Após a queda do regime de coronel Muamar Kadafi na Líbia, as atenções do mundo voltam-se para o ditador da Síria Bashar al-Assad, que há meses vem reprimindo manifestações contra seu regime com violência.

Assad mantém, ainda hoje, a base política que o sustenta. Basicamente,  ela consiste nas minorias cristãs e alauítas (desta última, o próprio ditador é parte), além da elite e da classe média sunitas das cidades de Aleppo e Damasco. Em termos gerais, essas minorias temem que a queda de Assad leve a Síria a um conflito sectário no estilo que tomou conta do Iraque após o fim de regime de Saddam Hussein, o que faria a economia síria entrar em colapso e colocaria as minorias sob risco de perseguição.

No entanto, a continuação dos protestos e da forte repressão do regime pode, por si só, ser um foco irradiador de instabilidade. E a piora no cenário econômico do país por conta de sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia tem como maior vítima a classe média que, insatisfeita, poderia abrir as portas das mais importantes cidades do país para os protestos. Sem o apoio das elites, a missão de Assad de permanecer no poder fica bem mais complicada.

O Presidente da Síria Bashar al-Assad, à direita, e seu irmão Maher, comandante da Guarda Republicana, o mais temido órgão de segurança do país.

A continuação da violência também pode ter um efeito no aparto de segurança do regime. Já há notícias de soldados desconfortáveis em atirar em jovens desarmados desertando e se juntando aos revoltosos. Porém, isso ainda é insuficiente para derrubar Assad. Somente será um sinal de ameaça ao regime se houver deserções no aparato de inteligência militar entre os alauítas de altas patentes. Por enquanto, ainda não é esse o caso.

A minoria alauíta, no poder há décadas, poderia tentar uma medida desesperada para evitar a queda total do regime. Uma possibilidade seria a remoção de Assad como maneira de passar a impressão de que o regime está se reformando. Em outras palavras, dá-se o anel para salvar os dedos – perde-se Assad mas mantém-se a presença dos alauítas no poder, principalmente nas forças de segurança do país. Este caminho teria que ser seguido de medidas para denunciar Assad, chamar eleições e apontar uma nova liderança para a política externa que seja capaz de renegociar as sanções impostas sobre a Síria. O efeito colateral é que a oposição verá no movimento uma demonstração de fraqueza e uma oportunidade para derrotar o regime de forma definitiva.

Externamente, a situação é menos promissora para Assad. Os Estados Unidos e as principais potências europeias, que no início dos protestos se mostravam reticentes em condenar o regime e preferiam falar em reformas políticas, já pediram publicamente que Assad deixe o poder.  Na vizinhança, as reações têm sido diferenciadas. O maior interessado na permanência de Assad é o Irã. A aliança com Damasco é a mais importante que Teerã possui no Mundo Árabe. É a partir da Síria que os iranianos exercem sua influência na região do Levante (que inclui, além de Síria e Líbano, Israel, Jordânia e os Territórios Palestinos) armando e apoiando a milícia e partido político xiita libanês Hezbollah. Do ponto de vista geopolítico, Teerã pretende que o Iraque, após retirada americana, seja controlado por um governo xiita para que, junto com Síria e Líbano, forme um arco de influência iraniana da Ásia Central ao Mediterrâneo. Perder o regime de Assad seria um revés importante nos planos de Teerã.

Por outro lado, quem está vendo na queda de Assad uma grande oportunidade estratégica é, como não podia deixar de ser, a Arábia Saudita, principal rival do Irã na região. Riad quer evitar um fortalecimento de Teerã na região do Golfo Pérsico. E como a batalha pelo Iraque já parece perdida, a possibilidade de um regime sunita pró-Riad surgir em Damasco encanta a monarquia saudita. Por esta razão, A Arábia Saudita e seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo, como o Kuwait, retiraram seus embaixadores de Damasco e condenaram a repressão promovida por Assad. No campo de batalha, há notícias de que os sauditas estão armando grupos sunitas que combatem o exército sírio.

Washington está em uma posição delicada, o que explica a relutância que a administração Obama mostrou em condenar Assad de forma assertiva. Assad é acusado há alguns anos de apoiar grupos que os americanos consideram terroristas. Também não agrada a Washington a proximidade que Damasco mantém com Teerã. No entanto, Assad é a segurança para que a Síria não caia em um sangrento conflito sectário de sérias consequências para a região. Os Estados Unidos, por mais que vejam em Assad um inimigo, temem pelo o que pode vir a lhe suceder.

A mesma cautela é sentida em Jerusalém e em Ancara. Os israelenses, tecnicamente em estado de guerra com o governo sírio, receiam que os conflitos que surgiriam com a queda de Assad abram um nova frente para Israel combater em sua fronteira norte, mais especificamente nas colinas do Golan, região síria ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. A Turquia, por sua vez, quer evitar receber em seu território um onda de refugiados que a intensificação da violência na Síria fatalmente provocaria. Ao mesmo tempo, no longo prazo, os turcos veem com bons olhos a possibilidade de um regime sunita ser colocado em Damasco no lugar de Assad para poder exercer maior influência sobre a Síria e o Mundo Árabe.

Washington e seus aliados europeus elevaram bastante o tom contra o regime e países árabes importantes fortificaram suas posições anti-Assad. Quem vem garantido o pouco de apoio externo que sobrou ao ditador são China e Rússia, países com importantes interesses e negócios na Síria, além de Brasil e África do Sul, estes com peso diplomático ainda bem limitado. A ação de russos e chineses devem impedir que o Conselho de Segurança da ONU adote medidas drástica contra o regime sírio. Mas não se deve esperar que Pequim e Moscou se deixarão cair abraçados com Assad. Se o ditador for incapaz de conter a onda de violência, os dois países devem se afastar dele para começar a pensar na transição que lhes garanta a estabilidade desejada. Nem mesmo os aiatolás iranianos devem ficar com o ditador sírio até o final. Se o regime começar a dar sinais de que pode ruir, o mais provável é que Teerã se aproxime da oposição como forma de manter sua influência no futuro do país.

Apesar de Bashar al-Assad ainda manter sólida a base política que mantém o regime  desde que seu pai, Hafez al-Assad, tomou o poder em 1971, a pressão sobre ele é crescente. Quando os aliados de Assad, dentro e fora da Síria, tiverem a percepção de que o ciclo de violência e repressão esteja trazendo mais instabilidade do que os riscos embutidos na queda do regime, então Assad poderá começar a contar os dias que lhe restam no poder.

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