo diferente no ar e não era harmônico. Nos últimos anos, Turquia, Irã e Arábia Saudita tem buscado influenciar e promover as raízes religiosas do Azerbaijão. Felizmente, o governo azeri têm se mantido firme e adotado políticas para proibir a promoção religiosa.

Etnia, Cultura, Religião e Política

Os azeris são um povo rico pela sua rara mistura. Etnicamente, são Turcos, originário da Ásia Central (Uzbequistão, Quirguistão, etc). O idioma é muito próximo do Turco e ambos se entendem. Por outro lado, eles estão localizados em uma região de origem dos povos da Albânia Caucásica (nada a ver com o país Albânia) com descendentes vivos, como o povo Udi, vivendo no Azerbaijão de hoje. Culturalmente e tradicionalmente os azerbaijanis são mais persas. A região foi dominada por diversos impérios persas. A religião da maioria é o islamismo xiita, mesma do vizinho Irã. Politicamente o Azerbaijão herdou estruturas dos soviéticos por ter sido uma das suas repúblicas. Até hoje se aprende o russo na escola. O idioma é falado por muitos e é requisito para certas posições de trabalho. Além disso, lá também existem oligarcas nos moldes da Rússia. A Sovietização ajudou a reforçar o caráter secular do Azerbaijão. A diversidade religiosa vibrante e pacífica permite a existência de uma comunidade judaica que não sofre com antissemitismo. Baku tem 3 sinagogas. Algo raro hoje em dia, ainda mais em um país de maioria islâmica. É mais fácil entender essa mistura quando olhamos para o mapa e percebemos como a região do Cáucaso é o ponto de convergência de 3 grandes impérios: Soviético (Rússia), Persa (Irã) e Otomano (Turquia).

Azerbaijão e Cáucaso

MAR CÁSPIO

O Cáspio é o maior corpo de água fechado do mundo, muitas vezes visto como o maior lago do mundo. Cinco países fazem fronteira com o mar: Rússia, Azerbaijão, Irã, Turcomenistão e Cazaquistão. Sua importância estratégica está nas suas reservas de petróleo e gás. Estima-se que as reservas onshore e offshore de petróleo cheguem a 48 milhões de barris — 3,2% das reservadas mundais — e 8.7 trilhões de metros cúbicos de gás — 4,3% das reservadas mundiais. Grande parte dos depósitos offshore não foram explorados devido as disputas territoriais sobre aonde as fronteiras entre os cinco países devem ser demarcadas.

As negociações territoriais se estendem por mais de duas décadas e não dão sinal que vão ser resolvidas em breve. Rússia e Irã não fazem questão de resolvê-las, uma vez que ganhariam importantes competidores em mercados que são fundamentais para suas economias. O Irã tem muito petróleo espalhado pelo resto do país e não precisa de mais uma fonte produtiva. Além disso, a distribuição étnica de Azeris (abaixo eu explico melhor) no norte do país, justamente na fronteira com o Cáspio, bloqueia qualquer possibilidade de desenvolvimento da região. Tudo que o Irã não quer é enriquecer a região aonde vivem a maior minoria étnica. A Rússia também quer evitar que Turcomenistão e Cazaquistão encontrem alternativas para escoar sua produção energética e assim continuem dependentes da sua infra-estrutura e política.

GEOPOLÍTICA & SEGURANÇA ENERGETICA EUROPEIA 

O importantíssimo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), inaugurado em 2006, transporta 1 milhão de barris por dia do Azerbaijão para a Turquia. O oleoduto sai da capital do Azerbaijão, segue pela Geórgia até desembocar no porto de Ceyhan, na Turquia. Se o Mar Cáspio é um potencial fornecedor de petróleo para a Europa e Ocidente, e somente um dos 5 países fronteiriços é autônomo e está localizado aonde existe saída para escoar esse petróleo, naturalmente esse país se torna de suma importância estratégica para qualquer política que vise diminuir a dependência energética europeia da Rússia ou mesmo conter as das ambições geopolíticas de Moscou. A região do Cáucaso é um corredor natural que liga o Mar Cáspio ao Mar Negro (ver mapa). Essa região é composta por 3 países e o Azerbaijão é o mais autônomo deles. Parte da sua independência vem da posição geográfica privilegiada junto ao Cáspio permitindo explorar os seus recursos naturais. O Azerbaijão é o único país que consegue extrair o petróleo e gás do Cáspio e enviá-lo, sem passar pela Rússia ou Irã, para a Europa e Ocidente. Em outras palavras, o país é o atalho seguro para os europeus por uma fonte abundante de energia.

O agravamento da situação na Ucrânia aumenta ainda mais a importância dos outros tabuleiros geopolíticos das ex-repúblicas soviéticas. Não é por acaso que a Rússia vem pressionando o Azerbaijão para escolher entre eles ou o ocidente. Mesmo depois da queda do avião da Malásia, e a morte de civis europeus dentro do seu continente, ainda vemos uma União Europeia dividida e reticente. Sabemos que a Europa não tem coragem de enfrentar ou endurecer sua política devido a dependência energética dos russos. É nesse contexto que o Cáucaso, Cáspio e Azerbaijão ganham extrema relevância. O Azerbaijão é o centro de gravidade não só do Cáucaso, mas de toda a independência energética europeia e parcialmente de todo o jogo geopolítico da Eurásia nesse momento.

ORIENTE MÉDIO 

O Azerbaijão não é só importante pela sua abundância energética e geopolítica eurasiana. Por fazer fronteira com o Irã e ter sido parte do império Persa, o país está inserido no contexto do Oriente Médio.

O povo Azeri acabou sendo dividido em dois territórios após as Guerras Russo-Persas e a maior parte deles se encontram dentro do território iraniano. No Irã, os azeris ocupam a região ao norte chamada de Azerbaijão Iraniano e somam um quarto da população. Tanto a sua posição fronteiriça quanto os laços históricos, culturais e étnicos fazem do Azerbaijão um portal de entrada e uma plataforma de influência no Irã. O acirramento dos confrontos entre Sunitas e Xiitas na região também eleva a importância do Azerbaijão perante as disputas regionais. Não é por acaso que os sunitas, sejam turcos ou sauditas, vem investimento para promover seu credo religioso no país. Cada vez mais o país será palco da disputa geopolítica regional.

Para o Ocidente, o Azerbaijão também oferece oportunidades estratégicas e políticas. Após a independência da União Soviética, líderes Azerbaijanis defenderam a unificação do povo azeri em um único país. O Irã naturalmente viu esse tipo de declaração como uma ameaça a sua segurança nacional e a partir daí passou a desconfiar das intenções do seu vizinho do Cáucaso. O Azerbaijão é um potencial desestabilizador do estado iraniano. A sua essência secular confronta os ideais da revolução Islâmica e do regime religioso em Teerã. Se existe algum país que tem capacidade de influenciar a teia social e servir de base para desestabilizar o Irã, esse país é o Azerbaijão.

Outro país que tem prestado atenção em Baku é Israel. As relações dos judeus com os azeris remontam desde os tempos antigos. Essas foram reforçadas com a revolução do petróleo e ganharam um novo sentido com as ambições regionais do Irã e seu programa nuclear. Uma convergência natural surgiu entre Israel e o Azerbaijão pois ambos viram no outro um possível aliado para lidar a ameaça iraniana. A aliança vai desde venda de armas até cooperação dos serviços de inteligência. Já se foi aventada a possibilidade de um ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas partir do Azerbaijão ou usar suas pistas de pouso. Independente do escopo da aliança, os dois pequenos países viram uma conveniência estratégica e similaridades estruturais que garantem a durabilidade dessa parceria.

CONCLUSÃO

O Azerbaijão é um país fascinante pela sua diversidade, cosmopolitanismo, localização, secularidade, história, misticismo e multi-religiosidade. Combinar todos esses atributos não é tarefa fácil, mas fazê-lo em uma região tão instável como o Oriente Médio, Eurásia e Cáucaso é um feito ainda mais impressionante. O país deve principalmente ser compreendido pela sua relevante posição geopolítica que ganha ainda mais importância nesse momento de convulsão tanto no Oriente Médio como na Rússia. O Azerbaijão é o único país capaz de afetar simultaneamente as duas maiores crises de política internacional atuais.

Artigo Exame original: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2014/07/24/azerbaijao-o-centro-de-gravidade-do-mundo-atual/

 

Leon Panetta e Hamid Karzai - relacionamento entre EUA e Afeganistão passa por seu pior momento

O Secretário da Defesa americano Leon Panetta não tem motivos para comemorar sua passagem pela Ásia Central. Logo no início do tour pela região, dois eventos já geram agitação em Washington.

Em reunião com o presidente do Afeganistão Hamid Karzai, o secretário foi publicamente pressionado a antecipar o processo de retirada das tropas da ISAF (International Security Assistance Forces – nome da missão da OTAN no país) para 2013 – originalmente o prazo era 2014. Em meio a um relacionamento altamente complexo e que se deteriorou gradativamente nos últimos anos, as ações do soldado americano – que matou 16 civis – ajudaram a piorar o cenário. O Taliban, que havia concordado em negociar para chegar a um acordo para pacificar o país, já anunciou sua retirada das conversas.

Em paralelo, um alto oficial do governo do Quirguistão informou Panetta que pretente fechar a base americana naquele país. Esta, localizada no aeroporto de Manas, próximo à capital Bishkek, é a única desta espécie presente na Ásia Central e essencial do ponto de vista logístico e tático para a operação americana no Afeganistão. A base também funciona como um posto avançado numa região onde outras potências, como China e, principalmente, Rússia, disputam por influência.

Em termos geopolíticos, essa é a área mais estratégica do globo. Historicamente, os grandes players travam disputas acirradas pela predominância nessa região. No século XIX, os impérios Britânico e Russo protagonizavam o que ficou conhecido como o Great Game (Grande Jogo), quando lutavam politica e militarmente pela hegemonia euroasiática.

Geopolítica da Ásia Central

Hoje, num cenário pós-Guerra Fria, EUA, Rússia e China são os atores principais no novo Great Game. Cada decisão tomada com relação ao Leste Europeu, Oriente Médio, Ásia Central e a Ásia do Leste é baseada neste raciocínio.

Embora o governo do Quirguistão já tenha feito ameaças do gênero anteriormente, o fato é que os EUA vem perdendo espaço na região. As relações com Afeganistão e Paquistão se deterioraram muito nos últimos dois anos, a Índia, embora tratada como aliada, recusou-se a se alinhar com os americanos na questão do Irã e a China, principal potência no Sudeste asiático, também ganha cada vez mais espaço no Oriente Médio. Os russos, embora não disponham da mesma força econômica de chineses e indianos, têm um alto grau de influência política e interesses estratégicos na área.

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