A notícia de que o presidente da Venezuela Hugo Chávez passou o último mês de junho se tratando de um câncer em Havana, Cuba, levanta diversas questões sobre o futuro do país e da América do Sul. Chávez construiu sua liderança política de forma a descentralizar o poder em volta de si, razão pela qual não é possível apontar um candidato natural a lhe suceder. Ainda que seja cedo para prever o futuro do chavismo, já é possível desenhar cenários para entender como os desdobramentos políticos do país podem afetar a agenda da região, trazendo riscos e oportunidades para o Brasil.
Por enquanto, não há razões para Chávez se sentir ameaçado por nenhum grupo político. A oposição se mostrou altamente fragmentada mesmo diante do natural enfraquecimento político de Chávez após sua doença. Dificilmente a oposição seria capaz de se unir em torno de um único nome para concorrer na próximas eleições marcadas para dezembro de 2012. O mesmo ocorre na situação. O Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV), uma junção feita por Chávez para unir toda sua base aliada, reúne militares, esquerdistas radicais, progressistas e a velha ala comunista ligada à ditadura cubana. Sem a figura de Chávez, é praticamente impossível que o partido se mantenha unido para o pleito do ano que vem. Ainda mais significativa foi a recusa de Chávez a passar o poder ao seu vice, Elia Jaua, enquanto se recuperava da cirurgia em Havana. Jaua é um político chavista linha dura e um dos responsáveis por fortalecer a aproximação de seu país com Cuba. No caso de Chávez ter de se retirar da presidência, a Constituição diz que Jaua tem de assumir, o que faz crescer o temor de que, sob sua fraca liderança, o país mergulhe em uma profunda crise política. Outro personagem que aparece na linha sucessora é Adan Chávez, irmão mais velho do presidente. No entanto, suas posições consideradas radicais (ele já defendeu o uso da luta armada como método legítimo para se alcançar objetivos revolucionários) tornam-lhe duvidosas as possibilidades de construir uma base de apoio forte o suficiente para ser capaz de suceder o irmão.
As Forças Armadas são parte integrante da “revolução” de Chávez (ele mesmo foi um coronel e tentou dar um golpe de Estado em 1992). Em algumas ocasiões, o Exército reiterou que não aceitará um governo comandado pela oposição. Entretanto, o mais provável é que, no caso de Chávez sair de cena, o Exército apóie quem tiver capacidade de trazer estabilidade política para o país. Paralelamente, fez parte da estratégia de Chávez de fomentar a divisão do poder a sua volta, a iniciativa de armar a população através de milícias (a maior dela é a Milícia Nacional Bolivariana) para evitar que o exército tentasse derrubar seu governo. Desse modo, é incerto se algum agente político irá ocupar o imenso vácuo de poder deixado pela saída de Chávez sem causar intensa instabilidade política.
Ainda que Chávez se recupere plenamente, o futuro da Venezuela é incerto. Por si só, este fato chama a atenção de outros países com interesses na região. Os Estados Unidos, inimigos declarados por Chávez (ainda que sejam os maiores compradores de petróleo venezuelano) mantém os olhos na situação do país porque uma crise profunda e prolongada na Venezuela fatalmente afetaria os mercados de energia e fariam o preço do petróleo subir, o que teria impacto negativo na recuperação econômica americana. A Colômbia também se mantém atenta à questão. Bogotá sempre viu em Chávez uma ameaça por conta das relações próximas entre o venezuelano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma espécie de narco-guerrilha que atua no país. Em 2008, um ataque colombiano a um acampamento das FARC em solo equatoriano (o presidente do Equador Rafael Correa é um dos principais aliados de Chávez na região) abriu uma crise política que levantou os perigos de um confronto armado entre Colômbia e Venezuela. No entanto, o vazio de poder deixado por uma eventual saída de Chávez poderia fortalecer grupos políticos venezuelanos ainda mais próximos às FARC, criando insegurança para o governo colombiano e enfraquecendo os esforços de Bogotá – com o apoio de Washington – para vencer o tráfico de drogas e suas guerrilhas armadas no país.
O Brasil também possui interesses importantes em jogo. Como maior economia da região e com aspirações de se tornar uma liderança global, o Brasil não gostaria de ver um cenário de instabilidade com alta capacidade de gerar violência entre seus vizinhos. Por outro lado, a transição na Venezuela pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil aumentar sua influência e fazer crescer sua liderança regional. Por mais que Chávez sempre tenha sido tratado por Brasília como aliado, seu “movimento bolivariano” se mostrou por diversas vezes contrário aos interesses brasileiros. O momento mais claro foi quando, em 2006, o presidente boliviano Evo Morales, outro seguidor de Chávez, decidiu nacionalizar a exploração de petróleo e gás em seu país, causando perdas à Petrobrás e constrangendo a autoridade do governo brasileiro na região. Outro episódio revelador aconteceu em 2008, quando Rafael Correa assinou um decreto expulsando a empreiteira brasileira Odebrecht do Equador.
Enquanto países importantes da região tendem para o bolivarianismo de Chávez, como a Argentina, outros ainda apostam em práticas com influências neoliberais, como a Colômbia. A alternativa de consolidar o modelo econômico e político brasileiro como o hegemônico na região seria altamente produtiva para o Brasil acelerar o processo de integração regional sob sua liderança, ainda que dependa de Brasília abandonar a passividade que historicamente marca a diplomacia nacional. No caso de Chávez deixar o poder, há a possibilidade de uma crise política se instalar na Venezuela e, posteriormente, contaminar seus vizinhos. No entanto, há também uma oportunidade para o Brasil estabelecer de forma mais enfática sua posição no continente.