O levante popular na Síria completou um ano nesta semana. Para os rebeldes, há pouco para comemorar. Bashar al-Assad tem comandado uma campanha precisa de retomada de cidades até então sob comando dos insurgentes, como Homs e mais recentemente Idlib, demonstrando a força, organização e, sobretudo, lealdade de suas forças armadas. Mesmo sendo obrigados a cometer atrocidades – que hoje tem números ao redor de 8.000 mortos, de acordo com a ONU – os militares sírios não dão sinais de deserção.

Diferentemente do ocorrido na Líbia, a oposição síria não conseguiu se organizar ao redor de causas claras e não demonstrou coesão – apesar dos revoltosos lutarem sob a bandeira do Exército Livre da Síria, não há coordenação. A comunidade internacional não dá mostras de que está disposta a agir – Rússia e China vetaram uma operação militar e, recentemente, EUA e Reino Unido, através de seus chefes de governo, declararam que tal opção está descartada.

OBS.: a cidade de Idlib fica ao Norte de Homs

As questões domésticas influem tanto ou mais nesta análise. Comparando Assad e Qaddafi, fica clara a diferença na forma de cada um lidar com uma situação como esta. O líder líbio demonstrou total despreparo na reação ao levante popular, afirmando abertamente que estava disposto a ‘esmagá-lo’, gerando uma comoção na comunidade internacional que acarretou na operação da OTAN. Assad, por outro lado, manteve-se em silêncio, fazendo declarações contidas e, ao mesmo tempo, implementando toda a força do leal exército sírio contra os rebeldes. Observando o erro de Qaddafi, não ameaçou utilizar a força aérea, o que daria argumentos para a imposição de uma Zona de Exclusão Aérea. Além do mais, unidades menores, envolvendo tanques e infantaria altamente treinados, foram suficientes para retomar o controle dos núcleos da revolta. No momento, uma nova campanha será lançada contra a cidade de Deraa, onde outros massacres deverão ocorrer.

Hafez al-Assad, pai e predecessor

Seguindo a tradição familiar de pulso firme e manter-se no poder a qualquer custo – seu pai, Hafez al-Assad, utilizou as forças armadas contra uma revolta em Fevereiro de 1982 na cidade de Hama, gerando mais de 20.000 mortes – Assad permanecerá no poder por, no mínimo, mais alguns meses se as variáveis permanecerem as mesmas. No longo prazo, é difícil afirmar que o regime permanecerá intacto, já que os rebeldes não dão sinais de que vão se render e demonstram uma resiliência considerável, dados os inúmeros ataques pelas forças armadas, muito superiores em armamentos e organização.

 

Com duas vitórias nas primárias da noite de ontem, Rick Santorum teve como maior prêmio o prolongamento da disputa interna do Partido Republicano para definir um candidato para as eleições em Novembro. Embora pouco provável, ele ainda acredita na nomeação.

Santorum celebra as vitórias no Sul

Newt Gingrich foi o grande perdedor, já que os Estados mais conservadores eram tidos como seu ponto forte – ele permanece com apenas duas vitórias nos Estados da Geórgia e Carolina do Sul. Apesar disso, ele não dá sinais de que vai abandonar a disputa.

A campanha de Mitt Romney, embora não surpresa com o resultado, sai-se frustrada com os resultados. Pesquisas davam sinais de que o ex-governador de Massachusetts tinha chances de emplacar, pelo menos, uma vitória. O fato é que os eleitores daquela região não vêem Romney como conservador o suficiente – algo bastante explorado por Gingrich e Santorum. Com uma vitória ontem, ele ganharia credenciais para receber apoio maior dentro do partido, podendo encerrar a disputa interna e focar a campanha contra o atual presidente.

Disputa por delegados - são necessários 1.144 para a nomeação

O grande beneficiário desta disputa tão acirrada, naturalmente, é Barack Obama. Mais tempo de campanha interna entre os republicanos significa mais chances de os votos independentes migrarem para os Democratas em Novembro. Mesmo que Mitt Romney, o provável indicado e mais moderado das opções venha a ser o escolhido, será difícil separá-lo da onda conservadora que permeou a disputa interna republicana até agora.

Ron Paul não vem sendo mencionado pois suas chances são mínimas. Mas é importante frisar o suporte que suas pesadas críticas sobre a situação econômica atual – sendo o FED (Banco Central dos EUA) o principal alvo – e sua política externa isolacionista recebe dos jovens americanos.

A próxima primária será em Porto Rico, no dia 18, onde 23 delegados estarão em disputa no formato “winner-take-all“, ou seja, quem vencer leva todos os delegados. As primárias de ontem eram baseadas na proporcionalidade.

 

 

Recentemente, algumas pesquisas eleitorais nos EUA têm mostrado o ex-governador Mitt Romney na frente do atual presidente Barack Obama, numa eventual disputa entre ambos pela Casa Branca, caso as eleições fossem hoje. Embora ainda seja cedo para avaliar a profundidade de tais pesquisas, esse é um fenônemo a ser observado de perto.

Em algumas partes dos EUA, o galão já ultrapassa os 4 dólares

A força motriz dessas pesquisas vem sendo o preço da gasolina, que subiu consideravelmente no último ano. Eventos como a revolta na Líbia e a atual crise envolvendo o Irã elevaram o preço do galão para mais de USD 4,00 em algumas partes dos EUA, sendo que na maior parte do país o valor está ao redor de USD 3,80. Pesquisas indicam que mais de 80% da população acredita que os preços atingirão pouco mais de USD 4,00 nos próximos meses – e uma minoria acredita em até USD 5,00.

Caso a situação não se altere, o presidente Obama se verá obrigado a injetar uma quantidade considerável de petróleo na economia – tal quantidade viria da Reserva Estratégica de Petróleo (SPR na sigla em inglês). Em 2011, em meio à crise na Líbia, isso foi feito – à época, 30 milhões de barris foram colocados à disposição para acalmar os mercados. A reserva, que tem capacidade total de armazenamento de 727 milhões de barris, foi constituída em dezembro de 1975, após o trauma do choque de 1973-4. Sua utilização já foi alvo de críticas por não inspirar confiança o suficiente nos mercados, isso devido à má-utilização em momentos críticos e uma gestão que não leva em conta preceitos básicos do mercado – compras foram feitas quando o preço do barril esteve alto e vendas quando os preços caíam.

O fato é que a Casa Branca precisará resolver este problema no curto prazo, caso não queira dar argumentos para seu futuro adversário na campanha presidencial. Em meio às bravatas típicas do período eleitoral, preços altos nas bombas de gasolina podem ser fatais para a reeleição de Obama. É bom lembrar que – variáveis mercadológicas à parte – o preço do galão girava em torno de USD 1,90 no início da gestão atual, em Janeiro de 2009.

 

 

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OBS.:

1 galão = 3,78 litros (aprox.)

Hoje, 13 de Março, ocorrem mais primárias do Partido Republicano nos EUA. Dado que a corrida para receber a nomeação do partido se prolonga cada vez mais, uma possível consolidação de Mitt Romney poderia encerrar este processo e permitir o direcionamento da campanha para 4 de Novembro.

Um fator interessante nas primárias de hoje está nos Estados envolvidos – Alabama e Mississipi. Redutos tradicionalmente mais conservadores dos eleitores republicanos, vêm apresentando pesquisas que prevêem uma disputa acirrada entre Romney, mais moderado dentre os concorrentes, e Newt Gingrich e Rick Santorum, mais conservadores.

Mitt Romney faz campanha no Estado do Mississipi

Caso Mitt Romney vença em um, ou mesmo nos dois Estados, ele apresentará credenciais importantes para conquistar a ala mais conservadora do Partido Republicano e, consequentemente, tornar quase impossível a nomeação dos demais concorrentes. Se perder, não será nenhuma surpresa, mas a disputa interna se prolongará ainda mais – fator que pode enfraquecer o Partido Republicano na campanha contra Barack Obama.

 

Depois de mais uma rodada de primárias do Partido Republicano, Mitt Romney manteve-se na liderança mesmo perdendo para Rick Santorum no Estado do Kansas, mais importante em disputa no final de semana.

Santorum, com cerca de 51% dos votos, levou 33 dos 40 delegados em disputa naquele Estado. Romney ficou com os 7 restantes, dado que neste caso, a distribuição dos delegados é proporcional aos votos recebidos – em outros Estados, o sistema “winner-takes-it-all” dá todos os delegados para o vencedor, independentemente da margem. Hoje, a situação é a seguinte;

Nesta quarta-feira, 13, novas primárias ocorrerão nos seguintes Estados;

  • Alabama (50 delegados)
  • Mississipi (40 delegados)
  • Havaí (20 delegados)
  • Samoa Americana (9 delegados)

Será uma disputa interessante, uma vez que colocará em xeque a capacidade de Romney, mais moderado dentre os candidatos, de obter bons resultados em regiões tradicionalmente conservadoras da base republicana – casos de Alabama e MIssissipi. As pesquisas mais recentes mostram uma corrida acirrada; no Alabama, Romney (31%), Gingrich (30%) e Santorum (29%) estão tecnicamente empatados. No Mississipi, Gingrich (33%), Romney (31%) e Santorum (27%) também demonstram que não será fácil alguém disparar.

Tudo indica que a escolha por um candidato para enfrentar o Presidente Obama, em Novembro, ainda levará tempo.

Por razões óbvias, o programa nuclear iraniano e suas repercussões na região e no mundo tem sido o foco dos debates. E, quando se pensa na Síria, o assunto é o levante de parte da população contra o regime de Bashar al-Assad e suas represálias drásticas se manter no poder.

O fato é que, de forma discreta, o Departamento de Estado dos EUA tem mantido contato com os vizinhos da Síria – Jordânia, Iraque, Líbano e Arábia Saudita – oferecendo auxílio aos mesmos para lidar com um problema mais grave do ponto de vista geopolítico; o arsenal de armas químicas e bacteriológicas que, embora nunca comprovado, é tido por muitos como existente e que, em caso de um colapso no regime de Assad, poderia entrar nestes países através do mercado negro.

Embora a existência de tal arsenal nunca tenha sido comprovada, o mesmo recebe grande credibilidade por parte da comunidade internacional, especialmente no Oriente Médio. As armas, que envolvem gás mostarda e o chamado nerve gas, poderiam ser utilizadas com bombas cluster e mísseis balísticos.

Estes armamentos teriam sido desenvolvidos recentemente como uma forma de contrabalancear o arsenal nuclear de Israel, grande inimigo regional de Damasco. Com a situação interna na Síria se deteriorando a cada dia, a possibilidade deste tipo de arma cair nas mãos de grupos como o Hezbollah ou Hamas tornaria a dinâmica geopolítica regional ainda mais complexa e colocaria a segurança dos Estados vizinhos em xeque.

Este fator torna o processo de tomada de decisão, por parte da comunidade internacional, sobre intervir ou não ainda mais complicado. No Congresso americano, Senadores como John McCain (R), Lindsay Graham (R) e Joe Lieberman (I) já fazem pressão sobre a administração Obama para um plano militar para a Síria. Embora a existência do arsenal de destruição em massa possa acelerar este processo, os obstáculos para tal operação mostram-se difíceis de serem contornados.

A geografia da Síria dificultaria uma operação nos moldes do que ocorreu na Líbia e, além disso, o aparato militar daquele país ofereceria uma resistência maior e mais sólida. É importante lembrar que o exército sírio, apesar de algumas deserções, permanece coeso e fiel ao regime. O mesmo é composto quase que totalmente por alauítas, mesma vertente islâmica de Bashar al-Assad.

Ainda que, num cenário ideal, tais questões fossem contornadas, haveria ainda o fator diplomático. As posições de China e Rússia no Conselho de Segurança da ONU permanecem as mesmas – contra uma intervenção militar – e não dão sinais de que vão mudar no curto-prazo.

A crise síria ganha contornos dramáticos. Embora seja claramente necessária alguma medida para que civis parem de ser mortos de forma sistemática pelo exército, é preciso colocar todas as variáveis na equação para se tomar a decisão mais precisa. A tendência é de que o cenário naquele país não vá mudar tão rapidamente.

Potências ocidentais, representadas hoje pelo Grupo 5+1 – os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha – concordaram em retomar as conversas com o Irã, na tentativa de chegar à uma solução diplomática para a crise que envolve o programa nuclear daquele país. Oficiais israelenses, como esperado, demonstraram ceticismo quanto à oferta iraniana feita através de Saeed Jalili, negociador oficial.

Saeed Jalili, negociador iraniano

A notícia vem em meio à recente vitória esmagadora do grupo do Aiatolá Ali Khamenei nas eleições parlamentares, enfraquecendo o presidente Mahmoud Ahmadinejad e, também, da visita do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu à Washington, durante a qual o Presidente Barack Obama reafirmou o alinhamento entre os dois Estados, o comprometimendo dos EUA com a defesa do Estado judeu mas, também, pediu tempo para que uma solução diplomática seja alcançada.

O Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Yukiya Amano, afirmou que todas as instalações sob obervação da agência têm fins pacíficos. Porém, ele também afirma que há suspeitas de que outras instalações, não-declaradas, estejam direcionadas para fins militares. “O Irã não está nos falando tudo. Essa é a minha impressão” afirmou.

O Presidente Obama e o Primeiro Ministro Netanyahu

As palavras de Obama, pedindo por mais tempo para a diplomacia, foram elogiadas pelo líder supremo do Irã. O mesmo, fortificado após os resultados da última eleição, pode estar ganhando mais tempo, já que o discurso pró-ataque israelense tem se intensificado. Na terça-feira (6), foi anunciado que Netanyahu pediu para o Secretário da Defesa, Leon Panetta, aprovar a venda de bombas anti-bunker para as Forças de Defesa de Israel. Tais artefatos seriam cruciais para aumentar as chances de sucesso de um ataque israelense às instalações iranianas.

Aiatolá Ali Khamenei

A população do Irã vive o medo de um possível confronto militar com o Ocidente. Khamenei, por outro lado, vê nesta guerra fria a possibilidade de o regime revolucionário demonstrar força. O Aiatolá vê os EUA como uma potência em declínio, principalmente regional – e a aquisição do artefato nuclear daria ao Irã o instrumentário necessário para consolidar seu projeto de supremacia regional – algo impensável para Israel e, principalmente, para os Sauditas, que observam atentos o desenrolar desta crise. Logo, é prematuro dizer que a oferta de negociação represente, de fato, um arrefecimento por parte de Teerã.

Após a ‘Super Tuesday’, que não trouxe nenhum resultado concreto em termos de consolidação de um candidato como grande favorito para a nomeação do Partido Republicano, Mitt Romney manteve-se na dianteira na disputa pelos delegados, ampliando a vantagem sobre Rick Santorum.

Embora o ex-Governador de Massachusetts tenha aumentado a diferença no número de delegados para o ex-Senador Santorum – de 90, antes de 6 de Março, para 202 hoje – a disputa pela nomeação do partido permanece aberta até, no mínimo, as próximas primárias que ocorrem neste sábado (10/03). As zonas em disputa são;

  • Kansas (40 delegados)
  • Ilhas Virgens Americanas* (9 delegados)
  • Ilhas Marianas do Norte* (9 delegados)
  • Ilha de Guam* (9 delegados)

 

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* Nota de esclarecimento;

As Ilhas Marianas do Norte tem o mesmo status político de Porto Rico, ou seja, os habitantes são cidadãos americanos e tem representatividade na Câmara, embora seus representantes não disponham de poder de voto. As Ilhas Virgens Americanas e a Ilha de Guam são territórios não-incorporados dos EUA. A Constituição americana rege as leis locais, porém apenas cidadãos americanos – não é toda a população local que dispões deste status – podem votar nas eleições.

 

Como previsto, as 10 primárias do Partido Republicano realizadas ontem, nos EUA, não geraram um resultado grande o suficiente em favor de nenhum dos candidatos, o que acarretaria em uma possível definição do nomeado pelo partido para concorrer com Barack Obama em Novembro.

Com 1.600 delegados restantes para disputa, Mitt Romney, o ex-governador de Massachusetts, aumentou sua vantagem sobre o segundo colocado, o ex-senador Rick Santorum. Até ontem, a diferença entre ambos era de 90 delegados – hoje ela subiu para 200.

Romney conseguiu uma importante, porém estreita, vitória no Estado de Ohio. Ele venceu também em Massachusetts, Idaho, Alaska, Vermont e Virginia. Rick Santorum venceu no Tennessee, em Oklahoma e na Dakota do Norte. O ex-líder republicano na Câmara Newt Gingrich venceu apenas, como esperado, no Estado da Georgia e Ron Paul não obteve nenhuma vitória.

Há um fator importante a ser considerado;  prolongamento da campanha. Embora inevitável no momento, pode se provar perigoso, uma vez que os candidatos tem adotado um discurso mais conservador visando ganhar espaço dentro do partido – e conseqüentemente levar a nomeação. Essa estratégia pode dar resultado para a escolha do concorrente de Obama, mas pode também enfraquecer o mesmo durante a campanha presidencial, já que a eleição de Novembro será definida pelos independentes – de um alinhamento político mais de centro.

 

Hoje, 6 de Março de 2012, é um dia importante para as eleições nos EUA.

Conhecida como ‘Super Tuesday’, 10 Estados realizam primárias para escolher um dentre os quatro candidatos remanescentes. Nesta data, 437 delegados estão em disputa, sendo que para a nomeação, sao necessários 1,144. Lembrando que o Partido Democrata não realiza primárias, uma vez que o Presidente Barack Obama disputa reeleição com o apoio do partido.

Dentre os concorrentes para a nomeação do Partido Republicano, Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, é o grande favorito com 37,3% das intenções de voto. Rick Santorum, ex-Senador pelo Estado da Pennsylvania, aparece em segundo lugar com 26,7%. Já mais atrás na disputa, Newt Gingrich, ex-líder dos Republicanos na Câmara, vem em terceiro, com 14,7% e Ron Paul, deputado pelo Estado do Texas, em quarto, com 12,6%.

Embora historicamente o candidato republicano seja definido na Super Tuesday, é improvável que isso ocorra hoje, dado que a diferença entre Romney e Santorum não é suficiente para declarar o ex-governador como o dono da maioria dos votantes. Ou seja, até as primarias da California, uma das últimas e sempre decisiva – dado o número elevado de delegados em disputa – será difícil para um dos dois líderes conseguir uma vantagem considerável.

Índia e Paquistão já nasceram rivais. Ambos foram criados em 1947, a partir da decisão do Império Britânico de dividir sua colônia indiana em dois Estados independentes. O objetivo de se formar dois países foi tentar conter a animosidade que existia há séculos entre hindus e muçulmanos na região. No entanto, o conflito entre os dois sobreviveu e tornou-se uma das questões mais sensíveis da política asiática e de todo o mundo. Desde então, indianos e paquistaneses foram à guerra quatro vezes (1947, 1965, 1971 e 1999) por conta do território da Caxemira, que apesar de ter maioria da população muçulmana, é controlado em parte pela Índia, em parte pelo Paquistão e, ainda, com uma porção sob controle da China. Além de influenciar interesses importantes para diversas nações engajadas na região, como os Estados Unidos e a China, o conflito entre Índia e Paquistão possui um componente que o faz particularmente ameaçador para a segurança mundial: ambos possuem a capacidade de produzir e de lançar armas atômicas.

Em imagem tirada da Estação Espacial no último mês de agosto, é possível ver, em laranja, a fortificada fronteira entre Índia e Paquistão.

Recentemente, no entanto, indianos e paquistaneses têm ensaiado uma aproximação através do comércio. O mais último passo nessa direção foi dado por Islamabad ao incluir a Índia em sua lista de “nações mais favorecidas” (MFN), na sigla em inglês). Na linguagem da Organização Mundial do Comércio (OMC), o título significa que o país que o concede deve estender ao outro os mesmo privilégios dados a seus principais parceiros comerciais. De fato, a Índia já havia dado o status de MFN ao Paquistão em 1996. Nos últimos quinze anos, entretanto, Islamabad se recusou a retribuir o gesto indiano até que se resolvesse a questão da Caxemira. Desse modo, a decisão de Islamabad neste momento, é um sinal de que os paquistaneses evoluíram sua posição, passando a acreditar que faz parte de seus interesses construir melhores relações com o governo de Nova Delhi. (O processo de paz entre os dois países está paralisado desde que terrorista islâmicos vindo do Paquistão realizaram uma série de ataques simultâneos na cidade indiana de Mumbai em novembro 2008.)

Índia, Paquistão e a disputada região da Caxemira.

É interessante notar que a atitude do Paquistão não pode ter sido tomada sem o consentimento do Exército do país, instituição que detém uma parcela significativa de poder. Os militares sempre se opuseram a estender a mão para os indianos no campo econômico, mesmo que as autoridades dessa área fossem a favor de retribuir o gesto feito pela Índia em 1996. Em parte, a mudança de atitude pode ser explicada pelo fato de que negócios pertencentes a militares, como fazendas e fábricas de cimento, devem ganhar com comércio com a Índia. De qualquer modo, o Exército paquistanês dá a entender que não vê mais o governo de Nova Delhi como uma entidade totalmente hostil, abrindo a possibilidade para algum tipo de parceria entre os dois países.

O crescimento do comércio tem muito a beneficiar os dois países. As vendas de um para o outro, que hoje estão na casa de US$ 2 bilhões anuais,  poderia crescer cinco vezes de acordo com a previsão de economistas. Atualmente, bens de um não podem cruzar o outro para chegar a um terceiro, o que encarece exportações tanto de indianos como de paquistaneses. Para o Paquistão, o acesso ao imenso e crescente mercado indiano pode ser uma forma de desenvolver a economia dos país. A Índia, atualmente, responde por apenas 3% das exportações paquistanesas. Islamabad também espera que a normalização das relações comerciais com a Índia colabore para que o Paquistão seja aceito como membro da OMC.

O primeiro-ministro paquistanês, Yousuf Raza Gilani (centro), e seu colega indiano, Manmohan Singh (direita), durante jogo entre as seleções dos dois países pela Copa do Mundo de Cricket realizada na cidade de Mohali, India, em março de 2011.

Para a Índia, estreitar os laços com o Paquistão significa aumentar sua fatia de influência sobre a região. O sul da Ásia é uma das partes do mundo cujos países menos vendem e compram entre si. Fazer crescer o comércio com seus vizinhos é fundamental para que a Índia possa usar o potencial que sua grande economia e sua imensa população oferecem no sentido de se tornar uma liderança regional e global. Além do mais, aproximar-se de Islamabad é uma maneira de os indianos conterem a incômoda presença da China no país vizinho. (Por serem dois gigantes asiáticos, China e Índia possuem sua própria e intensa rivalidade.)

O principal candidato a desestabilizar as nascentes relações entre indianos e paquistaneses é o Afeganistão. Os dois possuem interesses distintos no país – e eles devem entrar em rota de colisão com a saída das tropas americanas. A Índia vem buscando impor sua influência sobre o futuro do Afeganistão para que o país não volte a ser um abrigo para fundamentalistas islâmicos, cujo terrorismo tem a Índia como alvo. Já para o Paquistão, a influência indiana sobre o futuro afegão significa o perigo de ficar entrincheirado entre a Índia e um país dominado por ela.

Os Estados Unidos devem ver com bons olhos a aproximação entre Índia e Paquistão, duas nações com quem Washington possui relações especiais. Para os americanos, é essencial que o Estado paquistanês se fortaleça, uma vez que seu colapso, uma possibilidade não tão remota, poderia colocar armas de destruição em massa nas mãos de grupos terroristas islâmicos. Do outro lado, tornar robusta a economia da Índia, maior democracia do mundo, é um objetivo estratégico para os planos dos Estados Unidos de fazer frente aos chineses na Ásia.

Washington, como não poderia deixar de ser, está empenhada em negociar um futuro para o Afeganistão que garanta um mínimo de estabilidade política para o país após a retirada de suas tropas do país. É importante que o resultado dessas negociações contemplem também toda a situação regional, principalmente no que diz respeito à incipiente aproximação entre Islamabad e Nova Delhi.

Há diversas opiniões sobre a legalidade do bloqueio à Faixa de Gaza imposto por Israel. Segundo a “Declaração de Leis de Guerras Navais”, de 1909, partes em estado de guerra têm o direito de impor um bloqueio naval ao inimigo. Da mesma maneira, o Manual de San Remo (1994), que regula conflitos armados no mar, legitima o uso do bloqueio como arma de guerra. No entanto, algumas interpretações defendem que estas leis só se aplicam no caso de um “conflito armado internacional” – e que o fato de Gaza não ser um Estado desqualifica o caso diante dos tratados acima. É evidente que este é um debate jurídico banhado por motivações políticas, em que cada um dos lados busca uma visão das leis que justifique seus atos.

De todo modo, há argumentos razoáveis para justificar o bloqueio. O Hamas, cujo regime comanda o território, é uma entidade política que prega a destruição do Estado de Israel. O Hamas jamais poupou esforços para agir de forma violenta contra os cidadãos israelenses, seja com homens-bomba em ônibus e cafés ou com mísseis caseiros. Existe, desse modo, uma boa dose de validade para o argumento de legítima-defesa. Impedir que armas sejam contrabandeadas para a Gaza com o objetivo de atacar civis israelenses é obrigação de qualquer governo de Israel.

Este brinquedo de um parque em Sderot, Israel, foi contruído de forma reforçada para abrigar as crianças em casos de ataques de mísseis lançados pelo Hamas da vizinha Faixa de Gaza

Do ponto de vista político, o debate deve ser sobre a utilidade do bloqueio. Ele foi implementado em 2007, um ano depois de o Hamas vencer as eleições legislativas em todo o território palestino, incluindo a Cisjordânia. Na ocasião, homens armados do grupo islâmico tomaram o poder à força, excluindo fisicamente a presença dos rivais palestinos do secular partido Fatah.

Já se vão mais de quatro anos. No período, o lançamento de foguetes contra comunidades no sul de Israel cresceu muito. Algumas cidades, como Sderot, a poucos quilômetros da Faixa de Gaza, têm abrigos anti-bomba em parques para crianças e pontos de ônibus.  Centenas de milhares de israelenses vivem há anos à espera do alerta vermelho, o aviso de que um míssil está a quinze segundos de atingir o alvo.

A situação na Faixa de Gaza também não é boa. (Ainda assim, é bem melhor do que os relatórios de grupos supostamente humanistas que a chamam de campo de extermínio a céu aberto.) Organizações humanitárias levam comida, roupas e remédios para a população. Não falta o básico em Gaza. Mas a economia do território foi destruída pelos anos de bloqueio, principalmente após a guerra que Israel travou contra o Hamas no inverno de 2009 e que deixou mais de mil palestinos mortos. Os destroços deixados pelos bombardeios israelenses não puderam ser reconstruídos porque materiais de construção estão proibidos pelo bloqueio de Israel. O desemprego em Gaza é imenso, o que é especialmente perigoso em um pequeno lugar aonde vivem um milhão de pessoas, boa parte com menos de dezoito anos. (Gaza tem a população mais jovem do planeta.)

Israel diz que usa o bloqueio a Gaza como forma de se defender e de exercer pressão sobre o Hamas. A pergunta que se faz é qual o objetivo desta pressão. Os israelenses não têm interesse no fim do regime islâmico em Gaza. O poder jamais seria devolvido para a Fatah, partido que controla a Autoridade Palestina (AP), entidade reconhecida pelo comunidade internacional e com quem Israel oficialmente aceita negociar. A estrutura e a presença da AP foram completamente apagadas de Gaza no golpe do 2007. Quem ameaça o regime do Hamas, atualmente, são grupos islâmicos radicais, para quem o Hamas é  excessivamente conciliador com Israel.

O bloqueio a Gaza impede que o território seja reconstruído após a Guerra entre Hamas e Israel em 2009. Segundo agências da ONU, o desemprego no território é o mais alto do mundo e passa de 45% da população economicamente ativa.

A única lógica é que o boqueio seja uma forma de pressionar o Hamas a abandonar, ou ao menos suavizar, sua belicosidade. É um moeda de troca. Israel só permitiria que a economia de Gaza voltasse a funcionar, o que beneficiaria o regime, se o Hamas parasse de atirar sobre a cabeça dos israelenses.

Mas, para isso acontecer, é preciso que Israel e Hamas negociem. O acordo que recentemente libertou o soldado Gilad Shalit, depois de mais de cinco anos de cativeiro em Gaza, em troca de mais de mil prisioneiros palestinos, é apenas mais um entre os indícios de que pode haver diálogo entre as partes. Há espaço para negociações baseadas em interesses comuns. O Hamas quer, acima de tudo, manter o poder em Gaza. E, com a economia em frangalhos, a combinação de insatisfação popular com uma onda de protestos e revoltas pelo mundo árabe pode ser fatal. Para Israel, o objetivo final é manter a segurança dos cidadãos que vivem no sul do país. Para atingir esse objetivo, é preciso apaziguar o Hamas e também impedir que grupos ainda mais radicais ganhem força em Gaza.

É verdade que não há confiança entre as partes, inimigos mortais. Mas pode-se chegar a um entendimento se houver confiança no processo de negociação. Líderes árabes costumam a voltar de Israel com bons acordos. Anwar Sadat fez a paz com o Estado judeu, garantiu mais de trinta anos de paz para o Egito, recuperou os territórios ocupados na Guerra de 1967 e ainda firmou uma parceria duradoura com os Estados Unidos, ficando atrás apenas de Israel quando se trata de ajuda externa americana. O Rei Hussein, da Jordânia, recebeu tecnologia israelense para irrigação, fundamental em seu país quase todo desértico. Yasser Arafat, pai da causa palestina que usou e abusou do terrorismo, passou a levar vida de estadista respeitado no mundo todo ao longo década de noventa, anos em que ainda se acreditava no Processo de Paz de Oslo.

O Hamas vem dando alguns sinais de que quer passar para o campo dos moderados. A coalizão que sempre o uniu aos inimigos de Israel e de Ocidente – Irã, Síria e Hezbollah – pode sofrer sérios danos se e o regime do sírio Bashar al-Assad cair diante da crescente violência no país. A liderança do grupo palestino, que atualmente vive em Damasco, visitou recentemente Amman e Cairo em busca de um novo lar – e de um aliado que possa lhe garantir a sobrevivência em tempos difíceis como os de hoje. Tanto Egito quanto Jordânia mantêm relações com os israelenses e são amigos do Ocidente. Pesam também declarações de líderes do Hamas de que estariam dispostos a assinar um “cessar-fogo de longo prazo” com Israel.

Para que fosse garantida a segurança exigida por Israel no caso do fim do bloqueio, seria necessário que as mercadorias a desembarcar em Gaza fossem inspecionadas para que se certifique de que não se trata de armas. O Egito seria um candidato natural a realizar essa função, mas a fronteira entre Gaza e a Península do Sinai já é suficientemente porosa para que os egípcios tenham a confiança dos israelenses para desempenhar esse papel. Forças ocidentais seriam vistas pelos palestinos como imperialistas a serviços do sionismo. O que chegaria mais perto do aceitável seria uma combinação de alguns países europeus com algum país árabe, possivelmente o Qatar, que já abrigou até um escritório de representação comercial israelense e anda interessado em operações para projetar influência sobre o mundo árabe. (Doha opera sob o olhar atencioso da vizinha Arábia Saudita, cujo objetivo é combater a presença do Irã na região e para isso conta com seus parceiros do Golfo Pérsico.)

O desafio maior seria fazer o Hamas se reinventar, deixando pra trás a violência que marcou sua visão de resistência, para acatar os requisitos que o fariam um agente civilizado e legítimo para participar do diálogo político. Do outro lado, seria preciso convencer Israel a abandonar uma de suas doutrinas básicas, a que prega que a segurança do país deve ser sempre feita pelos próprios israelenses, jamais por terceiros. Desenhar um processo de negociação que permita às partes uma transformação profunda de suas posições é uma missão complexa. Exige tempo, paciência e trabalho. Mas, para que aconteça, é preciso, a cima de tudo, que Israel e Hamas negociem. Eles não precisam nem concordar nem se gostar, mas é interesse de ambos que comecem a conversar.

A presença, no último fim de semana, do Presidente Barack Obama em Bali, na Indonésia, para participar da reunião de Cúpula do Leste Asiático (EAS, na sigla em inglês) na sequência do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) no Havaí, deixou para muitos a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a redirecionar sua política externa para o Oceano Pacífico. De fato, há diversos fatores geopolíticos para que Washington busque um maior engajamento na região.

O Presidente Obama e outros líderes durante reunião da APEC no Havaí no dia 13 de novembro de 2011.

Não seria correto, entretanto, dizer que os americanos estão preparando um retorno ao Leste da Ásia porque os Estados Unidos jamais o deixaram. Desde a vitória na Segunda Guerra Mundial, a Marinha americana é soberana sobre as águas do Pacífico. No entanto, há uma percepção de que o continente asiático passa por profundas transformações, principalmente motivadas pela ascensão da China. O objetivo dos americanos é agir para que os interesses dos Estados Unidos sejam mantidos (ou, ao menos, maximizados) neste novo status quo.

A importância da Ásia para Washington é enorme. Cerca de metade da atividade econômica do mundo todo está lá. Em um momento de crise nos dois lados do Atlântico, é essencial que os Estados Unidos impulsionem sua economia por meio do comércio com seus parceiros asiáticos. Ciente desta necessidade, o Congresso americano aprovou no mês passado um acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul. Ao mesmo tempo, a diplomacia do país vem concentrando forças nas negociações da Parceria Trans-Pacífica, que recentemente passaram a contar com o Japão. (Ainda é incerto se Tóquio irá aderir à zona de livre-comércio no Pacífico, mas só o fato de o país ter aceitado negociar já é uma vitória para os americanos.)

O principal desafio, atualmente, à hegemonia americana na região vem de Pequim. Há três principais fatores para que os chineses busquem uma postura mais atuante na política asiática. Em primeiro lugar, a economia da China é fortemente dependente de comércio externo. Para manter seu crescimento econômico, a China precisa ser capaz de importar insumos e commodities e, na falta de um mercado interno robusto, precisa exportar aquilo que produz. O temor de Pequim é que, sem uma presença relevante do país nos mares do Pacífico, forças hostis (entenda-se os Estados Unidos) tenham o poder de bloquear pontos de navegação marítima que comprometam o comércio e a economia chinesa. Outro ponto diz respeito à capacidade militar do país. Há vinte anos sem o perigo de um confronto com a União Soviética e com regiões separatistas, como o Tibete, sob relativo controle, as fronteiras chinesas se encontram hoje mais seguras do que em toda a história recente do país. (Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, a China enfrentou constantes invasões externas, de forças como do Reino Unido e do Japão.) O resultado é que Pequim pôde concentrar maiores recursos para a construção de uma Marinha que possa, no futuro, atender aos interesses estratégicos e econômicos do país. (A distância entre as capacidades militares da China e dos Estados Unidos ainda é gigante, apesar dos importantes avanços feitos pelos chineses nas últimas décadas.) Por fim, o complexo e custoso envolvimento de Washington no Oriente Médio depois dos atentados de Onze de Setembro deram à China espaço para agir no Pacífico com certa liberdade nos últimos dez anos.

O Presidente Obama e a Primeira-Ministra Julia Gillard (segundo plano) anunciam acordo militar na base de Darwin, Austrália, no dia 16 de novembro de 2011.

É evidente, no entanto, que os Estados Unidos estão poucos dispostos a ceder espaço para navios chineses. Isto ficou bastante claro na escala que Obama fez na Austrália na semana passada, justamente entre as reuniões na Indonésia e no Havaí. Em Canberra, o Presidente anunciou um extenso pacote de cooperação militar entre os dois países. Bases navais e aéreas no Norte e no Oeste da Austrália terão maior presença de forças e equipamentos americanos. Além de reforçar a coordenação entre aliados historicamente próximos, o acordo tem como meta explorar a estratégica localização australiana. A partir da base de Darwin, por exemplo, os Estados Unidos têm rápido acesso ao Estreito de Malacca, a passagem que liga os Oceanos Índico e Pacífico, enquanto se mantêm distantes dos mísseis balísticos chineses.

 

A Austrália e o Estreito de Malaca, um ponto estratégico para o comércio marítimo por ligar os Oceanos Índico e Pacífico.

A estratégia de Washington consiste em criar um balanço de poder na região através de sua presença militar e de seu engajamento político. O objetivo é diminuir o espaço de manobra de Pequim e incentivar os chineses a negociarem os termos de uma nova realidade para o Pacífico de modo a manter o poder americano. Porém, segundo a visão da China, suas atividades para perseguir interesses nacionais em sua própria vizinhança são um direito naturalmente conferido por ser o país uma potência regional. A situação que se desenha neste cenário é a de crescentes contrastes entre os interesses dos Estados Unidos e da China no Leste de Ásia.

No último mês de agosto, a China começou a navegar seu primeiro porta-aviões.

O realinhamento da estratégia internacional dos americanos na direção do Oceano Pacífico é um processo que começou ao fim da Guerra Fria, quando o confronto com a União Soviética deixou de existir. Àquela época, a diplomacia de Washington compreendeu que seus desafios passavam por manter a dominação do país sobre os mares ao redor do mundo para que os Estados Unidos se consolidassem como a maior potência militar do planeta e para garantir a continuidade de seu comércio marítimo. Este processo foi prejudicado na primeira década do século XXI, quando os Estados Unidos concentraram-se nas ocupações do Iraque e do Afeganistão. Mas, foi retomado recentemente com a decisão de retirar as tropas destes países em breve. A reação da China, cujo poderio é o principal alvo da estratégia de Washington, irá criar um delicado confronto político entre as duas maiores forças da região. (Ainda é cedo para dizer que haverá um embate militar entre os dois, apesar de a opção não poder ser descartada para o futuro.) De todo modo, não deixa de ser curioso notar que, na era da alta tecnologia, o Oceano Pacífico esteja sendo palco de uma clássica batalha naval com duas potências disputando hegemonia sobre um mar e sobre seus pontos estratégicos.

O primeiro-ministro do Japão, Yoshihiko Noda, deve anunciar em breve que seu país irá negociar sua adesão à Parceria Trans-Pacífica (TPP, na sigla em inglês). Trata-se da iniciativa de uma zona de livre comércio no Círculo do Pacífico. Já fazem parte do acordo Chile, Brunei, Nova Zelândia e Cingapura. Negociam, Estados Unidos, Austrália, Peru, Malásia e Vietnam.

Recentemente, os americanos passaram a exercer pressão para que os japoneses se juntem ao grupo que prospecta aderir à Parceira. Washington vem voltando suas atenções para o Leste da Ásia, região que historicamente sempre abrigou interesses centrais do país. Afinal, este é o continente que mais produz crescimento econômico no mundo e aonde está a China, principal candidata a rival dos Estados Unidos no século XXI.

Yoshihiko Noda (à dir.) e Barack Obama. Os Estados Unidos querem que o Japão se junte a uma zona de livre-comérico no Círculo do Pacífico.

A adesão do Japão seria importante para os planos dos americanos na região. Juntos, americanos e japoneses responderiam por 90% de tudo o que é produzido pela TPP. A enorme importância econômica do Japão fortaleceria a Parceria, tornando-a um instrumento eficaz para contra-balancear o apetite da China na região. Além do mais, o arquipélago japonês está estrategicamente localizado a leste da costa chinesa. Reforçar a aliança com Tóquio é essencial para os EUA, especialmente em um momento em que a política externa de Pequim tem dado sinais de atividades expansionistas, principalmente no Mar da China Meridional, aonde recentes atividades da marinha chinesa tem criado atritos com países vizinhos que são aliados de Washington, como o Vietnam.

No entanto, o grupo político do primeiro-ministro enfrenta consistente oposição doméstica, principalmente de alguns setores agrícolas que temem serem devorados pela competição internacional. É também relevante um traço característico da cultura japonesa que varia entre momentos de isolamento e outros de expansão. Até o século XIX, por exemplo, o Japão viveu um período de pouquíssimo contato com outros países. Até que, por conta de pressões para se engajar em relações comerciais com as potenciais ocidentais (como vem acontecendo no caso do TPP), o país viveu um processo de abertura, culminando com um projeto imperialista que durou até a derrota da Segunda Guerra Mundial.

Noda acredita que seria mais barato compensar fazendeiros por suas perdas do que privar o país dos potenciais lucros de se juntar ao TPP. A queda nos preços de alguns produtos agrícolas beneficiaria as famílias japonesas. Já setores mais competitivos, como a indústria de carros e de alta tecnologia, poderiam ter ótimos resultados ao se juntar a uma zona de livre comércio que contaria, não apenas com os Estados Unidos, mas também com outros países que apresentam altos índices de crescimento e dinamismo econômico, como Peru e Austrália. Por último, juntar-se ao TPP seria uma maneira de fazer frente à expansão de nações vizinhas e rivais no cenário internacional – principalmente Coreia do Sul e China.

O governo japonês pretende adotar uma posição central nas negociações do TPP  com o objetivo de transmitir ao mundo que o Japão quer exercer um papel importante na política do Leste da Ásia e dos assuntos internacionais como um todo.  Porém, a política interna japonesa não deve dar espaço para nenhuma reforma importante no sentido de liberalizar a economia do país nem de abrir oportunidades para que o Japão se junte a tratados de livre-comércio. Apesar de o atual governo defender esta agenda, falta-lhe capital político para implementá-la. Noda é terceiro líder a ocupar o cargo de primeiro-ministro desde que seu Partido Democrático do Japão voltou ao poder há apenas dois anos. Em termos de popularidade, Noda também não vai bem. Seu governo conta com fraco apoio entre os japoneses por causa de críticas sobre como conduziu o país na época do devastador terremoto de 11 de março o do acidente nuclear na usina de Fukushima na sequência.

O crescimento econômico da última década e importantes transformações regionais mudaram a maneira de a Turquia conduzir sua política externa. O discurso habitual aponta os turcos virando-se contra o Ocidente para se voltar em direção ao Oriente, em particular ao Mundo Árabe. Nada mais falso. Uma análise detalhada dos interesses geopolíticos de Ankara mostra uma Turquia atrás de um papel bem mais complexo e relevante no cenário internacional.

A Turquia está localizada em uma importante passagem entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo

Historicamente, a Turquia sempre buscou ser uma ponte entre o Ocidente e o Oriente. Isso se dá por sua localização geográfica, ocupando os dois lados do Estreito de Bósforo e servindo de ligação entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo. Entre os imperativos geopolíticos dos turcos, além proteger a região do Mar de Mármara de invasões externas, está a necessidade de se expandir para buscar seus interesses econômicos. Durante o tempo do Império Otomano (1299 – 1923), a principal ambição turca foi a Bacia do Rio Danúbio. Além de ser estratégico do ponto de vista de segurança, o rio é o maior da região, oferece terras férteis em suas margens e é navegável até o sul da Alemanha, unindo-a aos ricos mercados europeus. Em seu auge, o Império compreendeu também a região dos Balcãs, do Levante, além de partes do Norte da África e do Cáucaso.

 

 

A Bacia do Rio Danúbio foi uma das mais importantes regiões conquistadas pelo Império Otomano

No entanto, com a derrota na Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano foi desmontado e sobrou à Turquia apenas o Estreito de Bósforo e a Península da Anatólia, uma região montanhosa, seca, sem rios importantes e de baixa capacidade de geração de capital, diminuindo imensamente o poder político e econômico do país. Para garantir  sua sobrevivência, fundou-se um Estado secular (a maioria da população é muçulmana sunita) e governado, basicamente, pelos militares. Externamente, a Turquia optou por manter uma posição de isolamento, baseada em uma política de não se envolver em conflitos com seus vizinhos. No entanto, na segunda metade do século XX, à época da Guerra Fria, restou aos turcos a necessidade de se aliar com o Ocidente por conta do temor de uma invasão soviética. Com as tropas de Moscou estacionadas à sua fronteira nordeste, na região do Cáucaso, e com a coordenação próxima dos russos com países árabes vizinhos, como Iraque e Síria, os turcos se aproximaram de Washington e firmaram uma duradoura parceria com Israel, uma vez que o Estado judeu era o principal aliado dos americanos na região e lutava contra os mesmos Estados árabes que carregavam uma ameaça a Ankara. Em 1952, a Turquia juntou-se à aliança militar do Ocidente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Expansão máxima do Império Otomano

Esta situação começou a mudar no início dos anos 90 do século passado. Com o colapso da União Soviética, as preocupações com segurança se modificaram. Sem a influência de Moscou, a vizinhança turca passou a ser marcada por conflitos étnicos, como nos Balcãs, e pela participação de outras potências, como no Iraque, aonde os Estados Unidos lançaram a operação Tempestade no Deserto em 1991. A Turquia deixou de estar em uma região marcada por Estados desimportantes que obedeciam às ordens dos russos para estar uma vizinhança em que potências importantes disputavam por influência, o que naturalmente fez Ankara considerar com mais atenção sua política externa.

Já no início do século XXI, a Turquia sofreu outro processo transformador. Assim como outros países emergente ao redor do mundo, como Índia, China e Brasil, a Turquia viveu uma década de importante crescimento econômico. Estes fatos motivaram os turcos a questionarem sua política externa. Internamente, o enriquecimento do país garantiu ao Primeiro-Ministro Recep Tayyip Erdogan, do Partido da Justiça e do Desenvolvimento, o islâmico AKP, a posição de figura política turca mais importante desde Kemal Atartuk, fundador do Estado moderno e secular. Nos últimos anos, Erdogan vem sendo o primeiro líder turco a desafiar a hegemonia dos militares na condução do país.

Dentre as possibilidades de expansão da influência turca, poucas são realmente factíveis. Os Balcãs, que separam a Turquia da Bacia do Rio Danúbio, é um região tomada por etnias rivais em constantes confrontos, o que por si só já dificultaria qualquer tentativa de se projetar nesta direção. Além do mais, são todos países membros – ou candidatos a membros – de instituições como a OTAN ou a União Europeia e não faz parte da estratégia turca entrar em conflito com seus parceiros ocidentais. O Cáucaso, por sua vez, também é palco de rivalidades regionais e é disputado por russos e iranianos. De qualquer modo, sua posição geográfica não oferece importantes ganhos econômicos.

Resta, ao sul, a região do Levante, compreendida por Líbano, Síria, Jordânia, Israel e Palestina. Apesar de também tumultuada politicamente e de não oferecer grandes oportunidades econômicas, a geografia local e a predominância da religião muçulmana facilitam a penetração turca. Em resumo, esta é única direção para qual os turcos podem se expandir, buscando quebrar com décadas de isolamento. Daí a recente guinada de Ankara na direção do Mundo Árabe. O esfriamento da relação com Israel, além de ser resultado do fim do contexto que unia os dois países nos tempos da Guerra Fria, tem como objetivo fortalecer a imagem da Turquia diante das populações dos países árabes. Ainda neste sentido, a chamada Primavera Árabe – protestos que se espalharam por alguns países desde o fim de 2010 – oferece grande oportunidade para Ankara ampliar sua influência sobre a região. O modelo político turco, que mistura democracia com valores islâmicos, vem sendo apontado como exemplo para países árabes em um futuro sem governos autoritários. Recentemente, o Primeiro-Ministro Erdogan visitou os três países cujos ditadores foram removidos – Tunísia, Egito e Líbia – com direito a recepções bastante calorosas nas ruas.

Recep Tayyip Erdogan, do partido islâmico AKP, é o mais importante líder recente da Turquia

Não faltam desafios para os turcos na região e o principal deles é a Síria, com quem dividem uma importante fronteira. Neste país, os protestos populares guardam um alto poder de empurrar os sírios para um sangrento conflito sectário como o que castigou o Líbano por toda a década de 1980. As consequências para Ankara seriam uma onda de refugiados em seu território e um possível endurecimento dos separatistas curdos, que lutam por independência do chamado Curdistão – que além da Turquia, envolve partes da Síria, do Iraque e do Irã. Uma guerra civil na Síria poderia facilitar o acesso do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) a armas. Apenas nos últimos dias, quase 30 soldados turcos foram mortos em ataques do PKK, que é considerado como grupo terrorista por Ankara, Washington e Bruxelas.

Ainda assim, Ankara tem dado claros sinais de rompimento com o regime do ditador sírio Bashar al-Assad desde que ele passou a reprimir a oposição com violência. Apesar de ter receios em relação à queda do ditador, a Turquia vê com bons olhos a substituição do atual regime alauíta por um sunita, que seria mais suscetível à sua influência. Porém, Ankara não deve interferir de forma muito assertiva no conflito do vizinho em um futuro próximo. Há dois riscos envolvidos. Engajar-se ativamente pelo fim do regime de Assad colocaria o governo turco em rota de colisão com o Irã, já que Assad é visto como um aliado estratégico de Teerã. Do mesmo modo, a Turquia se veria envolvida em uma disputa com a Arábia Saudita por quem teria maior liderança sobre a oposição síria, majoritariamente sunita assim com turcos e sauditas. Não é pouca coisa para um país que prega uma política de não entrar em confronto com vizinhos há nove décadas.

Nada disso significa voltar-se contra o Ocidente. A Turquia quer ser vista como um parceiro confiável do Ocidente e com influência no Oriente Médio. Ao mesmo tempo em que expulsou o embaixador israelenses de seu país, o governo turco reforçou seus compromissos com Washington e com a OTAN, concordando com a instalação de um sistema de radares americanos em seu território. Em relação à União Europeia, apesar do impasse nas negociações para que a Turquia seja incorporada ao bloco, ainda são próximas as relações. Cerca de 75% dos investimentos externos feitos na Turquia vêm da UE, além de serem os europeus responsáveis por metade das exportações turcas.

A Turquia é uma nação emergente que ainda não é vista como uma peça de primeira grandeza nas relações internacionais, apesar de sua importância ser crescente. A projeção sobre o Mundo Árabe não tem o potencial de transformar Ankara em líder global, podendo no máximo alcançar o papel de uma potência regional. De todo modo, ainda não há na Turquia, nem entre os seculares nem entre os religiosos, uma visão clara e determinada sobre os caminhos da política externa nem muito menos uma estratégia para alcançar seus objetivos no longo prazo.

No último dia 11 de outubro, Hamas e Israel anunciaram que chegaram, com mediação do Egito, a um acordo para libertar o soldado israelense Gilad Shalit, mantido em cativeiro na Faixa de Gaza há mais de cinco anos. Em troca, Israel deve soltar mais de mil prisioneiros palestinos que cumprem pena no país. O fato de as partes terem alcançado um entendimento – após um longo período de intensas negociações e acusações mútuas – diz bastante sobre as recentes mudanças geopolíticas no Oriente Médio.

O soldado israelense Gilad Shalit em vídeo divulgado pelo Hamas em setembro de 2009

Desde o ano 2000, quando uma onda de violência tomou conta de Israel e dos Territórios Palestinos, o Hamas ganhou enorme peso político, desafiando décadas de hegemonia do Fatah, o grupo liderado historicamente por Yasser Arafat. Através de atentados terroristas que mataram cerca de mil civis israelenses, o Hamas trouxe para a agenda da causa palestina o fundamentalismo islâmico (o Fatah sempre foi secular e se apóia no nacionalismo árabe) e o uso de homens-bomba como armas de resistência.

Principalmente após 2007, quando, por meio de um violento golpe de Estado, o Hamas varreu o Fatah da Faixa de Gaza e tomou conta do território (desocupado por Israel em 2005), o grupo islâmico palestino passou a receber consistente apoio do Irã. Há diversas razões para essa aliança. Com o Iraque e o Afeganistão, em suas fronteiras orientais e ocidentais, ocupados por tropas americanas, Teerã subiu seu tom contra os Estados Unidos e Israel e acelerou seu programa nuclear, considerado por seus inimigos como tendo fins militares. No conflito árabe-israelense, os iranianos dão suporte à milícia libanesa Hezbollah e ao Hamas em Gaza, ambos armados por Teerã contra Israel.

A partir do Líbano com o Hezbollah e da Faixa de Gaza com o Hamas, o Irã manteve quente a situação no norte e no sul de Israel

Parte fundamental da aliança entre o Irã e seus afiliados é o regime de Bashar al-Assad, na Síria. Para que as armas iranianas cheguem ao Hezbollah, é preciso que passem pelo território sírio (no verão de 2006, a milícia libanesa infringiu importantes perdas a Israel em uma guerra de mais de um mês). Quanto ao Hamas, a sede do grupo fica em Damasco, aonde vive seu principal líder, Khaled Mashaal, sob a proteção de Assad.

O acordo que libertará Gilad Shalit de seu cativeiro em Gaza dá claro sinais de que o Hamas está se distanciando do campo liderado por Teerã. E este fato não pode ser visto como uma surpresa. Enquanto os líderes iranianos, sírios e os libaneses do Hezbollah são muçulmanos xiitas (Assad é alauíta, uma corrente do islamismo xiita), os palestinos do Hamas são sunitas. Como é enorme e crescente a rivalidade entre as duas vertentes religiosas, é natural que o Hamas se sinta desconfortável em fazer parte desta aliança. Além do mais, desde que Assad começou a enfrentar fortes protestos internos, a percepção de sírios e iranianos é a de que o Hamas não está se esforçando o suficiente para apoiar o regime de Damasco. Este estranhamento colaborou ainda mais para que o centro de poder do Hamas se fixasse em Gaza, território que o grupo de fato administra. Como resultado, o Hamas se tornou mais pragmático, aproximando-se do Egito, seu único vizinho árabe – e sunita. Já se fala, inclusive, que o Cairo deve ser o próximo destino da liderança do Hamas que hoje vive na Síria.

De fato, a coordenação entre Hamas e Egito, inimigos históricos, é um dos pontos mais importantes do acordo para a troca de prisioneiros. O regime de Hosni Mubarak jamais se entendeu com a liderança palestina do Hamas em Gaza. Temendo o fundamentalismo islâmico em seu país, o líder egípcio combatia a Irmandade Muçulmana (grupo que nasceu no Egito na década de 20 e é considerado como patrono do Hamas) e manteve a passagem entre o Egito e Gaza fechada mesmo quando o território foi alvo de pesados ataques militares israelenses em janeiro de 2009.

Esta situação começou a mudar com a queda de Mubarak em fevereiro deste ano. A junta militar que o substituiu no comando do país legalizou a Irmandade Muçulmana como partido político, abriu a passagem de Rafah entre Gaza e o Egito (simbolicamente, já que a fronteira funciona com enormes restrições e em horários limitados) e elevou o tom contra Israel. É evidente que os militares egípcios tomaram essas medidas como forma de jogar para o público em um momento de instabilidade política interna, mas elas foram muito bem recebidas em Gaza.

Da mesma forma, Israel viu nas transformações políticas pelas quais vem passando o Mundo Árabe como um fator de incentivo para fechar o acordo. O próprio primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, declarou temer que, perdida esta oportunidade, a volta de Shalit se tornasse impossível. A percepção de Israel é a de que a chamada Primavera Árabe pode espalhar o fundamentalismo islâmico pela região. Também colaborou o interesse dos israelenses em fortalecer a relação com o Egito. Metade dos presos palestinos serão libertados como “ato de boa vontade” para os mediadores do acordo. Recentemente, atos anti-Israel nas ruas do Cairo e declarações pouco amistosas dos líderes militares egípcios colocaram o acordo de paz entre os dois países em risco pela primeira vez em mais de trinta anos.

A Faixa de Gaza, administrada pelo Hamas, é um pequeno território encravado entre Israel e Egito

A triangulação entre o Egito, Israel e o Hamas é extremamente importante, pois ela pode definir a situação de segurança na região. Desde a queda de Mubarak, grupos islâmicos se aproveitaram do vácuo de poder para usar a península do Sinai, no Egito, para promover ataques a Israel. Estes grupos, provenientes da Faixa de Gaza, não podem operar na região sem a ajuda ou a autorização do Hamas. Até agora, os palestinos vinha mostrando interesse na escalada da violência entre Israel e o Egito por acreditar que ela animaria os sentimentos anti-Israel da população egípcia, o que enfraqueceria a junta militar que controla o país (e que, apesar da retórica, manteve os acordos com os israelenses) e fortaleceria a Irmandade Muçulmana.

É cedo ainda para afirmar que o Hamas está abandonado seus aliados tradicionais e, mais ainda, para esperar que os palestinos deixarão de usar táticas de violência contra Israel. Da mesma forma, é incerto o quanto Cairo conseguirá influenciar o Hamas a ponto de manter a segurança na região. No entanto, com Assad ocupado em reprimir a oposição na Síria e com Teerã a milhares de quilômetros de distância, o Hamas procurará novos aliados com quem compartilhe interesses. E como nada é mais importante para o grupo palestino, neste momento, do que manter o poder na Faixa de Gaza, o Egito se torna um parceiro natural. Este realinhamento de forças deve impactar significativamente o conflito árabe-israelense e, por consequência, toda a política da região.

Não há perigo maior para a economia mundial na atualidade do que a radicalização política nos Estados Unidos. A recente disputa entre a Casa Branca e a oposição Republicana, que controla a Câmara dos Deputados, sobre a elevação do teto da dívida do país, evidenciou o imenso fosso que separa os dois principais partidos políticos americanos. Os lados não são mais capazes de concordar nem sobre o básico, nem sobre o mais essencial para o bom funcionamento do país.

O resultado é que a confiança na economia americana ficou profundamente abalada. Analisando friamente os números, não há nenhum motivo para os investidores temerem pela incapacidade dos Estados Unidos de honrarem com seus compromissos no curto e no médio prazo, apesar do crescente e famigerado déficit. No entanto, para o futuro, há preocupações evidentes. O envelhecimento da população, os crescentes custos de segurança social e outros problemas estruturais podem vir a ser uma carga que nem a potente economia dos Estados Unidos seja capaz de suportar.

É possível que reformas bem realizadas corrijam os caminhos para uma trilha saudável. Mas sem um entendimento sobre o que mudar, não há como implementá-las. As transformações necessárias para evitar o risco de um colapso da economia americana no longo prazo só podem ser realizadas se Democratas e Republicanos chegarem a um mínimo de entendimento para fazer a máquina andar.

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em primeiro plano, e Deputado Eric Cantor, Líder da Maioria Republicana na House of Representatives.

A mesma lógica acontece com a atual e profunda crise econômica por que passam os Estados Unidos. Os remédios oferecidos pelos liberais, que se identificam com o Presidente Barak Obama, são contrários às soluções propostas pelos conservadores, da oposição. Do lado da esquerda, defende-se que não há investimentos porque a falta de trabalho e o estouro da bolha das hipotecas fizeram sumir a demanda. A resposta, então, seria colocar as pessoas para trabalhar, aumentando os gastos do governo, aproveitando para reconstruir a decadente infra-estrutura do país e investindo pesado em programas de educação para gerar mão de obra qualificada. À direita, a ideia é agir com planos de austeridade para reduzir a dívida do país (que hoje é recorde histórico), além de encolher ainda mais o Estado, reduzindo impostos, cortando gastos e diminuindo regulações para que o mercado se sinta livre para investir e gerar os empregos de que o país precisa.

Até aí, nada de novo. De modo geral e com pequenas mudanças, é este o discurso de Democratas e Republicanos há algumas décadas. O que mudou é que os lados estão pouco dispostos a ceder em suas posições. E isto preocupante, especialmente no caso do sistema político americano. Lá, as forças foram distribuídas pelos pais fundadores da nação, os reverenciados founding father, de modo a haver instituições com poderes que se sobrepõem. O objetivo desse desenho (que é bastante diferente de outro modelo, o Parlamentarismo, que é usado em importantes democracias, principalmente na Europa e no Japão) é forçar que haja acordo, evitando que se concentre muito poder em poucas mãos, alcançando o equilíbrio por meio de constante vigilância entre os lados.

O problema é que, quando as partes não conseguem levantar da mesa com um mínimo de entendimento, o sistema deixa de funcionar com eficiência. É o que acontece neste momento. De certa forma, é natural que em momentos de crise haja uma procura maior por respostas simples. E discursos radicais nada mais são do que uma grande simplificação da realidade.

Como acontece sempre que duas ideias se opõem de forma extrema, a melhor alternativa repousa serenamente em algum lugar entre elas. No caso da crise americana, aumentar os gastos do governo para recuperar o nível de emprego e, por consequência, fazer crescer a demanda e o investimento parece fazer bastante sentido. Também são coerentes os argumentos dos Democratas de que é preciso investir em educação, inovação e infra-estrutura para competir com concorrentes que os americanos não tinham no passado, como chineses e indianos. Por outro lado, os problemas a pressionar o futuro requerem uma certa dose da austeridade fiscal defendida pelos Republicanos. Nesse mesmo campo, não há como negar que regulações e impostos, ainda que necessários para evitar novas crises como a que vivemos, sejam um obstáculo para a competitividade da economia.

Há razões para acreditar que os Estados Unidos irão superar seus entraves políticos. Apesar das demonstrações de fraca liderança do Presidente Obama e da criatividade dos conservadores radicais do movimento Tea Party para distorcer a realidade, a democracia americana se mantém robusta e sólida há mais de dois séculos e sobreviveu a situações bem complexas, como a segregação racial que existia em vários Estados do país até a década de 60 do século passado. E não se pode esquecer que a radicalização do debate traz sempre a oportunidade de mais debate, de mais ideias. Ainda que haja muito ruído e retórica, as discussões entre liberais e conservadores é o que, no final das contas, levará ao equilíbrio. Tomara que a campanha presidencial do ano que vem, na qual tanto o Presidente quanto a oposição já estão bastante engajados, traga mais do que acusações levianas e propostas populistas. Para o bem da economia de todo o mundo, é fundamental que os políticos americanos reencontrem o caminho do entendimento e que a poderosa capacidade intelectual dos Estados Unidos encontre um caminho estável e próspero para o país.

Após a queda do regime de coronel Muamar Kadafi na Líbia, as atenções do mundo voltam-se para o ditador da Síria Bashar al-Assad, que há meses vem reprimindo manifestações contra seu regime com violência.

Assad mantém, ainda hoje, a base política que o sustenta. Basicamente,  ela consiste nas minorias cristãs e alauítas (desta última, o próprio ditador é parte), além da elite e da classe média sunitas das cidades de Aleppo e Damasco. Em termos gerais, essas minorias temem que a queda de Assad leve a Síria a um conflito sectário no estilo que tomou conta do Iraque após o fim de regime de Saddam Hussein, o que faria a economia síria entrar em colapso e colocaria as minorias sob risco de perseguição.

No entanto, a continuação dos protestos e da forte repressão do regime pode, por si só, ser um foco irradiador de instabilidade. E a piora no cenário econômico do país por conta de sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia tem como maior vítima a classe média que, insatisfeita, poderia abrir as portas das mais importantes cidades do país para os protestos. Sem o apoio das elites, a missão de Assad de permanecer no poder fica bem mais complicada.

O Presidente da Síria Bashar al-Assad, à direita, e seu irmão Maher, comandante da Guarda Republicana, o mais temido órgão de segurança do país.

A continuação da violência também pode ter um efeito no aparto de segurança do regime. Já há notícias de soldados desconfortáveis em atirar em jovens desarmados desertando e se juntando aos revoltosos. Porém, isso ainda é insuficiente para derrubar Assad. Somente será um sinal de ameaça ao regime se houver deserções no aparato de inteligência militar entre os alauítas de altas patentes. Por enquanto, ainda não é esse o caso.

A minoria alauíta, no poder há décadas, poderia tentar uma medida desesperada para evitar a queda total do regime. Uma possibilidade seria a remoção de Assad como maneira de passar a impressão de que o regime está se reformando. Em outras palavras, dá-se o anel para salvar os dedos – perde-se Assad mas mantém-se a presença dos alauítas no poder, principalmente nas forças de segurança do país. Este caminho teria que ser seguido de medidas para denunciar Assad, chamar eleições e apontar uma nova liderança para a política externa que seja capaz de renegociar as sanções impostas sobre a Síria. O efeito colateral é que a oposição verá no movimento uma demonstração de fraqueza e uma oportunidade para derrotar o regime de forma definitiva.

Externamente, a situação é menos promissora para Assad. Os Estados Unidos e as principais potências europeias, que no início dos protestos se mostravam reticentes em condenar o regime e preferiam falar em reformas políticas, já pediram publicamente que Assad deixe o poder.  Na vizinhança, as reações têm sido diferenciadas. O maior interessado na permanência de Assad é o Irã. A aliança com Damasco é a mais importante que Teerã possui no Mundo Árabe. É a partir da Síria que os iranianos exercem sua influência na região do Levante (que inclui, além de Síria e Líbano, Israel, Jordânia e os Territórios Palestinos) armando e apoiando a milícia e partido político xiita libanês Hezbollah. Do ponto de vista geopolítico, Teerã pretende que o Iraque, após retirada americana, seja controlado por um governo xiita para que, junto com Síria e Líbano, forme um arco de influência iraniana da Ásia Central ao Mediterrâneo. Perder o regime de Assad seria um revés importante nos planos de Teerã.

Por outro lado, quem está vendo na queda de Assad uma grande oportunidade estratégica é, como não podia deixar de ser, a Arábia Saudita, principal rival do Irã na região. Riad quer evitar um fortalecimento de Teerã na região do Golfo Pérsico. E como a batalha pelo Iraque já parece perdida, a possibilidade de um regime sunita pró-Riad surgir em Damasco encanta a monarquia saudita. Por esta razão, A Arábia Saudita e seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo, como o Kuwait, retiraram seus embaixadores de Damasco e condenaram a repressão promovida por Assad. No campo de batalha, há notícias de que os sauditas estão armando grupos sunitas que combatem o exército sírio.

Washington está em uma posição delicada, o que explica a relutância que a administração Obama mostrou em condenar Assad de forma assertiva. Assad é acusado há alguns anos de apoiar grupos que os americanos consideram terroristas. Também não agrada a Washington a proximidade que Damasco mantém com Teerã. No entanto, Assad é a segurança para que a Síria não caia em um sangrento conflito sectário de sérias consequências para a região. Os Estados Unidos, por mais que vejam em Assad um inimigo, temem pelo o que pode vir a lhe suceder.

A mesma cautela é sentida em Jerusalém e em Ancara. Os israelenses, tecnicamente em estado de guerra com o governo sírio, receiam que os conflitos que surgiriam com a queda de Assad abram um nova frente para Israel combater em sua fronteira norte, mais especificamente nas colinas do Golan, região síria ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. A Turquia, por sua vez, quer evitar receber em seu território um onda de refugiados que a intensificação da violência na Síria fatalmente provocaria. Ao mesmo tempo, no longo prazo, os turcos veem com bons olhos a possibilidade de um regime sunita ser colocado em Damasco no lugar de Assad para poder exercer maior influência sobre a Síria e o Mundo Árabe.

Washington e seus aliados europeus elevaram bastante o tom contra o regime e países árabes importantes fortificaram suas posições anti-Assad. Quem vem garantido o pouco de apoio externo que sobrou ao ditador são China e Rússia, países com importantes interesses e negócios na Síria, além de Brasil e África do Sul, estes com peso diplomático ainda bem limitado. A ação de russos e chineses devem impedir que o Conselho de Segurança da ONU adote medidas drástica contra o regime sírio. Mas não se deve esperar que Pequim e Moscou se deixarão cair abraçados com Assad. Se o ditador for incapaz de conter a onda de violência, os dois países devem se afastar dele para começar a pensar na transição que lhes garanta a estabilidade desejada. Nem mesmo os aiatolás iranianos devem ficar com o ditador sírio até o final. Se o regime começar a dar sinais de que pode ruir, o mais provável é que Teerã se aproxime da oposição como forma de manter sua influência no futuro do país.

Apesar de Bashar al-Assad ainda manter sólida a base política que mantém o regime  desde que seu pai, Hafez al-Assad, tomou o poder em 1971, a pressão sobre ele é crescente. Quando os aliados de Assad, dentro e fora da Síria, tiverem a percepção de que o ciclo de violência e repressão esteja trazendo mais instabilidade do que os riscos embutidos na queda do regime, então Assad poderá começar a contar os dias que lhe restam no poder.

A notícia de que o presidente da Venezuela Hugo Chávez passou o último mês de junho se tratando de um câncer em Havana, Cuba, levanta diversas questões sobre o futuro do país e da América do Sul. Chávez construiu sua liderança política de forma a descentralizar o poder em volta de si, razão pela qual não é possível apontar um candidato natural a lhe suceder. Ainda que seja cedo para prever o futuro do chavismo, já é possível desenhar cenários para entender como os desdobramentos políticos do país podem afetar a agenda da região, trazendo riscos e oportunidades para o Brasil.

Ádan Chávez, à esquerda, irmão mais velho de Hugo Chávez, é apontado como possível sucessor do Presidente da Venezuela

Por enquanto, não há razões para Chávez se sentir ameaçado por nenhum grupo político. A oposição se mostrou altamente fragmentada mesmo diante do natural enfraquecimento político de Chávez após sua doença. Dificilmente a oposição seria capaz de se unir em torno de um único nome para concorrer na próximas eleições marcadas para dezembro de 2012. O mesmo ocorre na situação. O Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV), uma junção feita por Chávez para unir toda sua base aliada, reúne militares, esquerdistas radicais, progressistas e a velha ala comunista ligada à ditadura cubana. Sem a figura de Chávez, é praticamente impossível que o partido se mantenha unido para o pleito do ano que vem. Ainda mais significativa foi a recusa de Chávez a passar o poder ao seu vice, Elia Jaua, enquanto se recuperava da cirurgia em Havana. Jaua é um político chavista linha dura e um dos responsáveis por fortalecer a aproximação de seu país com Cuba. No caso de Chávez ter de se retirar da presidência, a Constituição diz que Jaua tem de assumir, o que faz crescer o temor de que, sob sua fraca liderança, o país mergulhe em uma profunda crise política. Outro personagem que aparece na linha sucessora é Adan Chávez, irmão mais velho do presidente. No entanto, suas posições consideradas radicais (ele já defendeu o uso da luta armada como método legítimo para se alcançar objetivos revolucionários) tornam-lhe duvidosas as possibilidades de construir uma base de apoio forte o suficiente para ser capaz de suceder o irmão.

As Forças Armadas são parte integrante da “revolução” de Chávez (ele mesmo foi um coronel e tentou dar um golpe de Estado em 1992). Em algumas ocasiões, o Exército reiterou que não aceitará um governo comandado pela oposição. Entretanto, o mais provável é que, no caso de Chávez sair de cena, o Exército apóie quem tiver capacidade de trazer estabilidade política para o país. Paralelamente, fez parte da estratégia de Chávez de fomentar a divisão do poder a sua volta, a iniciativa de armar a população através de milícias (a maior dela é a Milícia Nacional Bolivariana) para evitar que o exército tentasse derrubar seu governo. Desse modo, é incerto se algum agente político irá ocupar o imenso vácuo de poder deixado pela saída de Chávez sem causar intensa instabilidade política.

Ainda que Chávez se recupere plenamente, o futuro da Venezuela é incerto. Por si só, este fato chama a atenção de outros países com interesses na região. Os Estados Unidos, inimigos declarados por Chávez (ainda que sejam os maiores compradores de petróleo venezuelano) mantém os olhos na situação do país porque uma crise profunda e prolongada na Venezuela fatalmente afetaria os mercados de energia e fariam o preço do petróleo subir, o que teria impacto negativo na recuperação econômica americana. A Colômbia também se mantém atenta à questão. Bogotá sempre viu em Chávez uma ameaça por conta das relações próximas entre o venezuelano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma espécie de narco-guerrilha que atua no país. Em 2008, um ataque colombiano a um acampamento das FARC em solo equatoriano (o presidente do Equador Rafael Correa é um dos principais aliados de Chávez na região) abriu uma crise política que levantou os perigos de um confronto armado entre Colômbia e Venezuela. No entanto, o vazio de poder deixado por uma eventual saída de Chávez poderia fortalecer grupos políticos venezuelanos ainda mais próximos às FARC, criando insegurança para o governo colombiano e enfraquecendo os esforços de Bogotá – com o apoio de Washington – para vencer o tráfico de drogas e suas guerrilhas armadas no país.

O Brasil também possui interesses importantes em jogo. Como maior economia da região e com aspirações de se tornar uma liderança global, o Brasil não gostaria de ver um cenário de instabilidade com alta capacidade de gerar violência entre seus vizinhos. Por outro lado, a transição na Venezuela pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil aumentar sua influência e fazer crescer sua liderança regional. Por mais que Chávez sempre tenha sido tratado por Brasília como aliado, seu “movimento bolivariano” se mostrou por diversas vezes contrário aos interesses brasileiros. O momento mais claro foi quando, em 2006, o presidente boliviano Evo Morales, outro seguidor de Chávez, decidiu nacionalizar a exploração de petróleo e gás em seu país, causando perdas à Petrobrás e constrangendo a autoridade do governo brasileiro na região. Outro episódio revelador aconteceu em 2008, quando Rafael Correa assinou um decreto expulsando a empreiteira brasileira Odebrecht do Equador.

Enquanto países importantes da região tendem para o bolivarianismo de Chávez, como a Argentina, outros ainda apostam em práticas com influências neoliberais, como a Colômbia. A alternativa de consolidar o modelo econômico e político brasileiro como o hegemônico na região seria altamente produtiva para o Brasil acelerar o processo de integração regional sob sua liderança, ainda que dependa de Brasília abandonar a passividade que historicamente marca a diplomacia nacional. No caso de Chávez deixar o poder, há a possibilidade de uma crise política se instalar na Venezuela e, posteriormente, contaminar seus vizinhos. No entanto, há também uma oportunidade para o Brasil estabelecer de forma mais enfática sua posição no continente.

Ádan Chávez, à esquerda, irmão mais velho de Hugo Chávez, é apontado como possível sucessor do Presidente da Venezuela

Ao longo das últimas três décadas, a China passou por transformações profundas. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu a uma média anual de cerca de 9,0% e passou da sétima para a segunda posição entre as maiores economias do planeta. A política de abertura, que tirou o país do obscurantismo da Revolução Cultural (1966 – 1976), teve início com a morte de Mao Tsé Tung e a chegada ao poder de Deng Xiaoping. De acordo com a doutrina formulada pelo novo líder no final da década de setenta, a China deveria consolidar o seu forte crescimento sem que isso criasse uma coalizão inimiga que temesse e confrontasse o poderio do país. Em outras palavras, a política externa chinesa deveria ser pautada por ideais de não agressão, em que a China não buscaria assumir uma postura de liderança global, investindo na cooperação com os Estados Unidos e aceitando fazer negócios com qualquer país que reconhecesse a legitimidade do governo de Pequim. No entanto, o atual estágio econômico e político do país desafia este posicionamento – e a continuidade desta política é questionada tanto internamente como por outros países.

Deng tinha várias razões para não querer que a China não ganhasse muito destaque na agenda internacional. Antes de mais nada, o governo comunista chinês temia gerar desconfiança nos  vizinhos soviéticos, o que os incentivaria a agir contra o país. Do mesmo modo, não era interesse chinês entrar em rota de colisão com os Estados Unidos, uma vez que eram os americanos os únicos que poderiam impedir o Exército Vermelho de avançar sobre a China. Além do mais, os Estados Unidos eram vistos como essenciais para a consolidação da estratégia de crescimento econômico chinesa, já que grande parte da tecnologia absorvida pelo chineses vêm de parcerias com os americanos. Por mais de trinta anos, essa foi a maneira como a China se comportou no cenário internacional. No Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), por exemplo, Pequim usou seu poder de veto em apenas duas oportunidades, preferindo se abster de questões das quais discordava.

Entretanto, a pouca disposição em interferir em assuntos de ordem global começa a ficar deslocada no país que mais cresce no mundo e que já vê seus interesses espalhados por diversas regiões do globo. A consolidação da China como potência econômica depende da capacidade do país em assegurar interesses vitais, como acesso a fontes de energia e a pontos estratégicos de navegação. Outro ponto importante da assertividade chinesa está no Exército de Libertação Popular, o maior do mundo em número de tropas, que deve receber mais de US$ 90 bilhões em investimentos em 2011 – e cuja crescente autoconfiança e hostilidade em relação a forças rivais encontra enorme aceitação em um país fortemente nacionalista.

Os desafios para a política externa chinesa vêm crescendo e tendem a ser cada vez maiores. Na África, o apetite chinês por petróleo levou Pequim a se aproximar do governo do Sudão, ainda que Cartum estivesse sob acusação do Ocidente de promover o genocídio de suas minorias étnicas. Agora, com a separação do Sudão do Sul, a China terá de desenvolver uma política para se aproximar do novo Estado, aonde, afinal, estão as reservas de petróleo. Ao mesmo tempo, os principais oleodutos cruzam o norte, o que coloca Pequim numa delicada situação entre dois Estados que já nascem rivais. Ainda no continente, questiona-se qual seria a reação de Pequim no caso de um golpe de estado que nacionalizasse reservas de minérios exploradas com capital chinês em diversos países africanos. Na Ásia, a China tem feito esforços para ampliar sua influência no Mar do Sul da China, que banha diversos países do sudeste do continente, como Filipinas, Malásia, Brunei, Indonésia, Cingapura, Tailândia, Camboja e Vietnam. A região, que foi declarada por Pequim como “interesse central”, além de possuir partes ricas em petróleo (o que tem causado disputas territoriais entre chineses e vietnamitas), é usada por Pequim para treinamentos militares navais por ter águas profundas. Do ponto de vista geopolítico, o Mar é importante para a China por ser uma rota estratégica tanto para a segurança do território chinês quanto para a garantia sobre rotas marítimas essenciais para o enorme comércio do país. As políticas de Pequim no Mar do Sul da China deixam os Estados Unidos inquietos, uma vez que Washington deixou claro que não pretende assistir passivamente à expansão da China numa região em que os americanos têm interesses e aliados importantes.

Desde o fim da Guerra Fria, com o colapso da União Soviética no começo da década de 90, os Estados Unidos reinam absolutos como a única superpotência do mundo. Com a segunda maior economia do planeta, a China deve ocupar a vaga de principal rival dos americanos, ainda que a distância militar e econômica que separa os dois países continue gigantesca. Após manter uma postura discreta na comunidade internacional desde que iniciou seu processo de abertura e de crescimento econômico, Pequim dá sinais de que está repensando esta atitude, seja por vontade própria ou por imposição das circunstâncias. No entanto, diferentemente dos Estados Unidos, a China não foi fundada sob ideais a serem espalhados pelo mundo. A China é uma nação pragmática, que se movimenta de acordo com seus interesses econômicos e políticos. De certa maneira, é fundamental que os chineses se mostrem determinados a buscar os interesses que garantam seu crescimento, uma vez que o país é hoje um grande motor que impulsiona a economia de todo o mundo. No entanto, se as novas diretrizes políticas do gigante asiático passarem a colocar a segurança mundial em perigo, a capacidade de crescimento da economia mundial pode ser afetada.

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